Nunca tantos brasileiros chegaram às salas de aula das universidades, fizeram pós-graduação ou MBAs. Mas, ao mesmo tempo, não só as empresas reclamam da oferta e qualidade da mão-de-obra no país como os índices de produtividade do trabalhador custam a aumentar.
Por Ruth Costas
Na última década, o número de matrículas no
ensino superior no Brasil dobrou, embora ainda fique bem aquém dos
níveis dos países desenvolvidos e alguns emergentes. Só entre 2011 e
2012, por exemplo, 867 mil brasileiros receberam um diploma, segundo a
mais recente Pesquisa Nacional de Domicílio (Pnad) do IBGE.
"Mas mesmo com essa expansão, na
indústria de transformação, por exemplo, tivemos um aumento de
produtividade de apenas 1,1% entre 2001 e 2012, enquanto o salário médio
dos trabalhadores subiu 169% (em dólares)", diz Rafael Lucchesi,
diretor de educação e tecnologia na Confederação Nacional da Indústria
(CNI).
A decepção do mercado com o que já está sendo
chamado de "geração do diploma" é confirmada por especialistas,
organizações empresariais e consultores de recursos humanos.
"Os empresários não querem canudo. Querem
capacidade de dar respostas e de apreender coisas novas. E quando testam
isso nos candidatos, rejeitam a maioria", diz o sociólogo e
especialista em relações do trabalho da Faculdade de Economia e
Administração da USP, José Pastore.
Entre empresários, já são lugar-comum relatos de
administradores recém-formados que não sabem escrever um relatório ou
fazer um orçamento, arquitetos que não conseguem resolver equações
simples ou estagiários que ignoram as regras básicas da linguagem ou têm
dificuldades de se adaptar às regras de ambientes corporativos.
"Cadastramos e avaliamos cerca de 770 mil jovens
e ainda assim não conseguimos encontrar candidatos suficientes com
perfis adequados para preencher todas as nossas 5 mil vagas", diz Maíra
Habimorad, vice-presidente do DMRH, grupo do qual faz parte a Companhia
de Talentos, uma empresa de recrutamento. "Surpreendentemente,
terminanos com vagas em aberto."
Outro exemplo de descompasso entre as
necessidades do mercado e os predicados de quem consegue um diploma no
Brasil é um estudo feito pelo grupo de Recursos Humanos Manpower. De 38
países pesquisados, o Brasil é o segundo mercado em que as empresas têm
mais dificuldade para encontrar talentos, atrás apenas do Japão.
É claro que, em parte, isso se deve ao
aquecimento do mercado de trabalho brasileiro. Apesar da desaceleração
da economia, os níveis de desemprego já caíram para baixo dos 6% e têm
quebrado sucessivos recordes de baixa.
Mas segundo um estudo divulgado pelo Instituto
de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) divulgado nesta semana, os
brasileiros com mais de 11 anos de estudo formariam 50% desse
contingente de desempregados.
"Mesmo com essa expansão do ensino e maior
acesso ao curso superior, os trabalhadores brasileiros não estão
conseguindo oferecer o conhecimento específico que as boas posições
requerem", explica Márcia Almstrom, do grupo Manpower.
Causas
Especialistas consultados pela BBC Brasil apontam três causas principais para a decepção com a "geração do diploma".
A principal delas estaria relacionada a
qualidade do ensino e habilidades dos alunos que se formam em algumas
faculdades e universidades do país.
Os números de novos estabelecimentos do tipo
criadas nos últimos anos mostra como os empresários consideram esse
setor promissor. Em 2000, o Brasil tinha pouco mais de mil instituições
de ensino superior. Hoje são 2.416, sendo 2.112 particulares.
"Ocorre que a explosão de escolas superiores não
foi acompanhada pela melhoria da qualidade. A grande maioria das novas
faculdades é ruim", diz Pastore.
Tristan McCowan, professor de educação e
desenvolvimento da Universidade de Londres, concorda. Há mais de uma
década, McCowan estuda o sistema educacional brasileiro e, para ele,
alguns desses cursos universitários talvez nem pudessem ser
classificados como tal.
"São mais uma extensão do ensino fundamental",
diz McCowan. "E o problema é que trazem muito pouco para a sociedade:
não aumentam a capacidade de inovação da economia, não impulsionam sua
produtividade e acabam ajudando a perpetuar uma situação de
desigualdade, já que continua a ser vedado à população de baixa renda o
acesso a cursos de maior prestígio e qualidade."
Para se ter a medida do desafio que o Brasil têm
pela frente para expandir a qualidade de seu ensino superior, basta
lembrar que o índice de anafalbetismo funcional entre universitários
brasileiros chega a 38%, segundo o Instituto Paulo Montenegro (IPM),
vinculado ao Ibope.
Na prática, isso significa que quatro em cada
dez universitários no país até sabem ler textos simples, mas são
incapazes de interpretar e associar informações. Também não conseguem
analisar tabelas, mapas e gráficos ou mesmo fazer contas um pouco mais
complexas.
