segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Mercosul na Rodada São Paulo: opções e perspectivas brasileiras sobre o comércio internacional, por Leandro Freitas Couto & Creomar Lima Carvalho de

Os oito anos de administração Lula foram marcados pelo crescimento de um viés afirmativo das relações internacionais do Brasil. Isto quer dizer que, amparado na figura carismática do presidente, no profissionalismo da diplomacia e em uma agenda de poder própria as ações externas brasileiras se constituíram de modo a pavimentarem uma agenda de poder e potência no médio-longo prazo. Dentro deste novo paradigma, iniciativas foram construídas nos mais diversos âmbitos de maneira que o Brasil pudesse demonstrar um modelo de liderança internacional não coercitivo e baseado em parcerias estratégicas com outros Estados que também buscavam o desenvolvimento.

Neste processo de consolidação de um papel mais ativo na política global, várias agendas foram se consolidando. Indo da construção de modelos de cooperação para o desenvolvimento até a tentativa de mediação de conflitos internacionais de maior vulto. Diante deste quadro marcado por algumas vitórias – como a construção do G -20, e alguns percalços – como o acordo Brasil-Irã-Turquia, uma linha de ação ficou perceptível em termos do entendimento dos objetivos da política externa do governo Lula.

Em suma, pode-se afirmar que a diminuição das assimetrias entre países ricos e pobres tornou-se o cerne das concepções brasileiras durante a administração Lula da Silva. Tal processo constituiu-se, através de várias agendas, tanto de segurança, quanto políticas e também econômicas. No caso específico do comércio, tal discurso foi se consolidando de maneira que a diplomacia brasileira passou a defender a diminuição das assimetrias que perpetuam as vantagens comparativas dos centros econômicos globais sobre as periferias do sistema.

Desta maneira, por diversas vezes o Brasil levantou pleitos no sentido de diminuição de subsídios, das mais diversas ordens, aplicados pelos países ricos, com o objetivo de dar uma feição mais equilibrada ao comércio internacional. Tal processo, por questões de ordem política tanto interna dos países alvo, quanto da própria ineficácia dos organismos internacionais em encontrar soluções para tais dilemas acabou sendo deixado em segundo plano nos processos de negociação.

Diante do horizonte estático representado pelas eventuais mudanças que liberalizassem o comércio internacional, o Estado brasileiro foi paulatinamente construindo uma nova abordagem sobre o comércio internacional e suas prioridades. Assim sendo, consolidou o entendimento de que as relações comerciais com os países ricos não sofreriam grandes alterações em um curto espaço de tempo. Optou-se pela construção de uma estratégia que inseriu as questões comerciais no âmbito de uma perspectiva de cooperação sul-sul.

Ciente das possibilidades representadas pelo comércio entre os chamados emergentes, o Brasil tomou a iniciativa de se aproximar mais efetivamente de países em desenvolvimento, promovendo com maior ênfase as relações sul-sul.. Dentro desse processo, o Brasil utiliza a reunião da UNCTAD, realizada em São Paulo em 2004, para lançar uma nova rodada de negociação do Sistema Global de Países em Desenvolvimento – SGPC, que havia sido criado em 1988 e até então não tinha dado resultados expressivos. A novidade da Rodada São Paulo foi que, a partir de uma reinterpretação dos termos do acordo, criou-se o entendimento de que não mais se aplicava a cláusula da nação mais favorecida, e as preferências comerciais se restringiam ao grupo de países que participassem das negociações.

Dos 43 países que fazem parte do SGPC, 11 chegaram a um acordo final que foi assinado no dia 15 de dezembro de 2010, durante a reunião de Cúpula do Mercosul, realizada em Foz do Iguaçu, durante a presidência brasileira do bloco. Além dos quatro membros plenos do Mercosul, Índia, Egito, Coréia do Sul, Cuba, Marrocos, Indonésia e Malásia foram signatários do acordo, que foi desenhado de maneira a facilitar a entrada dos demais países do SGPC que tiverem interesse. De fato, o acordo propõe uma redução de 20% nas tarifas alfandegárias para 70% dos produtos de cada país.

Tendo em vista esse panorama político que envolve a Rodada São Paulo, é importante debruçar-se sobre os dados e ponderar os reais e potenciais resultados que possam advir desta parceria. A partir daí, portanto, pode-se entender que para o MERCOSUL, os sete países que assinaram o acordo de concessão de preferência tarifária já têm uma importância significativa e crescente. Em 2000, representavam cerca de 3,6% das exportações do bloco, enquanto em 2009 foram destino de 6,34% das vendas mercosulinas. Em termos absolutos, representaram um aumento de mais de 4 vezes, saindo de 3 bilhões de dólares no início da década, para 13,5 bilhões em 2009, tendo aumentado mesmo com a crise.

