Inusitadamente, o governo argentino decidiu permitir a lavagem de dinheiro para atrair o que era mantido por nacionais em reservas de paraísos fiscais. Entenda a situação no link abaixo:
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quarta-feira, 5 de junho de 2013
sábado, 10 de dezembro de 2011
Estadão - Artigo de Ariel Palacios.
Cristina Kirchner: a milionária presidente que prega o “nacionalismo popular”
Este será o segundo mandato de Cristina. Mas, será o terceiro do kirchnerismo. Ou, o terceiro mandato “pinguino”. E será o primeiro mandato de Cristina sem a presença do defunto marido e ex-presidente.
“Um espelho! Quero um espelho!”. O pedido desesperado – em tom de exigência – foi pronunciado em julho de 1982 por Cristina Elisabet Fernández de Kirchner. Ela havia acabado de acordar no hospital de Río Gallegos, capital da província de Santa Cruz, na Patagônia. Uma hora antes havia sofrido um grave acidente de carro do qual salvou-se da morte por um triz. Coberta de sangue, logo que recuperou a consciência, sua primeira preocupação foi seu estado estético. Os médicos e enfermeiras estavam estupefatos.
Quase três décadas depois do acidente, as pessoas que conheceram a atual primeira-dama na época indicam que esse “causo” ilustra bem seu caráter: “vaidosa” e “autoritária”. Assim é Cristina Kirchner, capaz de ter um acesso de fúria por uma marca errada de água mineral colocada em cima de sua mesa ou por uma crítica da imprensa, inclusive com uma caricatura que destaque seus lábios – supostamente – recheados de botox. Os humoristas deliciam-se em ilustrá-la como uma “shopaholic”.
A revista “Notícias” afirmou em seu primeiro ano de governo que era psicologicamente “bipolar”. Seus antigos colegas do Senado reconhecem sua oratória mas a definem como “arrogante”. Mas, Cristina retruca. Ela afirma que as críticas não passam de comentários “machistas” e “misóginos”.
Cristina, a segunda presidente mais rica da América do Sul, com US$ 17 milhões – segundo a declaração oficial de bens, basicamente investidos em imóveis e aplicações financeiras – é uma declarada admiradora de Evita Perón, a “mãe dos humildes”. Cristina, cuja fortuna aumentou 930% desde 2003, define sua política como “nacional e popular”, mais conhecida pela abreviatura “nac e pop”.
Em abril de 2003, pouco após o primeiro turno presidencial, Cristina e seu marido, Nestor Kirchner, receberam o Estado para uma entrevista em seu apartamento no elegante bairro da Recoleta. Ali admitiram que nunca haviam estado no Brasil, a não ser no aeroporto de Cumbica como escala para viagens às americanas Nova York e Miami, únicas cidades que conheciam fora da Argentina. Mas, ao chegar ao poder, Cristina e seu marido transformaram-se em enfáticos defensores da unidade sul-americana e visitaram os países que antes não conheciam.
ADVOGADA - Nascida na cidade bonaerense de La Plata em 1953, Cristina estudou Direito (mas antes havia feito um ano de Psicologia). No curso conheceu um estudante veterano desajeitado, estrábico, que falava com a língua presa e disparava perdigotos. Cristina, que apaixonou-se por ele, salientou que foi cativada por seu senso de humor. O rapaz mal-ajambrado era Néstor Kirchner, que após o golpe de Estado de 1976 a levou para sua terra natal, Rio Gallegos, onde a repressão do regime militar era menor.
Ali, os dois, que haviam militado na Juventude Peronista – embora sem cargos de importância – dedicaram-se ao lucrativo negócio das hipotecas de casas. Durante o regime militar os casal de advogados não assinou hábeas corpus algum em favor de prisioneiros políticos, assunto sobre o qual os Kirchners calam.
Nos anos 80 ele foi eleito prefeito de Río Gallegos, enquanto ela transformava-se em deputada. Quando Néstor elegeu-se governador, ela chegou ao Senado. Durante a presidência do marido participou das decisões mais cruciais do governo.
Em 2007 ela tornou-se a primeira cônjuge na História do mundo a suceder o próprio marido por intermédio das urnas. Até o ano passado o plano do casal era continuar as sucessões alternas de forma indefinida. Mas, a morte de Kirchner, no dia 27 de outubro do ano passado, interrompeu drasticamente o projeto. Cristina, de luto, citando o marido morto em todos seus discursos, fez campanha para suceder a si própria. Neste sábado ela toma posse como presidente reeleita (a primeira mulher reeleita na História da A.Latina).