De 2001 a 2011, a porcentagem de universitários
plenamente alfabetizados caiu 14 pontos - de 76%, em 2001, para 62%, em
2011. "E os resultados das próximas pesquisas devem confirmar essa
tendência de queda", prevê Ana Lúcia Lima, diretora-executiva do IPM.
Segundo Lima, tal fenômeno em parte reflete o
fato da expansão do ensino superior no Brasil ser um processo
relativamente recente e estar levando para bancos universitários jovens
que não só tiveram um ensino básico de má qualidade como também viveram
em um ambiente familiar que contribuiu pouco para sua aprendizagem.
"Além disso, muitas instituições de ensino
superior privadas acabaram adotando exigências mais baixas para o
ingresso e a aprovação em seus cursos", diz ela. "E como consequência,
acabamos criando uma escolaridade no papel que não corresponde ao nível
real de escolaridade dos brasileiros."
Postura e experiência
A segunda razão apontada para a decepção com a geração de diplomados estaria ligada a “problemas de postura” e falta de experiência de parte dos profissionais no mercado.
"Muitos jovens têm vivência acadêmica, mas não
conseguem se posicionar em uma empresa, respeitar diferenças, lidar com
hierarquia ou com uma figura de autoridade", diz Marcus Soares,
professor do Insper especialista em gestão de pessoas.
"Entre os que se formam em universidades mais
renomadas também há certa ansiedade para conseguir um posto que faça jus
a seu diploma. Às vezes o estagiário entra na empresa já querendo ser
diretor."
As empresas, assim, estão tendo de se adaptar ao
desafio de lidar com as expectativas e o perfil dos novos profissionais
do mercado – e em um contexto de baixo desemprego, reter bons quadros
pode ser complicado.
Para Marcelo Cuellar, da consultoria de recursos
humanos Michael Page, a falta de experiência é, de certa forma natural,
em função do recente ciclo de expansão econômica brasileira.
"Tivemos um boom econômico após um período de
relativa estagnação, em que não havia tanta demanda por certos tipos de
trabalhos. Nesse contexto, a escassez de profissionais experientes de
determinadas áreas é um problema que não pode ser resolvido de uma hora
para outra", diz Cuellar.
Nos últimos anos, muitos engenheiros acabaram trabalhando no setor financeiro, por exemplo.
"Não dá para esperar que, agora, seja fácil
encontrar engenheiros com dez ou quinze anos de experiência em sua área –
e é em parte dessa escassez que vem a percepção dos empresários de que
‘não tem ninguém bom’ no mercado", acredita o consultor.
'Tradição bacharelesca'
Por fim, a terceira razão apresentada por especialistas para explicar a decepção com a "geração do diploma" estaria ligada a um desalinhamento entre o foco dos cursos mais procurados e as necessidades do mercado.
"É bastante disseminada no Brasil a ideia de que cargos de gestão pagam bem e cargos técnicos pagam mal. Mas isso está mudando – até porque a demanda por profissionais da área técnica tem impulsionado os seus salários."
Gabriel Rico
De um lado, há quem critique o fato de que a
maioria dos estudantes brasileiros tende a seguir carreiras das ciências
humanas ou ciências sociais - como administração, direito ou pedagogia -
enquanto a proporção dos que estudam ciências exatas é pequena se
comparada a países asiáticos ou alguns europeus.
"O Brasil precisa de mais engenheiros,
matemáticos, químicos ou especialistas em bioquímica, por exemplo, e os
esforços para ampliar o número de especialistas nessas áreas ainda são
insuficientes", diz o diretor-executivo da Câmara Americana de Comércio
(Amcham), Gabriel Rico.
Segundo Rico, as consequências dessas
deficiências são claras: "Em 2011 o país conseguiu atrair importantes
centros de desenvolvimento e pesquisas de empresas como a GE a IBM e a
Boeing", ele exemplifica. "Mas se não há profissionais para impulsionar
esses projetos a tendência é que eles percam relevância dentro das
empresas."
Do outro lado, também há críticas ao que alguns
vêem como um excesso de valorização do ensino superior em detrimento das
carreiras de nível técnico.
"É bastante disseminada no Brasil a ideia de que
cargos de gestão pagam bem e cargos técnicos pagam mal. Mas isso está
mudando – até porque a demanda por profissionais da área técnica tem
impulsionado os seus salários", diz o consultor.
Rafael Lucchesi concorda. "Temos uma tradição
cultural bacharelesca, que está sendo vencida aos poucos”, diz o
diretor da CNI – que também é o diretor-geral do Senai (Serviço Nacional
da Indústria, que oferece cursos técnicos).
Segundo Lucchesi, hoje um operador de instalação
elétrica e um técnico petroquímico chegam a ganhar R$ 8,3 mil por mês.
Da mesma forma, um técnico de mineração com dez anos de carreira poderia
ter um salário de R$ 9,6 mil - mais do que ganham muitos profissionais
com ensino superior.
"Por isso, já há uma procura maior por essas
formações, principalmente por parte de jovens da classe C, mas é preciso
mais investimentos para suprir as necessidades do país nessa área",
acredita.
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