quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Uma democracia pós-ideologica e pós-partidária?

As manifestações populares que abalam o mundo árabe trazem à tona algumas reflexões acerca do papel do povo em transformações políticas e permite também a desconstrução de alguns mitos acerca desta região do mundo. Nesta breve reflexão pretende-se entender em que medida tais eventos alteram as percepções que temos acerca da política como ato de manifestação de vontades, bem como, dos preconceitos que são construídos cotidianamente acerca do Oriente Médio.

Inicialmente, acredita-se que é importante caracterizar aqueles grupos que aqui se consideram tradicionais. Os mesmos são: partidos, associações políticas e outros que a eles se assemelhem. No caso egípcio, especificamente, podem ser incluídos inclusive os grupamentos colocados na clandestinidade - como a Irmandade Muçulmana (que vários meios midiáticos citam, mas, poucos compreendem) assim como indivíduos como Mohamed El Baradei (indicado alguns como um dos líderes do movimento da Praça Tahir).

Tendo o Egito como estudo de caso, tem-se a partir da observação dos movimentos populares no Cairo e em outras cidades do país a constatação de dois elementos que se consideram aqui importantes: primeiro, não há nenhuma vinculação partidária ou ideológica vísivel no processo de manifestação e segundo, as lideranças tradicionais mesmo aquelas que faziam oposição ao regime não conseguem ser catalisadoras do processo político em curso - vide a falta de expressividade de indíviduos ou de grupos políticos na situação egípcia atual.

E quais seriam as raízes dessa situação? Em primeira instância aquelas vinculadas a pirâmide de Maslow em seus mais variados níveis. Fome, desemprego e falta de oportunidades para muitos e falta de acesso à informação e de exercício da própria vontade para outros. Neste aspecto especificamente cabe analisar o quão incompetentes são as forças políticas tradicionais não só no Egito, assim como em outras partes do mundo em oferecer soluções para uma juventude que está ansiosa por um mundo de oportunidades que mudam a cada instante.

Não por acaso se forem cruzados dados demográficos e as localidades dos protestos. Será perceptível o fato de que as populações de Egito, Tunísia, Argélia só para ficar nestes casos são característicamente jovens. Tais grupamentos populacionais são observadores das mudanças que o mundo vem passado em dois referenciais distintos: o primeiro que mostra as oportunidades e benesses da globalização e o segundo, mais introspectivo que permite a cada um desses jovens perceber o quanto suas sociedades estão ultrapassadas em aspectos materiais. Entenda-se, o referencial aqui não acredita que o problema do mundo árabe seja a religião. Essa seria uma explicação simplista e carregada de preconceitos que não serão disseminados por este autor.

O fato central desta análise é, que assim como em outros países e regiões cujas elites políticas se perpetuam no poder a base da simples exploração de seu próprio povo e da negação do mais simples elemento a eles, ou seja, oportunidade de sobrevivência digna. Hoje no Oriente Médio se enxerga de maneira clara uma parcela da sociedade que simplesmente chegou ao seu limite de saturação. Em termos alegóricos é dizer que os cidadão cansaram de esmolar na rua enquanto seus chefes políticos desfilam em belos carros.

E neste aspecto especificamente, encontra-se uma explicação bastante plausível no fato de que grande parte das ações de protesto, bem como, os próprios manifestantes tenham construído suas ações via internet. Tais ações surgiram de forma espontânea e não buscaram nenhum tipo de justificador conceitual em algum dos elementos políticos vigentes ou concorrentes daquelas sociedades. Antes disso a simplificação do discurso é de fundamental importância para entender-se o quão desgastadas estão as forças políticas que disputam poder naquela região do mundo. Cabendo portanto a juventude interconectada um papel fundamental no processo revolucionário em marcha.

A atual situação é também fruto do alto grau de ineficiência que marca os processos de gestão e construção de políticas públicas dos casos ora vistos. Contudo, não se pode deixar de mensurar o fato de que o alerta cabe não só aos donos do poder no Oriente Médio, mas, também a outros grupos políticos mundo afora. Quando o sistema impede as pessoas de se expressarem e de terem suas expectativas e sonhos minimamente realizados o povo acaba encontrando formas de abalar ou quem sabe alterar as estruturas vigentes.

Respondendo a pergunta do título, não é possível afirmar se os eventos resultarão na construção de uma democracia ou assemelhado na região. Contudo, pode-se crer que em certa medida ocorre um movimento novo que transcende questões ideológicas postas à direita ou à esquerda. E que quanto mais lentas forem as reações dos grupos políticos tradicionais envolvidos, mais profundas tendem as ser as mudanças resultantes. A janela de oportunidade que se apresenta será ocupada por algum grupo, a questão a ser respondida é se esse agrupamento será partidário ou se estará enquadrado em uma nova sintonia como a exposta pelos manifestantes que abalam o Oriente Médio hoje.

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