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quinta-feira, 8 de março de 2012

Síria: agonia do regime e o nascimento de uma nova nação.

Os altos custos econômicos e sociais do conflito relacionam-se cada vez mais à luta travada entre as grandes potências e os poderes regionais sobre o futuro do país. Historicamente, nos momentos em que a Síria encontra-se unida e estável, ela representa um importante ator regional, mas quando está dividida, como agora, torna-se uma arena para a luta de forças externas, muito embora a revolta tenha se originado exclusivamente no seio de sua sociedade. O artigo é de Reginaldo Nasser.

Reginaldo Nasser (*)

Há um ano teve inicio a revolta na Síria que se tornou o episódio mais trágico, polêmico e incerto das revoltas árabes. Os altos custos humanos, econômicos e sociais do conflito relacionam-se cada vez mais à luta estratégica travada entre as grandes potências e os poderes regionais sobre o futuro do país. Historicamente, nos momentos em que a Síria encontra-se unida e estável, ela representa um importante ator regional, mas quando esta dividida e instável, como agora, torna-se uma arena para a luta de forças externas, muito embora a revolta tenha se originado exclusivamente no seio de sua sociedade.

Ao comparar o regime político da Síria com o de outras repúblicas árabes, é notável suas diferentes características: uma política externa mais congruente com a opinião pública (de forma retórica ou não), forças de segurança mais leais ao governo, uma sociedade civil mais fraca e uma oposição mais fragmentada. Talvez por isso mesmo a resposta inicial do regime frente às manifestações foi misturar repressão, ao condenar os manifestantes como parte de uma conspiração estrangeira, com tentativas tradicionais de apaziguamento e de cooptação.

Para o regime e seus aliados, a sociedade na Síria é imatura e suas tendências sectárias só podem ser contidas por uma estrutura de poder fortemente centralizada. Nesse sentido, remover Bashar é permitir a guerra civil e a hegemonia de poderes islâmicos apoiados pela Arábia Saudita e seus aliados ocidentais. Na verdade, essa estratégia - dividir para reinar - foi herdada do colonialismo, que já alimentava as fraturas na sociedade com o receio de que pudessem vir a sustentar um novo sentimento democrático verdadeiramente nacional.

É preciso reconhecer que nem todos os alauitas apóiam o governo. Alguns setores como intelectuais e camponeses ressentem-se com a forma que sua comunidade tem sido instrumentalizada pelo regime. Cristãos, que estão geograficamente dispersos, adotam pontos de vista extremamente diferentes.
Os que estão em Damasco e Alepo, em geral, apóiam o governo, mas em muitas outras áreas, os cristãos revelaram simpatia com os manifestantes. Os Ismaelitas, com sede na cidade de Salamiya, estavam entre os primeiros a aderir à oposição. Também não são todos os sunitas que protestam contra o governo, como por exemplo as tribos Shawaya no nordeste do pais.

Mais do que uma questão étnica, religiosa ou mesmo geográfica o conflito deve ser visto como um fenômeno de mudanças da base social do poder do governo Bashar.

O golpe que levou ao poder uma nova elite composta por oficiais militares foi moldado por suas origens rurais nas lutas sociais dos nacionalistas da década de 1960, resultando numa simbiose entre o partido Baath e as forças armadas (da seita alauita). Isso sempre provocou ressentimento entre a maioria da comunidade sunita, mais especificamente, nos setores comerciais urbanos representados pela Irmandade Muçulmana. As rebeliões urbanas, incluindo a insurreição que abalou as cidades do norte no início dos anos 1980 é um reflexo disso. Depois desse episódio, proliferaram as agências de inteligência para proteger o regime, os quais se mantinham leais por meio da tolerância de suas práticas corruptas. Hafez al-Assad usou e abusou de uma política externa nacionalista (árabe), como um Estado de linha de frente com Israel, para obter ajuda dos paises do Golfo Pérsico e da União Soviética.

