América Latina: do
autoritarismo à transição democrática
Lucicleide Ferreira de Lima
Não há
dúvidas que o contexto internacional tem um peso significativo nas decisões e
políticas nacionais dos países. Ao se pensar em autoritarismo na América
Latina, logo existe uma ligação temporal: o pós-2ª Guerra Mundial e o início da
Guerra Fria.
Destarte,
a divisão do mundo em campos de influência durante a Guerra Fria fez com que o
interesse nacional ficasse consideravelmente em segundo plano, ou seja, devido
ao engajamento político socialista soviético e capitalista estadunidense os
países de todo o mundo deveriam tomar um partido em algum sentido.
Devido à
proximidade geográfica os Estados Unidos promoveu políticas que interviessem
nas decisões de vários países da América Latina. Assim, a perseguição ao
pensamento socialista na América Latina foi o ponto central em política
internacional no contexto da Guerra Fria.
Por outro
lado, surge um bloco de países que, inseridos na lógica do mundo bipolarizado,
que buscaram destacar o interesse nacional sobre a conjuntura internacional: o
Terceiro Mundo. De forma pragmática os países de Terceiro Mundo não se
consideravam de Primeiro Mundo – capitalistas no sentido estrito do
desenvolvimento –, e nem de Segundo Mundo – com a orientação socialista que
promovia a industrialização. Esse conceito foi apropriado pelos países
africanos e asiáticos com vistas ao não alinhamento bipolar com intenção de
alcançarem suas independências em relação ao sistema colonial que os europeus
lá instauravam.
Pode-se
dizer que a América Latina não se tinha mais essa relação de busca por
independências, mas de uma busca pelo interesse nacional, apesar da enorme
influência política que os Estados Unidos implantavam. Esse controle estadunidense fez surgir uma
série de governos autoritários de direita – com intuitos de perseguir a ideologia
socialista/comunista na América Latina, como na Argentina, Bolívia, Chile,
Peru, Uruguai e no Brasil.
Para
entender a transição desses governos autoritários para governos democráticos
são necessários estudos abordando o período militar na América Latina no qual envolvem
a metodologia sistêmica, ou seja, entende-se que o contexto da Guerra Fria
criou um contexto no qual a independência da soberania estatal ficou comprometida,
com fortes influencias das políticas estadunidenses.
No período
que se vivia, o contexto, havia-se grande temor da instauração de governos
socialistas, representados pelas desobediências civis, organizações sindicais e
movimentos populares. Dessa forma, a solução foi a instauração sistemática de
ditaduras militares que evitariam a insurreição de comunistas ao poder.
No caso da
Argentina, a partir de 1955 se inicia a instauração do militares no poder, que
derruba o governo peronista, que foi caracterizado como um regime ditatorial, e
buscava-se a defesa da democracia e da liberdade. (CAVAROZZI, 1988, pp. 37-50)
Classifica-se
que as intervenções militares na política argentina são entre 1955 a 1966 e a
instauração da ditadura militar se inicia em 1966 até 1975, com seu colapso
somente em 1983. Na primeira fase houve a alternância de governos militares e
governos constitucionais até a intervenção militar em toda política argentina a
partir de 1966. A ditadura militar estrita se instaura com o golpe militar do
General Onganía em julho de 1966, com busca pelo restabelecimento da democracia
com governos eleitos. A abertura
política, na Argentina, surge a partir de 1976, através dos liberais, como uma
posição partidária contrária ao peronismo. Enfatizava-se um Estado forte,
criticando o Estado democrático populista-desenvolvimentista, que era tido como
fraco, ganhando grande apoio dos militares. (Idem: pp. 55-70)
A
redemocratização na política argentina se deu 1983 com a introdução da
diversificação partidária, com alternativas eleitorais, que reforçou a
probabilidade da democracia da Argentina. Houve uma multiplicação de partidos
na Argentina, porém com dois centrais contrastando entre si, numa ‘direita’ e
‘esquerda’ tradicional. Porém, isso fortaleceu a transição para o processo
democrático. (Ibidem, pp. 72-73)
Na Bolívia
o golpe militar se instaurou em 17 de julho de 1980, após tentativas de
esforços de se instaurar a democracia. Porém, desde 1964 havia um domínio
autoritário na política boliviana, tendo como principal representante o
militarismo. (WHITEHEAD, 1988, pp. 76-83)
Uma
característica importante do autoritarismo militar na Bolívia foi a importação
de modelos ideológicos militares da América Latina:
O governo
estritamente militar na Bolívia teve uma breve duração, de 1980 a 1982, que foi
caracterizada pelo aumento da criminalidade, exportação ilegal de narcóticos,
marcando a identidade boliviana no campo internacional. Porém o processo
democrático que se instaurou a partir de 1982 foi bastante confusa e desordenada.