Este será o segundo mandato de Cristina. Mas, será o terceiro do kirchnerismo. Ou, o terceiro mandato “pinguino”. E será o primeiro mandato de Cristina sem a presença do defunto marido e ex-presidente.
BIOGRAFIAS - Cristina já acumula três biografias best-sellers. A primeira, com o título de “Rainha Cristina”, foi escrita por sua amiga de faculdade, a jornalista Olga Wornat. A segunda, “Cristina, de parlamentar combativa a presidente fashion”, é de Sylvina Walger, que realiza uma ácida anatomia da personalidade da presidente. A última, da jornalista Sandra Russo, que trabalha no canal estatal TV Pública, é “A presidenta. História de uma vida”, livro que elogia a vida e obra de Cristina.
PODER - Cristina assume com um amplo poder conseguido graças aos 54,1% dos votos nas eleições presidenciais de outubro, além de iniciar o novo mandato com maioria – graças a parlamentares próprios e aliados – no Senado e na Câmara de Deputados.
Entre os 24 governadores das províncias, Cristina terá a obediência direta de 19. Dois governadores são aliados permanentes, enquanto que outro, José Manuel de La Sota, de Córdoba, alinha-se com o governo circunstancialmente. Somente os dois governadores restantes – Maurício Macri, do Distrito Federal de Buenos Aires, e Cláudio Poggi, de San Luis – representam a oposição. No entanto, o próprio Macri deixou claro que pretende evitar confrontos com a presidente Cristina.
Apesar do grande poder com o qual inicia o novo mandato, Cristina também herdará do governo anterior – isto é, dela própria – uma série de problemas econômicos cujas soluções adiou ao longo dos últimos quatro anos. No entanto, a equipe econômica permanece praticamente a mesma. Somente muda o ministro da Economia, já que o ocupante dessa pasta, Amado Boudou, será empossado como vice-presidente. Seu sucessor, Hernán Lorenzino, ex-secretário de finanças, é seu homem de confiança.
O novo gabinete é praticamente igual ao antigo, já que a presidente só mudou três de seus 19 ministros.
Cristina destacou que haverá “continuidade do modelo” econômico. Mas, desde as eleições do dia 23 de outubro a presidente deu uma guinada ao afastar-se dos sindicatos – os históricos suportes políticos dos governos peronistas – e aproximou-se do empresariado, com o qual havia tido uma relação de elevada tensão desde sua posse em 2007. Enquanto que os sindicalistas afirmam que sentem saudade de Kirchner e começam a criticar sua viúva, os empresários emitem elogios rasgados sobre a presidente Cristina.
PARLAMENTO PRÓPRIO - Na Câmara de Deputados, a presidente Cristina – que comanda a Frente pela Vitória, uma sublegenda do Partido Justicialista (Peronista) – contará com 115 parlamentares próprios, além de outros 20 aliados. Isto é, ela terá 135 deputados (seis cadeiras a mais do número necessário para o quorum, de 129 cadeiras). Desta forma, encerra-se a fase dos últimos dois anos, quando, depois da derrota nas eleições parlamentares de 2009, o governo Kirchner ficou em minoria.
No total, a Câmara tem 257 cadeiras. Destes, a União Cívica Radical, que nos últimos 60 anos foi a grande rival do Peronismo, terá 41 deputados. No entanto, o partido está dividido entre “moderados”, os simpatizantes do kirchnerismo e um pequeno grupo que opõe-se a qualquer tipo de acordo com o governo.
A Frente Ampla Progressista (FAP), coalizão de centro-esquerda comandada pelos socialistas, que prometeu protagonizar uma “oposição responsável”, terá 22 deputados.
O peronismo dissidente (basicamente os setores conservadores desse partido), reunido na Frente Peronista, contará com 23. O partido de centro-direita Proposta Republicana (PRO) terá 13 parlamentares, enquanto que a Coalizão Cívica, de centro-esquerda, ficará com seis cadeiras. Os restantes 17 deputados de oposição espalham-se em pequenos partidos que oscilam entre a direita e a esquerda. Destes, os partidos provinciais reúnem 13 deputados.
No Senado a presidente também terá maioria. Das 72 cadeiras (para quorum precisa 37), o kirchnerismo contará com 33 senadores próprios, além de cinco aliados peronistas (um total de 38 cadeiras), entre os quais o ex-presidente Carlos Menem. “El Turco” deixou de ser “inimigo” e passou ao status de “colaborador”.