Mas com o fim da Guerra fria a ajuda externa diminuiu consideravelmente, provocando fortes impactos na base fiscal do Estado e fazendo com que suas vulnerabilidades econômicas viessem à tona, apesar das receitas provenientes das reservas de petróleo que também diminuíram no final da década de 90. A legitimidade política derivada do "contrato social" pelo qual o regime proporcionava alimentos subsidiados e emprego para as classes média e baixa entrou em crise, dando inicio a uma política de austeridade com o congelamento dos benefícios sociais e redução do poder aquisitivo dos funcionários públicos. Os gastos do governo caíram de forma pronunciada (de 50% para 25% do PIB). Nesse contexto o regime pode manter um equilíbrio precário entre os seus antigos aliados e recém-emergentes burgueses apelando, para a necessidade de um novo consenso

Buscando consolidar o poder dentro do regime que herdou de seu pai, Bashar viu enfraquecida a sua capacidade de sustentar seu poder sobre a nova base de apoio social. Ao mesmo tempo a legitimidade nacionalista de política externa já não era capaz de se conciliar com a identidade nacionalista árabe, no conflito com Israel, com a integração da Síria na economia mundial. Mas quando o regime parecia mais vulnerável e isolado, Bashar deslocou o comércio exterior da Síria para China, Irã, Turquia e países do golfo. Em 2005, a Síria aparecia como o quarto maior país beneficiário do investimento árabe. O investimento estrangeiro direto passou de US$ 111 milhões em 2001 para US$1,6 bilhão em 2006.

Essas ações proporcionaram alivio econômico para as contas do governo, mas resultaram em uma mudança significativa da base social de sustentação do regime que passou a transferir suas responsabilidades de proteção social e de criação de empregos para instituições privadas, respondendo à demanda da nova elite. As terras do Estado foram vendidas para os novos investidores, o que resultou na elevação do custo da moradia e, consequentemente, no crescimento de bairros pobres em torno das cidades.

Não por acaso nas principais cidades, Damasco e Aleppo, onde o boom de investimentos, o aumento do turismo e do novo consumo se concentraram, o governo foi capaz de mobilizar demonstrações de apoio importantes, embora tenha ocorrido revoltas em seus arredores. A classe média dessas cidades via inicialmente Bashar como o protetor da ordem, preferindo a estabilidade aos riscos de democratização que pudesse trazer a guerra civil e a perda de seu estilo de vida moderno. Mas, a partir do momento que o regime mostrou sua incapacidade de manter a segurança, passou a criar desconfiança entre alguns de seus aliados.

Dificilmente o regime irá sobreviver a esta crise, que pode assumir novos e perigosos contornos. Os manifestantes, cada vez mais desesperados, devido a brutal repressão, se submetem a qualquer tipo de ajuda exterior sem pesar o custo de certas alianças políticas que poderá desfigurar aquilo que apareceu como a maior ameaça ao governo: amplo movimento democrático autônomo exigindo profundas mudanças políticas e econômicas. Entretanto, ao tratar todo e qualquer manifestante como inimigo, Bashar forjou contra si mesmo uma coligação (interna e externa) muito grande.

Apesar de o regime de Bashar revelar sinais de esgotamento a economia do país não vai entrar em colapso no curto prazo. A Síria não esta completamente isolada e continua o comércio com Iraque, Jordânia, Irã, Rússia e China. Alguns bancos do Líbano são susceptíveis de agir como um paraíso para o dinheiro sírio. Quase todos os clássicos ingredientes para ocorrer uma revolução podem ser notados na Síria: crescimento demográfico, mobilização social, estagnação do desenvolvimento econômico, déficit fiscal crônico, aumento da desigualdade social e repressão política. Falta, entretanto, outro elemento necessário que abreviaria o final do regime: divisão das forças armadas.

Muito embora não se possa prever se, e quando, o regime de Bashr vai cair e muito menos quem serão os vencedores, cito aqui o velho ditado lembrado pelo prof Hamid Dabashi, que a partir de agora deverá ser válido para a Síria: você pode conquistar uma terra a cavalo, mas você deve descer para governá-la. Ou seja, quando os “novos conquistadores” tomarem o poder estarão de frente para uma nação que dificilmente será ludibriada ou amedrontada.