As importações advindas desses países também tiveram uma importância relativa crescente na balança comercial do MERCOSUL, embora tenham sido mais impactadas pela crise de 2008. Em 2000, respondiam 4,3% do total das compras do bloco, em 2009, alcançaram 6,7%. Em termos absolutos, embora tenham crescido 3 vezes se compararmos os US$ 3,89 bilhões de 2000, com os US$ 11,99 bilhões de 2009, em 2008 já tinham ultrapassado a marca de US$ 16 bilhões, quando o bloco regional teve um déficit de cerca de US$ 3,5 bilhões com o grupo selecionado de países.

Dentre os países do bloco, o Uruguai é o país para o qual os demais signatários representam o menor peso na pauta comercial, enquanto a Argentina é o que apresenta a menor evolução nos últimos anos. O Quadro 1 apresenta os principais dados por país.

Quadro 1 – Comércio do Mercosul com países signatários da Rodada São Paulo (em mil dólares)

Ano200020082009
PaísExportaçãoImportaçãoExportaçãoImportaçãoExportaçãoImportação
Valor%Valor%Valor%Valor%Valor%Valor%
Argentina1.390.9835,3996.6613,93.901.1895,62.074.1083,63.178.6145,71.563.4794,0
Brasil1.620.7742,92.769.8484,78.687.7604,413.908.9727,610.257.6096,710.266.9657,7
Paraguai2.7750,349.0142,2168.1823,8242.0352,7ND-ND-
Uruguai45.9642,075.4502,2157.9112,7239.2442,7138.2662,6167.6522,4
Mercosul3.060.4963,63.890.9734,312.915.0424,616.464.3596,413.574.4896,311.998.0966,7

Elaboração própria. Fonte: CEPAL – Base de dados de Comércio Exterior

O crescimento das exportações do Paraguai para o grupo de países selecionados foi o mais expressivo. Parte de um patamar de US$ 2 milhões em 2000 para US$ 168 milhões em 2008, antes do impacto da crise internacional, já que não se dispõe ainda dos dados de 2009 para esse país. Por sua vez, o Brasil, que tem a corrente comercial mais robusta com os países que ora assinam o acordo no âmbito do SGPC, em torno de US$ 20 bilhões, foi o único que conseguiu ampliar suas exportações de 2008 e 2009, ainda que tenha reduzido as importações. A participação sobre o total do comércio exterior do país, no entanto, se ampliou, alcançando 6,7% das exportações e 7,7% das importações.

Grande parte da explicação desse comportamento recente da corrente comercial brasileira pode ser depreendido das suas relações com a Índia. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento1, em 2008, o Brasil havia exportado pouco mais de US$ 1 bilhão de dólares para o país asiático, enquanto em 2009 as exportações atingiram a marca de US$ 3,4 bilhões. O perfil desse comércio, no entanto, não é animador, visto que esse salto se deu justamente nos produtos básicos e semimanufaturados, que somavam US$ 680 milhões em 2008 e, em 2009, saltam para US$ 2,74 bilhões. Apenas açúcar de cana em bruto e óleos brutos de petróleo foram responsáveis por 80% desse valor.

Assim, os dados reforçam que os laços comerciais entre o MERCOSUL e os países que já assinaram o acordo da Rodada São Paulo do SGPC são relevantes e com fortes dinâmicas de crescimento. Ressalta-se que, segundo o argentino Alberto Dumont, que presidiu as negociações da Rodada São Paulo, pelo menos outros dois países – Argélia e Irã – estariam próximos a aderir ao acordo, e México, Nigéria e Zimbábue em estágio avançado de negociações2.

Todavia, as possibilidades que o acordo abre talvez sejam ainda mais importantes que as atuais relações comerciais. A mudança no perfil do comércio é o grande desafio a ser enfrentado pelo MERCOSUL, para que consiga agregar valor à sua pauta de exportação para esses países. A substância política desse acordo entre países em desenvolvimento precisa também revelar uma vertente econômica que lhes seja favorável. Enquanto os países desenvolvidos jogam duro para sair da crise de 2008, aumentando a competição para a exportação de produtos industrializados intoxicados pelo início de uma intensa guerra cambial, o movimento sul-sul precisa mais que fortes discursos e belas fotos cerimoniosas para consolidar seus passos em direção a uma mudança mais significativa da geografia econômica internacional.

