quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A sociedade brasileira e o judiciário: Uma relação de desconfiança

Artigo originalmente publicado no site da Revista Autor (www.revistaautor.com) em Maio de 2006.

Por: Creomar Lima Carvalho de Souza

A indignação que tomou conta de uma parte da sociedade brasileira após a última decisão do STF que permitiu a progressão de pena para os chamados crimes hediondos, trouxe à tona reflexões importantes acerca da relação entre: a sociedade brasileira e o poder judiciário.
Longe de divagações técnicas, preferimos uma análise mais conjuntural do problema. Dessa forma, o propósito principal deste texto, é tentar entender quais seriam os motivos que levam uma parcela da sociedade nacional, notadamente os mais pobres, a enxergarem o poder judiciário como algo distante da realidade.
No desenvolvimento de nossos objetivos, podemos, portanto, relacionar alguns aspectos que sirvam como marcadores desse distanciamento: a – a adoção de uma linguagem algumas vezes desnecessariamente técnica, que afasta as pessoas em geral do entendimento de como determinadas leis funcionam e da conseqüente busca de seus direitos; b – a possibilidade de um número grande de recursos que transmite uma imagem de morosidade e ineficiência para as pessoas; c – o corporativismo entre os magistrados, que em alguns momentos os levam a decidir em causa própria.
Seguindo a análise das resultantes desses fatores no modo entre como os indivíduos enxergam a justiça, pode-se afirmar que a principal resultante dessa equação é exposta no termo “impunidade”, entendida aqui como sendo a possibilidade de um indivíduo escapar de punição por delito cometido. Isso, contudo, não se dá de maneira equânime para todas as camadas da sociedade.
Ao contrário, a impunidade se manifesta de maneira desigual em uma escala inversa ao poder aquisitivo de cada indivíduo. As reverberações dessa relação na sociedade brasileira permitem a construção de atitudes de descrédito perante o sistema legal. Tais atitudes estariam presentes em axiomas como: “no Brasil só vai para a cadeia quem é pobre e preto (sic)” ou então na idéia de que um bom advogado pode sempre reverter uma situação desfavorável mediante recursos em um tribunal.
Diante dessa opinião descrente da sociedade brasileira perante a eficácia da justiça, surge outro problema, que é, a ausência de respostas afirmativas por parte dos representantes do judiciário perante a sociedade. Essa situação encontra respaldo nos chamados votos técnicos, que parecem em grande parte dos casos tangenciar o real problema ao invés de trazer uma solução ao mesmo.
Tome-se como exemplo o caso da permissão de progressão de pena aos crimes hediondos, à parte as considerações que versem sobre a eficiência ou não das penas de prisão. O fato é que a resposta dada pela suprema corte primou por uma atitude meramente técnica - ou normativa - que só parece ter potencializado a descrença na justiça. Entenda-se voto técnico como sendo aquele que é decidido com base em um conhecimento muito específico e, por conseqüência, gera um afastamento entre o pequeno grupo que toma a decisão e o restante do conjunto social. Isso é exposto pelo fato de que, as decisões jurídicas - notadamente as polêmicas – aparentemente não encontram respaldo em determinados grupos dentro da sociedade civil.
Tais grupos possuem a capacidade de se fazer ouvir dentro da sociedade, por meio de boas relações nos meios de comunicação ou pela pressão exercida em determinados políticos, que assumem para si determinados discursos – conforme visto no plebiscito acerca da licitude do comércio de armas.
Deve-se destacar o fato de que os juízes ainda não criaram mecanismos que busquem melhorar sua imagem perante o conjunto social. Assim, pode-se afirmar que as ações de pressão de determinados grupos sociais sobre determinadas decisões judiciais reforçam a impressão de que os juízes vivem em redomas de cristal, as quais lhe deixariam protegidos das mazelas sociais e dessa maneira livres de quaisquer conseqüências negativas de suas decisões.
Consideramos por isso, a titulo de conclusão dessa breve análise da relação entre o poder judiciário e a sociedade brasileira, que enquanto os membros do poder judiciário não assumirem uma postura que diminua o distanciamento entre esse poder e o restante da sociedade, tende-se a um agravamento tanto na sensação de desconfiança ante as cortes, quanto na impressão de que na justiça brasileira a desigualdade é a regra.

Referências Bibliográficas:
Focault, Michel. Sobre a prisão. In: Focault, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1979.
Gonçalves, Fernando David de Melo. Comentários sobre o regime disciplinar diferenciado e a progressão ‘automática’. In: Revista Autor, www.revistaautor.com.br em 13 de março de 2006.
Herman, Edward S. & Chomsky, Noam. A Manipulação do Público. São Paulo, Futura, 2003.
Kant de Lima, Roberto. Direitos Civis e Direitos Humanos – uma tradição judiciária pré-republicana? In: São Paulo em Perspectiva, 18(1) 49-59, 2004.