(*) Professor de Relações Internacionais da PUC (SP) e do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Discurso da Exma. Sra. Pres. Dilma Roussef - Abertura da 66ª Assembleia-Geral da ONU.

Senhor presidente da Assembleia-Geral, Nassir Abdulaziz Al-Nasser, senhor secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, senhoras e senhores chefes de Estado e de Governo, senhoras e senhores, pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o Debate Geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna que tem o compromisso de ser a mais representativa do mundo. É com humildade pessoal, mas com justificado orgulho de mulher, que vivo este momento histórico. Divido esta emoção com mais da metade dos seres humanos deste planeta, que, como eu, nasceram mulher, e que, com tenacidade, estão ocupando o lugar que merecem no mundo. Tenho certeza, senhoras e senhores, de que este será o século das mulheres.

Na língua portuguesa, palavras como "vida", "alma" e "esperança" pertencem ao gênero feminino. E são também femininas duas outras palavras muito especiais para mim: "coragem" e "sinceridade". Pois é com coragem e sinceridade que quero lhes falar no dia de hoje. Senhor presidente, o mundo vive um momento extremamente delicado e, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade histórica. Enfrentamos uma crise econômica que, se não debelada, pode se transformar em uma grave ruptura política e social. Uma ruptura sem precedentes, capaz de provocar sérios desequilíbrios na convivência entre as pessoas e as nações. Mais que nunca, o destino do mundo está nas mãos de todos os seus governantes, sem exceção. Ou nos unimos todos e saímos, juntos, vencedores ou sairemos todos derrotados.

Agora, menos importante é saber quais foram os causadores da situação que enfrentamos, até porque isto já está suficientemente claro. Importa, sim, encontrarmos soluções coletivas, rápidas e verdadeiras. Essa crise é séria demais para que seja administrada apenas por uns poucos países. Seus governos e bancos centrais continuam com a responsabilidade maior na condução do processo, mas como todos os países sofrem as consequências da crise, todos têm o direito de participar das soluções. Não é por falta de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos ainda não encontraram uma solução para a crise. É, permitam-me dizer, por falta de recursos políticos e algumas vezes, por clareza de ideias. Uma parte do mundo não encontrou ainda o equilíbrio entre ajustes fiscais apropriados e estímulos fiscais corretos e precisos para a demanda e o crescimento. Ficam presos na armadilha que não separa interesses partidários daqueles interesses legítimos da sociedade. O desafio colocado pela crise é substituir teorias defasadas, de um mundo velho, por novas formulações para um mundo novo.

Enquanto muitos governos se encolhem, a face mais amarga da crise - a do desemprego - se amplia. Já temos 205 milhões de desempregados no mundo. 44 milhões na Europa. 14 milhões nos Estados Unidos. É vital combater essa praga e impedir que se alastre para outras regiões do planeta. Nós, mulheres, sabemos, mais que ninguém, que o desemprego não é apenas uma estatística. Golpeia as famílias, nossos filhos e nossos maridos. Tira a esperança e deixa a violência e a dor. Senhor presidente, é significativo que seja a presidenta de um país emergente, um país que vive praticamente um ambiente de pleno emprego, que venha falar, aqui, hoje, com cores tão vívidas, dessa tragédia que assola, em especial, os países mais desenvolvidos. Como outros países emergentes, o Brasil tem sido, até agora, menos afetado pela crise mundial. Mas sabemos que nossa capacidade de resistência não é ilimitada. Queremos - e podemos - ajudar, enquanto há tempo, os países onde a crise já é aguda. Um novo tipo de cooperação, entre países emergentes e países desenvolvidos, é a oportunidade histórica para redefinir, de forma solidária e responsável, os compromissos que regem as relações internacionais. O mundo se defronta com uma crise que é ao mesmo tempo econômica, de governança e de coordenação política.