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[1] aliceweb.desenvolvimento.gov.br

[1] Grupo de 11 países corta tarifa de 70% dos bens importados. Valor Econômico, 16.12.2010

Leandro Freitas Couto é Analista de Planejamento e Orçamento e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB (leandro.couto@gmail.com);

Creomar Lima Carvalho de Souza é Professor de Relações Internacionais do IBMEC/DF, Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB e pesquisador do IPEA.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Entrevista Concedida ao Site da Revista Veja

‘Obama precisa falar de direitos humanos, mas não pode bater muito, senão acaba perdendo o parceiro comercial’

Especialista em Política dos EUA classifica como muito positiva a viagem de Hu

Mariana Pereira de Almeida

"Economia elege presidente e 2012 é ano eleitoral. Se não tiver emprego, não tem reeleição e Obama quer uma reeleição"

O balanço da viagem do presidente chinês, Hu Jintao, aos Estados Unidos é extremamente positivo, de acordo com Creomar Lima Carvalho de Souza, professor de Relações Internacionais e analista político do Ibmec-DF. “Esta viagem mostra o amadurecimento da diplomacia chinesa, que demonstra uma vontade de construir uma relação de igualdade. O país olha para os EUA com respeito, mas exige contrapartidas”, disse ele em entrevista ao site de VEJA.

O especialista em Política Externa dos EUA pela Universidade da Flórida avalia que o presidente americano foi sensato na maneira de abordar a questão dos direitos humanos na China. “Obama precisa falar de direitos humanos, mas não pode bater muito, senão perde o parceiro”, afirmou. “É interessante olhar a questão sob outros aspectos. Obama tem eleição no ano que vem e não vai se eleger se a economia continuar ruim. A China, que é um grande pólo de negócios, pediu aos EUA para negociar. Não se pode ignorar uma oferta como essa”.

Confira os principais trechos da entrevista.

Qual é o balanço da viagem do presidente chinês, Hu Jintao, aos Estados Unidos?
A viagem teve um efeito bastante positivo porque mostra as duas principais economias do mundo, EUA e China, como forças geopolíticas que se articularam. Evidencia um amadurecimento da política chinesa, um vontade de construir uma relação de igualdade. A China olha para os EUA com respeito e exige uma contrapartida. Mas Hu foi muito claro ao pedir que os americanos não interfiram em questões particulares do país, como o Tibete e Taiwan. A China quer sim colaborar em termos de comércio, mas espera ser tratada como um parceiro e não um ator menor.

Alguém ganha mais com esta relação?
Cada vez mais, esta relação caminha para uma parceria entre iguais. Os EUA precisam da China e vice-versa. Temos que lembrar que, apesar de todo este crescimento, ainda há muitas questões sensíveis na China: o combate ao desemprego, a pobreza e a necessidade de expansão do desenvolvimento econômico (riqueza produzida) para todo o país. Os chineses desejam uma relação que atenda às demandas. Querem acesso a experiência que os EUA possuem em diversos setores e vislumbram uma abertura para o maior mercado consumidor do mundo. A relação caminha para uma cooperação, não há outra solução. É muito mais proveitoso partir para uma cooperação entre dois dos atores mais importantes do mundo que se respeitam, do que uma pseudo guerra fria, como muitos defendem.

Quem defende esta rivalidade?
Basicamente, alguns setores dentro da classe política dos EUA. São alas mais conservadoras e belicistas. Mas parece-me mais proveitosa a construção de pontes do que a demolição de prédios. A questão é complexa. Em termos de relações internacionais, algo imponderável ainda pode acontecer, nunca se sabe. Mas eu acredito que, neste momento, os dois atores preferem construir uma relação mais próxima do que o afastamento.

O senhor acredita que Obama tenha sido pouco enfático na questão dos direitos humanos em prol das questões comerciais?
Um chefe de estado tem responsabilidades. Embora como líder dos EUA precise falar sobre direitos humanos e democracia, ele conhece os limites da pressão que pode exercer em relação à China. Ele fica entre o discurso que precisa fazer, mas não pode bater demais, pois não deseja fechar esta porta. Os chineses o escutaram, mas deixam claro - pela posição privilegiada que têm na economia - que não querem interferência neste assuntos polêmicos. Além do mais, é muito pequena a chance de a China mudar sua atitude sobre os direitos humanos e a democracia por pressão externa. Se isso ocorrer, provavelmente será fruto do crescimento de uma classe social que compartilha destes valores.