A UCR será a primeira minoria, com 17 senadores. O peronismo dissidente, que sofreu um êxodo de seus integrantes rumo às fileiras kirchneristas, formará um bloco de nove senadores. A Frente Ampla Progressista terá quatro senadores. Outros partidos menores dividirão as quatro cadeiras restantes.
GLOSSÁRIO CRISTINISTA
“Rainha Cristina” – Cristina Kirchner, por sua pose de diva, é chamada “A rainha Cristina”, em alusão ao filme protagonizado por Greta Garbo nos anos 30, no qual interpretava a absolutista e vaidosa rainha Cristina da Suécia. Biógrafos não-autorizados afirmam que ela adora ser chamada de “rainha”.
Presidenta: “Presidenta! Presidentaaa! Que fique bem claro para vocês. É ‘presidenta’”. Desta forma, com dedo em riste e marcando a letra “a” da palavra “presidenta”, a então primeira-dama repreendeu a plateia que participava do comício de lançamento presidencial em julho de 2007 (o público havia gritado em coro “Cristina presidente!”). Só nos primeiros 45 dias de governo, por ordens diretas suas, a Casa Rosada rejeitou mais de 300 documentos em cujo cabeçalho e texto aparecia a palavra neutra “presidente” (com “e” final). Atualmente, todos os documentos ostentam a versão com “a” exigida por Cristina.
“És too much” – “É demasiado”. Expressão que mistura espanhol com inglês usada por Cristina para reclamar de algo. Pronúncia da presidente: “tchúmátch”.
Louis Vuitton – Versace foi a marca no período menemista, já que o então presidente Carlos Menem apreciava as sedas multicoloridas do estilista italiano. Mas, durante o período kirchnerista, a marca – especificamente, com Cristina Kirchner (não Néstor) – passou a ser a francesa Louis Vuitton.
O Pinguim – Apelido de Néstor Kirchner por suas origens patagônias e seu perfil nasal, similar ao da ave polar. Cristina Kirchner é chamada de “La Pingüina” (a Pinguim-fêmea).
A Pinguineira – Refere-se aos mais de 2 mil funcionários de origem patagônia que Kirchner e seus ministros trouxeram à Buenos Aires. O termo também define o círculo íntimo presidencial.
Pinguins “puros” – Aqueles que estavam com o casal Kirchner desde que estes governavam a província de Santa Cruz nos anos 90. São as pessoas de maior confiança da presidente Cristina.
Kirchnerismo: Denominação da corrente política que, dentro do Peronismo, reuniu políticos de diversas tendências. O grupo apresenta-se como “progressista”, embora conte com vários caudilhos que estão no poder há décadas.
Nac e Pop: Nacional e Popular. Definição abreviada que os kirchneristas dão para contextualizar seu movimento político
Estilo K – Estilo de falar sem papas na língua, que também implica em bater primeiro para depois negociar.
Economia K – Termo que define medidas que misturam pragmatismo econômico a curto prazo com tons keynesianos, embalados por políticas neoliberais camufladas. Segundo uns, é “flexibilidade” ideológica. Segundo outros, “oportunismo”. O termo “empresariado K” define os industriais que respaldam sua política econômica, entre os quais diversas multinacionais estrangeiras.
“Él”: Ele. Forma como a presidente Cristina começou a referir-se sobre seu marido Nestor Kirchner após sua morte há um ano.
Cristinistas – Dentro do kirchnerismo, são os seguidores de Cristina. Basicamente jovens ministros, secretários e diretores de estatais cujo poder cresceu com Cristina. Exemplos: o novo vice, Amado Boudou e o novo chefe do gabinete de ministros, Juan Abal Medina.
sexta-feira, 29 de abril de 2011
Direto de Buenos Aires por Taís Sandrim Julião
Os eixos da política externa argentina sob o kirchnerismo
Desde 2003, com a ascensão de Néstor Kirchner à presidência, a Argentina tem experimentado um processo de redefinição de seus parâmetros de política externa. Isso se deve, em grande medida, à necessidade de ajustar as diretrizes vigentes na década anterior às necessidades contemporâneas do país, que busca recuperar-se de uma crise econômica e social sem precedentes. Nesse contexto, podemos destacar no discurso kirchnerista dois eixos principais: o conceito de autonomia e a agenda de direitos humanos.
No que tange ao conceito de autonomia, percebe-se que este é entendido como a capacidade de recuperar o poder de decisão argentino tendo em vista variáveis como o adensamento da globalização econômica e a integração regional no Mercosul. Ademais, a autonomia deveria tornar-se um guia nos processos decisórios do Estado, de modo a potencializar as resultantes positivas e minimizar ao máximo os custos inerentes das negociações, seja em âmbito bilateral ou multilateral.