Não haverá a retomada da confiança e do crescimento enquanto não se intensificarem os esforços de coordenação entre os países integrantes da ONU e as demais instituições multilaterais, como o G-20, o Fundo Monetário, o Banco Mundial e outros organismos. A ONU e essas organizações precisam emitir, com a máxima urgência, sinais claros de coesão política e de coordenação macroeconômica. As políticas fiscais e monetárias, por exemplo, devem ser objeto de avaliação mútua, de forma a impedir efeitos indesejáveis sobre os outros países, evitando reações defensivas que, por sua vez, levam a um círculo vicioso. Já a solução do problema da dívida deve ser combinada com o crescimento econômico. Há sinais evidentes de que várias economias avançadas se encontram no limiar da recessão, o que dificultará, sobremaneira, a resolução dos problemas fiscais. Está claro que a prioridade da economia mundial, neste momento, deve ser solucionar o problema dos países em crise de dívida soberana e reverter o presente quadro recessivo. Os países mais desenvolvidos precisam praticar políticas coordenadas de estímulo às economias extremamente debilitadas pela crise. Os países emergentes podem ajudar.

Países altamente superavitários devem estimular seus mercados internos e, quando for o caso, flexibilizar suas políticas cambiais, de maneira a cooperar para o reequilíbrio da demanda global. Urge aprofundar a regulamentação do sistema financeiro e controlar essa fonte inesgotável de instabilidade. É preciso impor controles à guerra cambial, com a adoção de regimes de câmbio flutuante. Trata-se, senhoras e senhores, de impedir a manipulação do câmbio tanto por políticas monetárias excessivamente expansionistas como pelo artifício do câmbio fixo. A reforma das instituições financeiras multilaterais deve, sem sombra de dúvida, prosseguir, aumentando a participação dos países emergentes, principais responsáveis pelo crescimento da economia mundial. O protecionismo e todas as formas de manipulação comercial devem ser combatidos, pois conferem maior competitividade de maneira espúria e fraudulenta.

Senhor presidente, o Brasil está fazendo a sua parte. Com sacrifício, mas com discernimento, mantemos os gastos do governo sob rigoroso controle, a ponto de gerar vultoso superávit nas contas públicas, sem que isso comprometa o êxito das políticas sociais, nem nosso ritmo de investimento e de crescimento. Estamos tomando precauções adicionais para reforçar nossa capacidade de resistência à crise, fortalecendo nosso mercado interno com políticas de distribuição de renda e inovação tecnológica. Há pelo menos três anos, senhor presidente, o Brasil repete, nesta tribuna, que é preciso combater as causas, e não só as consequências da instabilidade global. Temos insistido na interrelação entre desenvolvimento, paz e segurança; e que as políticas de desenvolvimento sejam, cada vez mais, associadas às estratégias do Conselho de Segurança na busca por uma paz sustentável. É assim que agimos em nosso compromisso com o Haiti e com a Guiné-Bissau. Na liderança da Minustah, temos promovido, desde 2004, no Haiti, projetos humanitários, que integram segurança e desenvolvimento. Com profundo respeito à soberania haitiana, o Brasil tem o orgulho de cooperar para a consolidação da democracia naquele país. Estamos aptos a prestar também uma contribuição solidária, aos países irmãos do mundo em desenvolvimento, em matéria de segurança alimentar, tecnologia agrícola, geração de energia limpa e renovável e no combate à pobreza e à fome.

