quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

DefesaNet - Reflexões sobre o programa FX-2


Caças de Combate Aéreo para o Brasil: 
o que a História tem a dizer

Fernanda Corrêa
Historiadora, estrategista e pesquisadora do
Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
fernanda.das.gracas@hotmail.com

A transferência de tecnologia tem sido condição sine qua non para que o Brasil feche parceria estratégica na área de Defesa. Em 2009, Brasil e França fecharam parceria estratégica para aquisição de quatro submarinos convencionais e da plataforma-navio para o futuro submarino de propulsão nuclear da Marinha do Brasil. Muito se tem noticiado sobre as negociações da Força Aérea Brasileira para aquisição de 36 caças de combate. Em 2010, um suposto relatório da FAB vazou a informação de que a Força optaria pelo Gripen da empresa sueca Saab. Em dezembro de 2012, a revista Isto É anunciou o vazamento da informação de que o F-18 Super Hornet, da empresa estadunidense Boeing, seria o favorito da FAB. Aponta-se que os quesitos custo e atendimento das necessidades da Força privilegiam o modelo de caça Super Hornet em relação ao Gripen e ao caça Rafale, da empresa francesa Dassault.

Compra ou absorção de tecnologia?

O desenvolvimento nacional tem sido o ponto fundamental de discussão no Governo Federal para tomadas de decisão na área de Defesa. Segundo a revista Isto É, pelos documentos vazados, a Boeing teria se comprometido com a Embraer a entregar o maior conjunto de offsets já oferecido pelos EUA a qualquer país não membro da OTAN. Além de prometer ingresso ao Brasil a mercados inacessíveis na área de Defesa, previa a construção conjunta de aviões de treinamento militar para pilotos que poderão, inclusive, serem vendidos para países da América Latina, e desenvolvimento de um jato de emprego multifuncional de quinta geração que poderia ser comercializado mundialmente. A Boeing se comprometeria também a abrir um centro tecnológico em território brasileiro.

Embora a aquisição dos novos caças se oriente por uma decisão de Governo, a FAB precisa definir o que pretende: é compra ou absorção tecnológica? Se for compra, que se opte pelaoferta mais barata; porém, se os quesitos absorção de tecnologia e mercado de exportação pesarem em mesmo nível que o quesito custo, a oferta mais barata pode, futuramente, sair mais cara.

Essa é uma questão fundamental que precisa ser analisada pelos tomadores de decisão: se as ousadas promessas da Boeing não são apenas parte da Estratégia Política dos Estados Unidos para tirar os franceses das negociações na área de Defesa com o Brasil.

A História está aí para quem quiser consultá-la. É preciso que os órgãos competentes tenham sensibilidade nestas questões antes da tomada de decisão para a aquisição dos caças.

Embora tal proposta estadunidense se mostre interessante e alinhada aos interesses brasileiros, é de suma importância que as autoridades políticas e de defesa analisem a História dos Programas de Cooperação Tecnológica da FAB e avaliem se o que ela tem a dizer se alinham com as promessas ou se confrontam com os interesses políticos e/ou econômicos dos EUA.

Experiência da FAB em programas de aquisição tecnológica

Em 1978, as empresas italianas Aeritalia e Macchi se envolveram em um consórcio para desenvolver aeronaves de caça. Este consórcio denominou-se Aeritalia Macchi Experimental (AMX). Buscava-se, em plena era dos caças multifuncionais de alto desempenho, desenvolver caças de ataque leve, que seriam empregados em missões de interdição, apoio aéreo aproximado e reconhecimento. Estas empresas acreditavam que caças como o F-16, Tornado, Jaguar e Mirage F1, aeronaves multifuncionais de alto desempenho, eram muito sofisticados para missões secundárias de apoio aéreo aproximado tático em um cenário de conflito europeu. Desejavam assim, desenvolver caças que, além de dispor de capacidade para operar em altas velocidades subsônicas à baixa altitude em qualquer horário do dia e se deslocassem de bases militares pouco aparelhadas e pistas danificadas, dispusessem também de baixa assinatura em infravermelho e capacidade auto-defesa propiciada por mísseis ar-ar, sistemas de contramedidas eletrônicas e canhões integrados.