Mas, o fato de Obama ser o Nobel da Paz de 2009 não o coloca em uma situação mais delicada, especialmente no que se refere a Liu Xiaobo, laureado com o mesmo prêmio em 2010, mas que não pôde recebê-lo porque está preso por cobrar democracia do seu governo?
Sim, mas as pessoas se esquecem que antes de ser o vencedor do Nobel da Paz, ele é chefe de estado e fala por um país. Obama sabe que as posições dele ou do grupo que o apóia não podem ser levadas de maneira tão estrita por que há interesses que se sobrepõem a elas. Os investimentos chineses podem criar empregos nos EUA e o fato de a China comprar títulos do Tesouro americano também permite o aquecimento da economia. Isso é tão importante quanto os direitos humanos. Economia elege presidente e 2012 é ano eleitoral. Se não tiver emprego, não tem reeleição e Obama quer uma reeleição.

Visita de presidente chinês aos EUA ressalta necessidade de cooperação entre países

Parceria comercial superou pontos de atrito, como direitos humanos e Tibete

Mariana Pereira de Almeida
O prefeito de Chicago, Richard M. Daley, leva Hu Jintao a um tour por empresas de Illinois. Presidente chinês encerrou viagem aos EUA com visita a Chicago para assinar 60 acordos comerciais com executivos

O prefeito de Chicago, Richard M. Daley, leva Hu Jintao a um tour por empresas de Illinois. Presidente chinês encerrou viagem aos EUA com visita a Chicago para assinar 60 acordos comerciais com executivos (Frank Polich/ AFP)

“A China indicou que olha para os EUA com respeito e exige uma contrapartida, um tratamento como um parceiro e não um ator menor. Mas Hu foi muito claro ao pedir que os americanos não interfiram em questões particulares, como o Tibete e Taiwan”

Creomar Lima Carvalho de Souza, professor de Relações Internacionais e analista político do Ibmec-DF

O presidente chinês Hu Jintao encerrou, nesta sexta-feira, sua viagem de quatro dias aos Estados Unidos, com uma visita a Chicago para assinar 60 acordos com executivos americanos. A última parada de Hu ilustra bem o objetivo de sua viagem: estreitar a parceria comercial e a cooperação entre os dois países. Sob este aspecto, portanto, o tour do chefe de estado foi um sucesso e explicitou que ambos os países têm interesse em aprofundar cada vez mais estas relações, independentemente dos atritos políticos entre duas potências que têm tantas diferenças ideológicas.

“A viagem teve um efeito muito positivo, mostrando que as duas maiores potências do mundo se articulam para construir uma relação de igualdade”, diz Creomar Lima Carvalho de Souza, professor de Relações Internacionais e analista político do Ibmec-DF. “A China indicou que olha para os EUA com respeito e exige uma contrapartida, um tratamento como um parceiro e não um ator menor. Mas Hu foi muito claro ao pedir que os americanos não interfiram em questões particulares, como o Tibete e Taiwan”, afirma o especialista em Política Externa dos EUA pela Universidade da Flórida.

Durante a reunião com Hu, Obama fez o que tinha de fazer. Como chefe de estado de um país que defende valores democráticos, não poderia deixar de abordar a questão dos direitos humanos na China. Vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2009, deveria mencionar o assunto, especialmente por causa da situação do dissidente chinês Liu Xiaobo, laureado com o mesmo prêmio em 2010, mas que não pôde recebê-lo porque está preso por cobrar democracia do seu governo. "A história mostra que as sociedades são mais harmoniosas, as nações são mais bem sucedidas e o mundo é mais justo quando apoiamos os direitos e responsabilidades de todas as nações e de todos os povos", disse o presidente americano.

“Era imprescindível falar em direitos humanos. Mas as pessoas se esquecem que antes de ser o Nobel da Paz, Obama é um chefe de estado e fala por um país. Ele sabe até onde pode pressionar a China e sabe também que as posições dele ou do grupo que o apóia não podem ser levadas de maneira tão estrita, pois há interesses que se sobrepõem a elas”, pontua Souza.

Parceria comercial - Entre estes interesses, está uma relação comercial cada vez mais importante para ambos os países. Se os EUA dependem da China, pois o gigante asiático aplica US$ 900 bilhões em títulos do seu Tesouro, a China precisa exportar para o mercado americano. Por outro lado, apesar de todo o crescimento chinês, ainda há questões sensíveis no país, como o combate ao desemprego, a pobreza e a expansão do desenvolvimento econômico- riqueza produzida - para todo o país. Ou seja, as áreas rurais do território não experimentam o desenvolvimento das grandes cidades. De acordo com Souza, “trata-se de uma relação que caminha para uma cooperação cada vez maior. Afinal, um país precisa do outro, não há solução.”