Senhor presidente, desde o final de 2010, assistimos a uma sucessão de manifestações populares que se convencionou denominar "primavera árabe". O Brasil é pátria de adoção de muitos imigrantes daquela parte do mundo. Os brasileiros se solidarizam com a busca de um ideal que não pertence a nenhuma cultura, porque é universal: a liberdade. É preciso que as nações aqui reunidas encontrem uma forma legítima e eficaz de ajudar as sociedades que clamam por reforma, sem retirar de seus cidadãos a condução do processo. Repudiamos com veemência as repressões brutais que vitimam populações civis. Estamos convencidos de que, para a comunidade internacional, o recurso à força deve ser sempre a última alternativa. A busca da paz e da segurança no mundo não pode limitar-se a intervenções em situações extremas. Apoiamos o secretário-geral no seu esforço de engajar as Nações Unidas na prevenção de conflitos, por meio do exercício incansável da democracia e da promoção do desenvolvimento. O mundo sofre, hoje, as dolorosas consequências de intervenções que agravaram os conflitos, possibilitando a infiltração do terrorismo onde ele não existia, inaugurando novos ciclos de violência, multiplicando os números de vítimas civis. Muito se fala sobre a responsabilidade de proteger; pouco se fala sobre a responsabilidade ao proteger. São conceitos que precisamos amadurecer juntos. Para isso, a atuação do Conselho de Segurança é essencial, e ela será tão mais acertada quanto mais legítimas forem suas decisões. E a legitimidade do próprio Conselho depende, cada dia mais, de sua reforma.

Senhor presidente, a cada ano que passa, mais urgente se faz uma solução para a falta de representatividade do Conselho de Segurança, o que corrói sua eficácia. O ex-presidente Joseph Deiss recordou-me um fato impressionante: o debate em torno da reforma do Conselho já entra em seu 18º ano. Não é possível, senhor presidente, protelar mais. O mundo precisa de um Conselho de Segurança que venha a refletir a realidade contemporânea; um Conselho que incorpore novos membros permanentes e não-permanentes, em especial representantes dos países em desenvolvimento. O Brasil está pronto a assumir suas responsabilidades como membro permanente do Conselho. Vivemos em paz com nossos vizinhos há mais de 140 anos. Temos promovido com eles bem-sucedidos processos de integração e de cooperação. Abdicamos, por compromisso constitucional, do uso da energia nuclear para fins que não sejam pacíficos. Tenho orgulho de dizer que o Brasil é um vetor de paz, estabilidade e prosperidade em sua região, e até mesmo fora dela. No Conselho de Direitos Humanos, atuamos inspirados por nossa própria história de superação. Queremos para os outros países o que queremos para nós mesmos. O autoritarismo, a xenofobia, a miséria, a pena capital, a discriminação, todos são algozes dos direitos humanos. Há violações em todos os países, sem exceção. Reconheçamos esta realidade e aceitemos, todos, as críticas. Devemos nos beneficiar delas e criticar, sem meias-palavras, os casos flagrantes de violação, onde quer que ocorram.

Senhor presidente, quero estender ao Sudão do Sul as boas vindas à nossa família de nações. O Brasil está pronto a cooperar com o mais jovem membro das Nações Unidas e contribuir para seu desenvolvimento soberano. Mas lamento ainda não poder saudar, desta tribuna, o ingresso pleno da Palestina na Organização das Nações Unidas. O Brasil já reconhece o Estado palestino como tal, nas fronteiras de 1967, de forma consistente com as resoluções das Nações Unidas. Assim como a maioria dos países nesta Assembleia, acreditamos que é chegado o momento de termos a Palestina aqui representada a pleno título. O reconhecimento ao direito legítimo do povo palestino à soberania e à autodeterminação amplia as possibilidades de uma paz duradoura no Oriente Médio. Apenas uma Palestina livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por paz com seus vizinhos, segurança em suas fronteiras e estabilidade política em seu entorno regional. Venho de um país onde descendentes de árabes e judeus são compatriotas e convivem em harmonia - como deve ser.

Senhor presidente, o Brasil defende um acordo global, abrangente e ambicioso para combater a mudança do clima no marco das Nações Unidas. Para tanto, é preciso que os países assumam as responsabilidades que lhes cabem. Apresentamos uma proposta concreta, voluntária e significativa de redução (de emissões), durante a Cúpula de Copenhague, em 2009. Esperamos poder avançar já na reunião de Durban, apoiando os países em desenvolvimento nos seus esforços de redução de emissões e garantindo que os países desenvolvidos cumprirão suas obrigações, com novas metas no Protocolo de Quioto, para além de 2012. Teremos a honra de sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em junho do ano que vem. Juntamente com o secretário-geral Ban Ki-moon, reitero aqui o convite para que todos os chefes de Estado e de Governo compareçam.