Em 1979, a FAB convocou estas empresas interessada no seu projeto inovador de caça para um cenário de conflito sul americano. Em 1980, esta Força decidiu participar do Consórcio italiano e envolver a Embraer na construção de caças e na aquisição de know how para construção de aviões militares modernos. Ressalva-se que não era a primeira vez que a Embraer era envolvida em programas de aquisição de tecnologia de defesa com a Itália. Em 1971, a Embraer já se envolvido no programa de cooperação com a empresa italiana Aermarcchi para o desenvolvimento da aeronave Xavante. A fim de desenvolver um caça leve subsônico, a Embraer investiu cerca de 29% neste consórcio, enquanto que  a Aermarcchi investiu cerca de 24% e a Aeritalia cerca de 46,3%.

Os caças AMX italianos receberam capacete DASH 4 e bombas guiadas a IR Opher da empresa israelense Elbit, rádio M3AR (Série 6000) da subsidiária alemã Rohde & Schwarz, bombas guiadas a laser GBU-16 Paveway II da estadunidense Raytheon e canhões M-61 A1 de 20 mm com 6 canos giratórios da estadunidense General Electric. Já no desenvolvimento dos caças brasileiros, além da Embraer, que criou uma subsidiária para atender as necessidades do programa de cooperação, a Embraer Divisão de Equipamentos, a FAB também envolveu as empresas brasileiras Mectron, Eletromecânica Celma e Aeroeletrônica no programa de cooperação.

Em 1986, iniciou-se a produção inicial em série de 30 AMX, dos quais 21 caças ficaram com as empresas italianas e 9 caças ficaram com a FAB. Dos seis protótipos, dois vieram para o Brasil. Calculou-se, na época, que o custo médio de cada aeronave para a FAB chegou a ser de aproximadamente U$50 milhões, inclusos os gastos de engenharia e desenvolvimento. Criticava-se, tanto no Brasil quanto na Itália, os custos, atrasos no desenvolvimento do programa e a eficiência de emprego desses caças.

Elementos de análise para os tomadores de decisão: 

Buscarei elencar aqui alguns elementos de análise apontados pela História para que tomemos como lição para os futuros programas de cooperação tecnológica na área de Defesa:

(1) Quando os brasileiros decidiram participar do consórcio, os empresários italianos já estavam engajados no desenvolvimento de um caça de ataque com escopo já praticamente definido.

(2) A pouca experiência da FAB em participar de programas de cooperação com alta tecnologia agregada conduziu a Força acreditar que, após a na assinatura do Memorando de Entendimento (MOU), não haveria maiores resistências em modificar o escopo do projeto de caça.

(3) As inúmeras alterações pedidas pela FAB durante o desenvolvimento do programa de cooperação e os atrasos nos repasses financeiros elevaram exageradamente os custos da aeronave.

(4) Neste período crítico da década de 1990, as linhas de montagem se encontravam praticamente paralizadas por falta de peças.

(5) As entregas dos AMX se iniciaram em outubro de 1989 e só se encerraram em 1999. O contingenciamento orçamentário da FAB foi o principal motivo para a demora na entrega das unidades.

(6) Apenas o quarto e o sexto protótipos eram brasileiros. O quarto protótipo realizou seu primeiro voo em espaço aéreo brasileiro em outubro de 1985, em São José dos Campos, em São Paulo, O sexto protótipo realizou seu primeiro voo no Brasil, em dezembro de 1986. O único piloto de teste brasileiro foi Luiz Cabral, funcionário da Embraer. Embora o Brasil já contasse com pilotos de teste com qualificação para ensaios em voo no exterior, como o major-aviador Aldo Vieira da Rosa (pioneiro nesta área), o major-aviador José Mariotto Ferreira e o engenheiro Michel Cury, a FAB não dispunha de um centro especializado em qualificação para ensaio em voo em território nacional. Somente em 1986, o Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos, criou o curso de ensaios em voo para formar pilotos e engenheiros qualificados em planejar, executar e gerenciar atividades de ensaios em voos experimentais. Apesar de, desde 1987, o CTA formar pilotos de testes, somente em 2004, este curso obteve reconhecimento daSociety of Experimental Test Pilots (SETP), tornando o Brasil o único país na América do Sul a ter este curso reconhecido internacionalmente.

(7) Ao longo das décadas de 1980 e 1990, o Brasil sofria uma grave crise econômica. Em função do delicado período político que o País experimentava, a Defesa tinha importância secundária na agenda governamental. Com orçamento contingenciado pelas oscilações da política e da economia nacional, a Embraer foi forçada a demitir 3.994 funcionários só em 1990. Aproximadamente 30% do quadro de funcionários da empresa foram demitidos. Nos anos seguintes, mais funcionários foram demitidos pela empresa.