Hegemonia - A recepção de Hu com jantar de gala em Washington - diferente da última visita do líder chinês aos EUA, durante o governo Bush, quando ele foi convidado apenas para um almoço na Casa Branca - mostra que os EUA já veem a China como um ator global importante, uma potência. Os sinais são de que é melhor para os dois países cooperar do que rivalizar. “É muito mais proveitosa a construção de pontes do que a demolição de prédios”, acrescenta Souza. Para convencer o colega americano, a mensagem de Hu foi direta: "Não nos envolvemos em nenhuma corrida armamentista ou ameaça militar em direção a nenhum país", declarou. "A China não buscará nunca uma hegemonia nem uma política expansionista".

Confira os principais temas, que provocaram atritos entre os dois países:

Taiwan - Os EUA anunciam em janeiro a venda de US$ 6,4 bilhões em armas para a ilha que a China considera como integrante de seu território. Pequim reagiu com a suspensão da cooperação militar.

Dalai Lama - Em fevereiro de 2010, Obama recebeu na Casa Branca o líder espiritual e político Dalai Lama, considerado um separatista pela China, irritando o país.

Nobel da Paz - Em novembro de 2010, a China condenou a entrega do Prêmio Nobel da Paz ao dissidente Liu Xiaobo, ressaltando as diferenças ideológicas com os EUA.

Yuan - A desvalorização do yuan em relação ao dólar é um ponto de permanente atrito nas relações entre os dois países.

Coreia do Norte - A China, aliada da Coreia do Norte, é frequentemente pressionada a condenar as atitudes de Pyongyang, consideradas bélicas. Dois casos em 2010 trouxeram a questão à tona: o afundamento de um navio sul-coreano, matando 46 marinheiros - cuja culpa foi atribuída ao regime de Kim Jong-il por uma investigação internacional - e um ataque norte-coreano à ilha sul-coreana de Yeonpyeong, em novembro, matando quatro pessoas.

sábado, 11 de dezembro de 2010

As perspectivas da esquerda no Brasil

por Creomar Lima Carvalho de Souza e Leandro Freitas Couto

As eleições desse ano apontam elementos importantes para a reflexão quanto ao arranjo nacional de forças dos partidos políticos para os próximos anos. Esse artigo pretende ser uma reflexão acerca das composições políticas que irão afligir a base de sustentação do governo, com destaque aos chamados partidos de esquerda.

O resultado das eleições deu ao Partido dos Trabalhadores maior força na sua presença já hegemônica no campo político da esquerda nacional. Todavia, também se pode afirmar que, pelas alianças construídas e consolidadas durante o governo Lula e no processo eleitoral que acaba se encerrar, caminha para o centro, tomando parte da bandeira social-democrata que era hasteada pelo PSDB.

Ao fazer a maior bancada da Câmara e a segunda maior bancada no Senado, revezando-se com o PMDB, que fez a segunda maior bancada na Câmara e manteve a primeira no Senado, o Partido dos Trabalhadores consolida uma posição vantajosa em termos políticos nas casas do congresso. Porém, devido à própria estrutura do sistema político-partidário torna-se importante pontuar que a parceria petismo-pemedebismo tem limites de ação, a saber: a) o fato de que aliados históricos do PT podem sentir-se preteridos e assim buscarem novos espaços e b) o fato de que o PMDB é muito mais uma federação partidária do que um partido nacional.

Neste aspecto especificamente, é importante fazer a seguinte pergunta: Por quanto tempo o vice-presidente conseguirá manter seu partido unido à sua volta? Na resposta a este questionamento é importante considerar a capacidade da nova presidência de manter bons níveis de popularidade – ferramenta fundamental para ter menos resistência no congresso – e a distribuição de cargos de destaque em termos eleitorais para elementos chave do governo.

Conseguindo manter a unidade é natural que o partido do vice-presidente Michel Temer queira manter sob seu comando pastas importantes no executivo federal, e ainda que pressione para aumentar o seu quinhão na distribuição governista. Somam-se a isso os acenos que lança a setores menos radicais do DEM, que saiu enfraquecido dessa eleição, como ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, além da aproximação que até recentemente tentara com o ex-governador e senador eleito de Minas Gerais, Aécio Neves, e percebe-se também como natural a reação dos partidos aliados tradicionais do PT que ainda se mantêm à esquerda no espectro político partidário brasileiro, e que não cederão facilmente espaço ao PMDB.