A principal característica da redemocratização boliviana foi a instauração de
partidos civis que trabalharam conjuntamente. (Ibidem, pp. 105-106)
No caso do
Chile, o golpe militar foi instaurado em 1973, com grande apoio dos Estados
Unidos, com a deposição de Salvador Allende. No início do governo militar
chileno, não se tinha um projeto ou orientação pelos militares, porém a partir
de 1975 se tomou uma direção precisa: tarefas estabilizadoras com um núcleo
hegemônico na condução do Estado. (GARRETÓN, 1988, pp. 140-148)
A ditadura
militar chilena foi caracterizada pelo não assistencialismo do Estado em
relação aos serviços sociais, com a aplicação de um liberalismo com a
supremacia dos grupos privados. E, principalmente, a perseguição e exclusão de
setores ideológicos ‘perigosos’ com utilização da capacidade repressiva do
Estado. (Idem: p. 160)
A
transição para a democracia, no Chile, teve um predicado distinto: a forte
pressão popular de forma organizada. A utilização de plebiscitos foi a principal
modelo democrático a partir da década de 1980. Em 1985 é que se findou a
ditadura, marcadamente pela participação das organizações sociais. (Ibidem, p. 183-185)
O golpe
militar no Peru se deu em 1968, mas em 1962 já vinha se integrandos militares
na vida pública peruana, devido a desarticulação dos políticos civis. Em 1962
houve uma tentativa de golpe militar, que foi desarticulada no ano seguinte.
Porém, em 1968 os militares instauraram uma ditadura que durou até 1980.
(COTLER, 1988, pp. 222-223)
O governo
militar peruano pós 1968 utilizou de monopólio militar na atividade estatal,
bem como de um voluntarismo político que acompanhava uma política econômica
populista. Entretanto, causou uma crise econômica significativa no Peru. (Idem, p. 233)
Um forte movimento
popular influenciou para o fim da ditadura militar, convocando eleições de uma Assembleia
Constituinte para 1978. Todavia, somente em 1980 que se instaurou o governo de
Balaúnde, pois este tinha grande preferência popular devido ao seu pluralismo e
defesa da democracia. (Ibidem, pp.
248-261)
No Uruguai
aconteceu o primeiro golpe militar de sua história em 1973, na substituição de
políticos civis por militares de alta patente. Convencidos de que poderiam
promover o desenvolvimento econômico do Uruguai, especialmente combater as
ideologias subversivas, os militares instauraram uma ditadura que duraria 11
anos. (GILLESPIE, 1988, pp. 265-269)
O que
marca a volta à democracia uruguaia foram os plebiscitos no início da década de
1980. Os militares tinham em mente um compromisso de devolver o poder aos
civis, mas devido a desorganização do processo eleitoral as eleições somente se
realizaram em 1984. (Idem: pp.
277-291)
A ditadura
militar no Brasil teve seu início em 1964, quando os militares tiraram do poder
o então presidente João Goulart, de orientações ‘esquerdistas’. Inicialmente,
os ‘militares da Sorbonne’ almejavam realizar o golpe de Estado para organizar
a estrutura política e posteriormente devolver o poder político aos civis.
Estes ficaram conhecidos como os ‘linhas-brandas’.
Esse
argumento se reforça quando Castello Branco – considerado linha-branda –
outorgou a Constituição de 1967. Seu governo dura de 1964 a 1967 sendo
prosseguido por um militar linha-dura, Artur da Costa e Silva. Existe uma vertente
historiográfica que acredita que durante os governos militares houve um ‘golpe
militar’, quando Costa e Silva, através do Ato Institucional 5, acaba por negar
a Constituição de 1967.
Assim, dá
o início para o governo linha-dura que vai de Costa e Silva (1967-1969)
prosseguido pelo governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Esse momento
de 1967 a 1973 ficou conhecido como os ‘anos de chumbo’ da Era Militar no
Brasil.
A
distensão – ou abertura política – se inicia no governo de Ernesto Geisel (1974-1979),
apesar de o governo seguinte de João Batista Figueiredo (1979-1984) tinha
grande apoio dos linha-dura do exército.
Com
políticas contra a distensão política, há grandes convulsões populares,
especialmente com as greves trabalhistas, movimentos sindicais. Tancredo Neves
foi o militar escolhido para assumir o governo em 1985, entretanto por motivos
de saúde – seguido de morte – não assumiu a presidência, sendo seu
vice-presidente José Sarney, um civil.
Assim, se
finda a ditadura militar no Brasil, havendo grande reforma no campo político,
se instituindo, em 1988 uma nova Constituição Federal brasileira e iniciando
uma era democrática que perdura até nossos dias.
Ao
analisar o período ditatorial em toda América Latina, pode-se entendê-lo como
um sistema ditatorial que se inicia ao longo da década de 1960 e que se
desenvolve em grande parte ao longo da década de 1970. E a década de 1980 ficou
marcada pelo início do período de redemocratização desses regimes políticos,
bem característico do fim da Guerra Fria.
A
perspectiva sistêmica é adotada para a melhor racionalização e interpretação
dessas longas décadas em que houve um surto de instauração de governos
militares apoiados pela superpotência ocidental – para evitar e perseguir
qualquer vertente do pensamento marxista ao longo de seu campo de influência.