Senhor presidente e minhas companheiras mulheres de todo mundo, o Brasil descobriu que a melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza. E que uma verdadeira política de direitos humanos tem por base a diminuição da desigualdade e da discriminação entre as regiões, entre as pessoas e entre os gêneros. O Brasil avançou política, econômica e socialmente sem comprometer sequer uma das liberdades democráticas. Cumprimos quase todos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, antes de 2015. Saíram da pobreza e ascenderam para a classe média no meu país quase 40 milhões de brasileiras e de brasileiros. Tenho plena convicção de que cumpriremos nossa meta de, até o final do meu governo, erradicar a pobreza extrema no Brasil. No meu país, a mulher tem sido fundamental na superação das desigualdades sociais. Nossos programas de distribuição de renda têm nas mães a figura central. São elas que cuidam dos recursos que permitem às famílias investir na saúde e na educação de seus filhos. Mas o meu país, como todos os países do mundo, ainda precisa fazer muito mais pela valorização e afirmação da mulher. Ao falar disso, cumprimento o secretário-geral Ban Ki-moon pela prioridade que tem conferido às mulheres em sua gestão à frente das Nações Unidas. Saúdo, em especial, a criação da ONU Mulher e sua diretora-executiva, Michelle Bachelet. Senhor presidente, além do meu querido Brasil, sinto-me, aqui, hoje, representando também todas as mulheres do mundo. As mulheres anônimas, aquelas que passam fome e não podem dar de comer aos seus filhos; aquelas que padecem de doenças e não podem se tratar; aquelas que sofrem violência e são discriminadas no emprego, na sociedade e na vida familiar; aquelas cujo trabalho no lar cria as gerações futuras. Junto minha voz às vozes das mulheres que ousaram lutar, que ousaram participar da vida política e da vida profissional, e conquistaram o espaço de poder que me permite estar aqui. Como mulher que sofreu tortura no cárcere, sei como são importantes os valores da democracia, da justiça, dos direitos humanos e da liberdade. E é com a esperança de que estes valores continuem inspirando o trabalho desta Casa das Nações que tenho a honra de iniciar o Debate Geral da 66ª Assembleia-Geral da ONU. Muito obrigada.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Comentário - Estados não reconhecidos.

Ontem li um artigo no NY Times - compartilhado logo ao final deste comentário - que discutia a situação de países teoricamente soberanos, mas, sem reconhecimento da comunidade internacional.
Chama atenção o fato de que em alguns casos o reconhecimento de alguns destes atores seria um elemento estabilizador para situações de conflito e miséria, tendo-se como exemplo a Somalilândia.
Outros casos, por sua vez, como o Cipre Turco são elementos de instabilidade e ainda têm-se o caso de Taiwan.
A pergunta é: Até que ponto as regras de reconhecimento de um país são realmente efetivas? Outra pergunta daí derivada: Que interesses são levados em consideração na hora de se reconhecer um novo ator no Sistema Internacional?
Vamos ao debate?

Logo abaixo segue o artigo para apreciação:

The Phantom Menace
By DANIEL L. BYMAN and CHARLES KING
Published: August 15, 2011

THREE years ago this month, Russia and Georgia fought a brief and brutal war over an obscure slice of mountainous land called South Ossetia that had declared its independence from Georgia. Flouting international law, Russia stepped in to defend South Ossetia and later formally recognized the secessionists as a legitimate government. Hundreds died and thousands of refugees fled the disputed region.

The 2008 war demonstrated the explosive potential created by the presence of phantom states: places that field military forces, hold elections, build local economies and educate children, yet inhabit the foggy netherworld between de facto existence and international legitimacy.