Dentre esses, destaca-se o PSB, que, com 34 deputados, consolida-se como a segunda maior força da esquerda. Além disso, o partido elegeu seis governadores, um a mais que PT e PMDB. Destacam-se Pernambuco, Ceará e Espírito Santo, que se somam a Piauí, Amapá e Paraíba. Além disso, o partido reúne quadros de expressão nacional, como Ciro Gomes e Eduardo Campos, herdeiro político de Miguel Arraes, políticos também próximos a Aécio Neves, o que o torna também uma casa possível de receber o presidenciável, caso este realmente decida deixar as fileiras tucanas. No Senado, o PSB também aumentou sua bancada, de um para três senadores. O desafio dos socialistas, portanto, é a transição de uma postura passiva para um apoio responsável ao governo. Isto quer dizer que, naturalmente o PSB pode assumir-se como um projeto complementar e não submisso aquele construído pelo partido dos trabalhadores.

O PDT, outro partido médio de esquerda, não conseguiu eleger nenhum governador em 2010, depois de ter elegido dois, quatro anos antes. No senado, elegeu um parceiro do partido do reeleito Senador Cristovam Buarque, ficando com duas cadeiras. Aumentou em quatro o número de cadeiras na Câmara, elegendo 28 deputados federais. Apresenta um quadro estático, sem renovação de lideranças, cenário que se afirma com a não eleição do ativo deputado Brizola Neto, do Rio de Janeiro.

Da mesma forma, o PCdoB ganhou mais uma cadeira no Senado com Vanessa Grazziotin, do Amazonas, que se junta a Inácio Arruda, Senador eleito em 2006 pelo Ceará. Na Câmara, passou de 12 para 15 deputados, ficando, como o PDT, sem governos estaduais.

O PRB, ligado aos bispos evangélicos, reelegou o Senador Crivella no Rio de Janeiro, além de oito deputados federais. Por sua vez, a esquerda mais radical definha, com o PSOL tendo recebido menos de 1% dos votos na corrida presidencial, embora tenha elegido dois senadores e mantido a bancada de três deputados federais.

A um avanço do PMDB na estrutura do governo Dilma, mesmo pelo espaço já diminuto que ocupam os partidos aliados da esquerda (PSB com MCT e Secretaria de Portos, PDT com a pasta do trabalho e PCdoB com a pasta do Esporte), poderia acarretar uma retração da participação do partido da Presidenta. Duas questões passam a ser fundamentais: até onde conseguirá gerenciar as pressões de seus companheiros de partido para fazer frente a essa perda de espaço e a quantidade de mágoas a serem engolidas ou esquecidas e o preço a ser pago que será suportado para manter a parceria para 2014.

À espreita estará Aécio Neves. Caso a relação PT-PMDB caminhe para o conflito, poderá engrossar as fileiras do PMDB e sair candidato pelo partido em 2014. Caso a parceria e o governo Dilma-Temer andem bem, sua opção seria desembarcar junto aos socialistas, em busca da conformação uma terceira via, abandonando o peso da oposição mais radical tucana-demista. Por fim, se o governo caminhar para um desastre, o que me parece a alternativa menos possível, poderia disputar a candidatura no próprio PSDB.

Sua espera, no entanto, não deve se alongar. Na perspectiva de uma reforma política, a possibilidade de aglutinação de alguns desses partidos médios, PSB, PRB, PDT e PCdoB pode se viabilizar. À esquerda não deve interessar ficar nas mãos de apenas um partido, ou um líder, ainda mais quando estes estão a levando mais ao centro e torna-se o foco principal da resistência midiática. No médio prazo, é importante para esquerda construir uma opção ao PT, mas precisaria ainda buscar um nome renovado de projeção nacional. Ciro Gomes carrega a antipatia da mídia, e Eduardo Campos não têm essa projeção. Sem esse novo nome, esses partidos estarão destinados a orbitar em torno do PT, limitando as perspectivas da esquerda de defender o lulismo apenas com as armas marcadas do petismo.