Cabe destacar que essa direção tomada pelo governo de Nestor Kirchner (2003-2007) era corroborada por uma leitura sobre as necessidades domésticas do país, de modo a conceber uma estratégia que priorizasse ações externas voltadas ao atendimento das demandas internas. Dessa forma, o conceito de autonomia estava relacionado a uma leitura contextualizada do interesse nacional argentino. A idéia de estruturar o discurso e a inserção internacional no conceito de autonomia demonstrou-se coerente diante dos desafios da Argentina no início dos 2000. Atualmente, tal conceito tem sido utilizado como norte pelo governo Cristina (2007-2011) como elemento central de uma estratégia de fortalecimento econômico em um cenário de recuperação ainda em progresso.
Em termos práticos, a autonomia resultou em três grandes linhas de ação, presentes nos governos justicialistas dos Kirchner. A primeira diz respeito ao aprofundamento das relações com o Brasil em termos comerciais e políticos, enfatizando o papel estratégico deste país para a Argentina e a receptividade dos mandatos de Lula da Silva à agenda mercosulina. A segunda, por sua vez, refere-se às relações comerciais bilaterais com parceiros tradicionais na América do Sul, entre os quais se destacaram Chile, Bolívia e Venezuela, sendo esse último uma relação que parece se aprofundar em direção a uma agenda política. Por fim, o endosso às instituições internacionais como guias à ação multilateral, sobretudo o direito internacional e a diplomacia, tendo em vista posições históricas defendidas pelo país em assuntos como as Ilhas Malvinas.
No que toca à agenda de direitos humanos, é interessante perceber como o discurso kirchnerista vinculou uma estratégia de construção de legitimidade nacional a uma oportunidade de inserção internacional. Com efeito, é inegável que a trajetória política tanto de Nestor como de Cristina passa pela militância política contra a ditadura militar e, portanto, estão internalizados os discursos críticos sobre o desaparecimento de militantes políticos, tortura e abusos de poder cometidos no período. Com a ascensão ao poder de Nestor e posteriormente de Cristina, a agenda de direitos humanos como um reflexo do processo de reconstrução da dignidade nacional, “ferida” desde os eventos do período militar, foi trazida à tona, de modo a projetar-se tanto nas políticas nacionais quanto na exterior.
A agenda de direitos humanos foi colocada em prática em termos domésticos com a promulgação de diversas leis que visam “fazer justiça”, ainda que tardiamente, aos acontecimentos ocorridos durante o regime militar. Com o kirchnerismo no poder, o país tem julgado nos tribunais nacionais os militares ainda vivos envolvidos em crimes de lesa humanidade durante a ditadura. Ademais, tornou feriado nacional o “Dia Nacional da Memória pela Verdade e Justiça” - dia 24 de março, data do Golpe Militar em 1976 que instaurou o regime de exceção no país.
No âmbito externo, tal postura repercutiu na participação ativa em diversos espaços multilaterais globais e regionais voltados à construção de regimes internacionais de direitos humanos. São ilustrativas as participações na Convenção Internacional sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, no sistema interamericano de Proteção e Promoção dos Direitos Humanos; ao Direito à Verdade; na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Incapacidades; e no Protocolo Facultativo da Convenção sobre Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Nesse sentido, a Argentina vem buscando fortalecer-se como uma referência regional em matéria de direitos humanos.
O approach kirchnerista da política externa argentina vem desenhando uma nova imagem para um país cuja história é marcada pelas contradições e descontinuidades. No plano hemisférico, tem obtido resultados políticos satisfatórios na América Latina e, principalmente, com a sul-americana, com destaque para a presidência de Néstor Kirchner na UNASUL, inconclusa devido à sua morte em 2010, porém reconhecida pela atuação ativa em tensões regionais. Por meio do Mercosul, a Argentina busca fortalecer sua presença econômica; nos organismos internacionais, adensa sua participação política na construção de regimes internacionais. Paulatinamente, a Argentina retoma sua identidade internacional como país em desenvolvimento relevante tanto do ponto de vista econômico, quanto político.
sábado, 16 de abril de 2011
Coluna Direto de Buenos Aires - Tais Julião
As relações Argentina - Estados Unidos contemporâneas
Por: Taís Sandrim Julião*
Nos anos 1990, a Argentina figurava como um dos principais parceiros dos Estados Unidos na América Latina. Isso se devia principalmente à convergência entre o ideário denominado “Consenso de Washington” e as políticas macroeconômicas implantadas por Buenos Aires. A Argentina passou por um processo acelerado de privatizações de empresas estatais estratégicas – como na área de comunicações, transportes e energia -, abertura econômica e a adoção de medidas cambiais radicais. Esse período de alinhamento político-econômico aos Estados Unidos motivou a utilização da expressão “relações carnais” para descrever o estado das relações bilaterais.