With about 70,000 people, South Ossetia is one of the smallest of these oddities of international politics. Its fellow breakaway republic, Abkhazia, has approximately 250,000 (these numbers are disputed). Nagorno-Karabakh and Transnistria are two others in the former Soviet Union. To the south are the Turkish Republic of Northern Cyprus; the Palestinian territories in the West Bank and Gaza Strip; and the self-functioning territory of Somaliland. A half dozen other patches of land could be added to the mix; together, they are home to approximately 40 million people.

Phantom states stoke wars, foster crime, and make weak states even weaker. Nagorno-Karabakh is lauded by Armenia and loathed by Azerbaijan, leading all sides to stockpile arms in case of renewed violence. The unsettled status of Northern Cyprus weakens the economic prospects of all Cypriots and strains relations between the European Union and Turkey, Northern Cyprus’s chief supporter. And although Somaliland has been an island of effective governance in anarchic Somalia, its unrecognized status has discouraged aid and investment.

Phantom countries frequently emerge from wars, and are sustained by the threat of further fighting. In Gaza, Hamas has waged an off-and-on war with Israel even as it has cracked down on local crime and picked up the trash.

Leaders of phantom states champion the right to national self-determination while the countries from which they seek independence stress the need for stable borders. Stuck between these incompatible principles, phantom governments tend to point out uncomfortable precedents and double standards and latch on to foreign patrons. Indeed, most phantoms survive in part because of external support. Moscow is the power broker in South Ossetia and Abkhazia, while Armenia holds sway over Nagorno-Karabakh.

Taiwan shows one way out of this conundrum; despite existing in a state of legal uncertainty, it has thrived. From 1949 to 1971 the Nationalist government in Taiwan held China’s seat at the United Nations and was recognized by most world governments. Since the 1970s, however, no major power has formally recognized Taiwan and it remains a source of tension between the United States and China. Yet, in the past four decades, Taiwan has become an economic powerhouse, a model of democratic transition from authoritarian rule and a responsible member of the international community — all without a seat at the United Nations.

The key was engagement. Taiwan’s economic and strategic importance pushed the United States, China and other great powers to tiptoe around — and sometimes even embrace — its unsettled legal status. Legitimate but unrecognized, a real country but not independent, Taiwan has demonstrated the positive power of creative ambiguity.

A similar approach could work elsewhere. Phantom governments are often corrupt, run by warlords and plagued by drug trafficking and other illicit trade. But transparent government, free elections and a peaceful foreign policy are as vital for phantom states as they are for real ones. If phantom governments behave well, they should be offered a path toward legitimacy by the world’s major powers. Economic and political reforms can proceed parallel to, and even bolster, discussions over sovereignty.

By insisting on territorial integrity, the United States and other countries forgo the chance to turn phantom states into responsible players. So long as phantoms are denounced as separatists or outposts of illicit commerce, the international community has little opportunity to hold their leaders accountable. And treating them as mere eccentricities means that phantom states have little reason to care about the international order.

Even when a phantom state becomes a genuine state, the problems don’t necessarily end. Eritrea, which seceded from Ethiopia in 1993 after years of war, is a warning. It has since fallen into tyranny, fought a border war with Ethiopia in which many thousands died, and supported the brutal Shabab militia in Somalia. Although Eritrea is independent, it remains a source of instability.

To avoid another Eritrea, the international community should push phantoms to reform rather than focusing exclusively on seeking statehood. Otherwise, millions of the world’s citizens will linger in legal and political limbo — rebels with a cause and soldiers with a ready-made grievance — while their neighborhoods remain at risk of war.

Daniel L. Byman is research director of the Saban Center for Middle East Policy at the Brookings Institution. Charles King is the author of “Odessa: Genius and Death in a City of Dreams.” They are professors at Georgetown University.
This article has been revised to reflect the following correction:

Correction: August 16, 2011


Because of an editing error, a previous version of this article cited lower estimates for the populations of two places, South Ossetia and Abkhazia, than were reported in the original version. As the current version correctly notes, the original figures — which are cited by several organizations — are a matter of dispute.