A América
Latina ficou como um exemplo das políticas anti-ideológicas dos Estados Unidos,
que também utilizou dessa política em seu próprio território nacional com o
presidente Joseph McCarthy (1950-1956) que perseguiu cientistas, literários e
artistas com inclinações esquerdistas, política conhecida como macarthismo.
Bibliografia
CAVAROZZI,
Marcelo. ‘Ciclos políticos na Argentina a
partir de 1955’. In: O’DONNELL,
Schmitter & WHITEHEAD, Laurence (Orgs). Transições do regime autoritário: América Latina. – São Paulo:
Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988, pp. 37-75.
WHITEHEAD,
Laurence. ‘A democratização fracassada da
Bolívia: 1977-1980’. In:
O’DONNELL, Schmitter & WHITEHEAD, Laurence (Orgs). Transições do regime autoritário: América Latina. – São Paulo:
Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988, pp. 76-107.
GARRETÓN,
Manuel Antonio. ‘Evolução política do
regime militar chileno e problemas da transição para a democracia’. In: O’DONNELL, Schmitter &
WHITEHEAD, Laurence (Orgs). Transições
do regime autoritário: América Latina. – São Paulo: Vértice, Editora
Revista dos Tribunais, 1988, pp. 140-185.
COTLER,
Julio. ‘Intervenções militares e
‘transferência do poder aos civis’ no Peru’. In: O’DONNELL, Schmitter &
WHITEHEAD, Laurence (Orgs). Transições
do regime autoritário: América Latina. – São Paulo: Vértice, Editora
Revista dos Tribunais, 1988, pp. 222-264.
GILLESPIE,
Charles G. ‘A transição do regime
militar-tecnocrático colegiado no Uruguai’. In: O’DONNELL, Schmitter & WHITEHEAD, Laurence (Orgs). Transições do regime autoritário: América
Latina. – São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988, pp.
265-298.
Após a restauração das democracias todos esses países adotaram a posição neoliberal para suas economias o que, com exceção do Chile, levaram a uma maior disparidade social e seu pífio desenvolvimento econômico. Isso culminou na volta ao poder dos partidos de orientação esquerdistas que romperam com as políticas estritamente neoliberais. Ou seja, durante a década de 60 o discurso comunista/esquerdista foi combatido e "golpeado" pela direita, mas na atualidade a mesma esquerda volta ao poder pelo voto democrático. Sera que temos uma vocação esquerdista na A.L?
ResponderExcluirCarlos Sete,
ExcluirPrimeiramente obrigada por interagir com o tema.
Seu comentário suscita um debate enriquecedor acerca da “esquerda” na A.L, e este espaço que nos cedido cabe uma réplica.
À esquerda e a direita na A.L no século XX tinham seus conceitos bem definidos: uma corrente capitalista e outra socialista, neste período havia uma corrente hegemônica esquerdista (URSS) que orientava as esquerdas nacionais, com o fim da Guerra Fria e a derrubada do muro de Berlim o socialismo real se dissolveu, e o conceito de esquerda ficou abalado.
Atualmente, o que se assiste é uma esquerda fragmentada com grupos anticapitalista, ou reformista (do capitalismo). Percebo que, atualmente, não existe mais a “mesma esquerda” (como citou) o que tem são grupos esquerdistas divididos e que não têm a ideologia do ponto de vista filosófico do socialismo do século XX. Já na questão política, cada pais da América Latina, independentemente, defende sua ordem nacional/soberana.
Respondendo a sua pergunta, baseada no contexto histórico e político o que concluo é que, atualmente, não se tem na América Latina uma vocação esquerdista, o que existe são países de esquerda reformista que assinam tratados bilaterais com governos neoliberais, rompendo dessa forma com o modelo “esquerdista”, por outro lado se tem o governo de esquerda (não mais o modelo do séc.XX) integrando-se no Mercosul, e que mantém em sua política nacional projetos neoliberais.
Particularmente, eu queria um governo comprometido com o discurso revolucionário, entretanto, o capitalismo e a globalização são dinâmicos, e até ao seu esgotamento as forças econômicas são maiores que as forças sociais.
Lucicleide
Oi Creomar como vai tudo bem???olha hoje estava mudando de canal e passei pelo canal TV JUSTIÇA e me deparei com você falando sobre relacões internacionais...e reconheci você na hora....estudamos juntos no centro de ensino nr.8 no Guará ...nossa fiquei muito feliz por saber onde você chegou !!!!!!!Isso mostra que somente através do estudo a pessoa tem sucesso na vida profissional assim como você!!!!!!!!Não sei se você vai lembrar de mim ,mas o legal é que te reconheci e só tenho a te deseja mais coisas boas pra você.PS:Olha pelo menos temos algo em comum...eu trabalho como motorista em uma organização internacional...nada comparado com a sua profissão.hihihihihihi...Se quiser ,você pode fazer uma visita no meu perfil,no facebook...FERNANDOBEIRALAGO.See you around ,All the best!!!!!!!!
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