* Creomar Lima Carvalho de Souza é analista político do IBMEC/DF e Leandro Freitas Couto é analista de Planejamento e orçamento e doutorando Relações Internacionais Universidade de Brasília.

sábado, 10 de julho de 2010

Democracia: Continuidades e Rupturas

Manuais de política, normalmente, estabelecem atributos que qualificam o que seria ou não uma democracia. Neste texto, tentar-se-á entender em alguma medida quando alguns destes atributos podem ser utilizados de maneira a deturpar a percepção acerca do regime democrático. Especificamente, serão tratadas aqui duas perspectivas que compõe o senso comum como elementos importantes de vivência democrática. São elas as noções de continuidade e ruptura.
Para um perfeito entendimento destas duas forças antagônicas em certa medida. Faz-se necessário expor uma definição de democracia para fim de análise. Nestes termos, entende-se por democracia um regime de soberania popular - não diferenciando um regime representativo de outro participativo. Mais do que discorrer acerca desta comparação, o desejo aqui neste momento é de entender como discursos em favor de continuidade ou mudança podem alterar a paisagem política em determinado espaço de tempo.
Seguindo-se a linha argumentativa traçada, entende-se que os regimes de soberania popular - democráticos - tem como ponto fundamental a possibilidade dos cidadãos exporem suas opiniões acerca de assuntos coletivos - política. Desta forma, uma consequência natural de tal situação é que os grupos se situem em posições específicas que visem garantir direitos e interesses em primeira instância individuais, mas, que encontram ressonância em um grupo dado. Tem-se, portanto, como resultado deste processo, a construção de posições antagônicas entre grupos competitivos. Não importando a nomenclatura que se dê a esses grupos - associações, partidos e ou grupos de pressão - é fundamental entender que os mesmos possuem visões consolidadas acerca da realidade. E como tal, essas percepções acabam por gerar opiniões acerca do universo a sua volta que resultam em vontade de mudança/ruptura ou permanência/continuidade.
O posicionamento em favor da transformação ou perenidade pode ser entendido aqui como fruto das benesses que determinado grupo possa estar recebendo da conjuntura social que o cerca. Isto quer dizer: mais do que resultado de um comportamento desinteressado em favor do bem-comum, a vontade de transformar ou manter a realidade está vinculada aos privilégios obtidos por determinada associação e sua capacidade de traduzir esse discurso ao maior número possível de membros da socieade em que a mesma se insere.
No caso específico dos regimes de soberania popular tal posicionamento de continuidade ou ruptura é revisto periodicamente nos processos eleitorais. Nestas situações, cabe aos indivíduos ordinários definirem se querem uma transformação no quadro político ou não. Esse procedimento, que pode resultar em revoluções sem sangue, acaba sendo visto por grupos dentro e fora das estruturas de poder como oportunidades de consolidar posições ou alcançar novos patamares.
A construção do discurso e a tradução do mesmo para as massas é, portanto, tão importante quanto a própria chegada ao poder. A posse das estruturas de mando pode ser encarada como o objetivo final de tal situação. Contudo, é importante refletir em que medida a percepção de continuidade ou ruptura é usada pelos grupos políticos. A questão fundamental aqui é que se os grupamentos políticos possuem discursos mais agressivos em termos dessas posições, os eleitores e ou cidadãos costumam ter posicionamentos mais flexíveis que mesclem continuidade de algumas questões e rupturas em outras.
Tomando-se o Brasil como exemplo, pode-se considerar que no ano de 2002 o Partido dos Trabalhadores atuou como artífice da mudança, mas também, como garantidor da continuidade. Pode-se afirmar, portanto, que quanto mais uma associação tem a capacidade de filtrar os desejos de permanência ou ruptura do povo maiores são suas possibilidades de alcançar e permanecer no poder.
Em termos de funcionalidade do regime democrático casos como o brasileiro reforçam um posicionamento de flexibilização das tendências políticas por parte dos partidos. Tal tendência tem como um dos pilares a dificuldade de consolidação ideológica dos grupos em torno de uma plataforma, mas também, manifestam a vontade popular que é plural.

domingo, 4 de julho de 2010

Aquisições brasileiras no exterior superam compras de múltis no Brasil

De janeiro a maio, as companhias nacionais investiram US$ 11,16 bilhões, enquanto os estrangeiros trouxeram US$ 10,68 bilhões para o País

Raquel Landim, de O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Na semana passada, a siderúrgica Gerdau comprou as ações que ainda não detinha na Ameristeel por US$ 1,6 bilhão. Quinze dias atrás, o frigorífico Marfrig levou a Keystone por US$ 1,26 bilhão. Esses são os dois lances mais recentes da retomada da internacionalização das empresas brasileiras. As multinacionais verde-amarelas estão aproveitando o real forte e as pechinchas oferecidas no pós-crise para ir às compras.