No início dos anos 2000, o país enfrentou uma severa crise inflacionária, que viria a alterar não somente as dinâmicas macroeconômicas, mas também o cenário político argentino. Desde a crise econômica e social de 2001, as relações com os Estados Unidos tem sido objeto de reavaliação, iniciando-se processo de paulatino desgaste, ainda em curso.
Em muitos países latinoamericanos, as políticas neoliberais não foram capazes de realizar o projeto a que se propunham. Na Argentina, o modelo não somente fracassou como também provocou uma reflexão política crítica sobre o papel das relações com os Estados Unidos e com os organismos financeiros internacionais – em particular, o Fundo Monetário Internacional (FMI) -, como co-responsáveis pela situação degradante em que se encontrava do país.
Entre 1999 e 2002, o país buscou recuperar suas instituições básicas e garantir a continuidade do processo democrático. Em 2003, foi eleito Néstor Kirchner, que ascendeu ao poder com a bandeira de renovação da política nacional e da defesa dos interesses argentinos. A relação com o FMI tornou-se conflitiva, e foram aprofundados laços com outros eixos, tais como a América do Sul e a América Latina.
A continuidade do kircherismo deu-se pela eleição de Cristina Kirchner em 2007, o que garantiu a continuidade de alguns processos políticos e econômicos iniciados na presidência anterior. No entanto, no que diz respeito às relações com os Estados Unidos, aprofundaram-se os antagonismos.
Em linhas gerais, as relações Buenos Aires-Washington contemporâneas podem ser compreendidas por meio de dois movimentos. O primeiro diz respeito ao processo de associação da presença estadunidense no país com a crise econômica e social dos anos 2000. A recuperação do país – ainda em curso, diga-se de passagem -, não deve pautar-se em um adensamento das relações comerciais e políticas com os Estados Unidos, mas sim em uma política externa plural, capaz de contribuir no fortalecimento da economia nacional, sobretudo a partir dos fluxos de comércio com novos e tradicionais parceiros da região.
Incidentes diplomáticos ocorridos neste ano sinalizam para o clima nada amistoso que impera entre os dois países desde meados de 2000: a apreensão da carga de uma aeronave norte-americana que trazia equipamentos militares para treinamento, e a visita de Obama ao Chile e ao Brasil, abordada pelos jornais com a manchete “Obama sobrevoa a Argentina”. Eventos como esses têm contribuído para o estabelecimento de um sentimento ambíguo com relação ao papel dos Estados Unidos.
Ademais, a decisão de reposicionar os Estados Unidos na agenda de política externa corrobora as percepções de demais países em desenvolvimento sobre o declínio estadunidense como pólo de poder central na economia política internacional. Dessa forma, os fluxos econômicos parecem apontar para o aprofundamento das relações com países parceiros - ou seja, países em desenvolvimento que compartilham uma visão sobre as mudanças na ordem internacional contemporânea -, e das relações no âmbito do Mercosul, em particular com o Brasil.
A propósito, o segundo movimento está relacionado à dinâmica brasileira no contexto regional e na política internacional. A Argentina parece observar o Brasil com olhos atentos. Por um lado, tem aderido ao projeto de construção de uma América do Sul unida e fortalecida política e economicamente. A Argentina tem buscado aproveitar o bom desempenho brasileiro para aprofundar as relações no âmbito do Mercosul comercial.
Por outro, preocupa-se com o ambiente favorável à campanha do Brasil para tornar-se membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas – posto também cobiçado pelos argentinos. Em termos políticos, a Argentina deseja ser um parceiro horizontal, reforçando que ambos os países exercem em parceria a liderança no subcontinente e, nesse sentido, são interdependentes em diversas agendas regionais e multilaterais.
Em 2011, ocorrerão eleições presidenciais e a presidente Kirchner ainda não se posicionou sobre uma possível candidatura à reeleição. Todavia, o cenário político aponta para uma continuidade do kirchnerismo. Nesse cenário, Estados Unidos parece ser cada vez menos uma opção na política externa argentina.
*Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília
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