Os empresários brasileiros adquiriram mais concorrentes no exterior que os estrangeiros no País neste início de ano. De janeiro a maio, as companhias nacionais investiram US$ 11,16 bilhões em aquisições ou no aumento de sua participação em companhias das quais já eram sócias. O valor superou os US$ 10,68 bilhões que os estrangeiros trouxeram ao País para aquisições. Os Estados Unidos se tornaram o principal alvo e absorveram 40% dos investimentos (excluídos paraísos fiscais).

O cálculo exclui as transferências entre matrizes e filiais. O investimento direto é a soma da compra de participações no capital e de empréstimos inter-companhias. Para o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Luis Afonso Lima, "as aquisições não são um movimento tático, mas estratégico das empresas nacionais no exterior".

A única vez que os brasileiros compraram mais empresas no exterior que agora foi em 2006, quando a Vale adquiriu a canadense Inco por US$ 18 bilhões. A magnitude da transação distorce os dados, o que torna a virada atual inédita. Em 2004, os brasileiros investiram US$ 6,64 bilhões em aquisições no exterior.

Com exceção de 2006, o recorde foi em 2008, com US$ 13,9 bilhões - pouco acima do obtido em cinco meses deste ano. As aquisições no exterior demonstram a robustez das empresas brasileiras no pós-crise, mas são mais um fator de pressão nas contas externas do País, que devem terminar o ano com déficit de cerca de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

Oportunidade. Em fevereiro, a petroquímica Braskem comprou a divisão de polipropileno da americana Sunoco por US$ 350 milhões. "Entramos na crise com dinheiro em caixa. O que é crise para uns, é oportunidade para outros", diz o vice-presidente de relações institucionais e desenvolvimento sustentável da Braskem, Marcelo Lira.

Os objetivos da Braskem com a internacionalização são ganhar escala e ter acesso a matéria-prima. É por isso que a empresa prevê investir US$ 2,5 bilhões em um polo petroquímico no México até 2015. A Braskem já tem contrato de fornecimento de nafta com a Pemex. "As aquisições vão continuar, porque os planos são passar de oitava para quinta petroquímica do mundo até 2020", disse Lira.

Outra que aproveitou as oportunidades da crise foi a Votorantim, que adquiriu 21,3% da portuguesa Cimpor em janeiro, após feroz briga com os concorrentes Camargo Correa e CSN. Foi o último lance de um processo de ida para o exterior que começou em 2001. Com destaque para cimento e metais, a empresa está presente em 22 países.

Um conjunto de motivos impulsiona a internacionalização das empresas brasileiras. Segundo o gerente do projeto de internacionalização da Fundação Dom Cabral, Sherban Leonardo Cretoiu, as companhias estrangeiras perderam valor de mercado na crise. Além disso, a valorização do real aumentou o poder de compra dos brasileiros. Outro fator é a consolidação provocada pela crise, com o surgimento de grupos como Itaú Unibanco e Brasil Foods (Sadia e Perdigão) que vão buscar o exterior.

Oferta hostil

Para aproveitar as boas oportunidades, as empresas brasileiras estão mais agressivas. A fabricante de máquinas Romi fez uma oferta hostil pela americana Hardinger. O conselho da companhia americana resiste, mas os executivos da Romi estão fazendo uma peregrinação de conversas com os acionistas. Na primeira tentativa, tiveram 38% de adesão. Estenderam o prazo e já conseguiram, 48%. O presidente da Romi, Livaldo Aguiar dos Santos, explica que precisa de 66% para completar a aquisição. "Nossa oferta hoje é de US$ 10 por ação, mas estamos dispostos a conversar com o conselho da Hardinger." A Romi tem 90% de seu faturamento no Brasil. Com a Hardinger, cairia para 45%.

A internacionalização ganhou fôlego este ano, mas começou há bastante tempo. A Gerdau foi uma das pioneiras em 1980 e hoje obtém metade do faturamento no exterior. "Buscamos participação em mercados-chave, ampliando a atuação nas Américas e ocupando espaços na Europa e na Ásia", diz o diretor-presidente da empresa, André Gerdau Johannpeter. Em 2008, a Gerdau adquiriu uma fatia da mexicana Corso Controladora e aproveitou a crise para elevar sua participação na espanhola Sidenor.

Para os especialistas, 2009 foi apenas uma interrupção na tendência de internacionalização. Pesquisa da Fundação Dom Cabral com 41 companhias indicou que apenas uma não tem planos de expandir suas operações no exterior este ano.