(8) A Embraer acreditava que o AMX seria um sucesso de exportação na América do Sul. O custo deste modelo de caça tornou-se muito caro para o período de crise da época. Embora com ênfase em ataques ar-superfície, os jatos de treinamento militar britânicos Hawk tiveram maior êxito comercial do que os caças AMX. O único país que se mostrou interessado em adquirir 12 unidades do AMX foi a Venezuela. No entanto, por pressão dos Estados Unidos, a Embraer ficou impedida de vender os caças para aquele país.

(9) A Embraer desenvolveu as asas e profundores, tomadas de ar, cabides, trens de pouso, tanques de combustível, pallet de reconhecimento, motores Rolls-Royce Spey Mk 807 sob licença e instalação de canhões nacionais. Ressalva-se que os EUA vetaram o fornecimento dos canhões M-61 A1 de 20 mm com 6 canos giratórios(sistema Gatling), da GE para os caças da Embraer.

(10) Por último, acredita-se que, embora o AMX tenha inovado em conceitos operacionais a FAB, a instável e isolada burocracia interna da Embraer, mesmo após a privatização, não criou uma política de valorização de recursos humanos estratégicos; o que permitiu que engenheiros e pilotos que participaram de grandes programas de cooperação tecnológica da FAB tivessem sua mão de obra absorvida pelo mercado mundial, abandonassem a área de Defesa ou fossem absorvidos por outras empresas nacionais. Após a privatização da empresa, em dezembro de 1994, a Embraer concentrou seu trabalho na aviação regional e na constituição de parcerias empresariais internacionais, comoa EADS, a Dassault, a Thales e a Snecma. Na área de Defesa, apesar do sucesso dos jatos de treinamento militar Super Tucanos, o fato desta aeronave dispor de componentes estadunidenses, sua comercialização está sujeita aos interesses dos EUA, como já mencionado.

Rumo ao domínio tecnológico para produção de caças

Em função destes elementos de análise citados no programa de cooperação AMX, acredita-se que o Brasil perdeu uma excelente oportunidade de absorver o conhecimento necessário para construir sozinho um avião de caça de superioridade aérea. Fundamental que os gestores dos contratos tecnológicos da FAB e das empresas brasileiras se conscientizem de que, somente após definido o projeto de caça desejado, sejam fechados os contratos com a empresa internacional escolhida. Isso reduzirá o tempo de desenvolvimento e de entrega das aeronaves e, principalmente, reduzirá os custos de investimento no Programa de Cooperação Tecnológica.

Importante considerar que o reduzido avanço na capacitação técnica nacional, tanto na FAB quanto nas indústrias envolvidas, deve ser relativizado. Embora as empresas envolvidas não sejam capazes ainda hoje de produzir sozinhas algumas das tecnologias absorvidas do Consórcio AMX, como as bombas guiadas a laser, é importante considerar os avanços tecnológicos de bombas guiadas que os futuros caças da FAB podem dispor a partir das indústrias nacionais.

O desenvolvimento da bomba guiada por sistemas de navegação inercial e por GPS nacional, a SMKB, é o retrato da capacidade de inovação das indústrias brasileiras. Esta bomba guiada está sendo produzida por meio da união das empresas brasileiras Britanite Defence Systems (agora chamada
 EAQ, membro do grupo SDS Synergy Defesa & Segurança),  com a Mectron, atual Organizações Odebrecht, desde novembro de 2009. Enquanto a EAQ se encarrega do projeto, dos componentes mecânicos e pela comercialização, a Mectron se encarrega de desenvolver os conjuntos e subconjuntos eletrônicos, como o sistema de guiagem destas bombas.

Se o desenvolvimento tecnológico brasileiro é prioritário na decisão da aquisição dos caças para a FAB, diante da História, o que devemos sempre nos perguntar é até que ponto vai o interesse dos EUA em manter as suas promessas, se já, em muitos outros momentos da História, impediram este desenvolvimento. Neste quesito, ao que parece, tanto o Gripen quanto o Rafale atendem as necessidades da indústria nacional. Como já discutido, se exportar também faz parte dos objetivos futuros da Embraer, nem a Boeing nem a Saab, a qual também conta com tecnologia estadunidense, lhe propiciará isso. Haja visto, como já mencionado os canhões da GE para a Embraer e os Super Tucanos para a Venezuela, vetados pelos EUA. A comercialização de tecnologias com participação dos EUA sempre está condicionada a política deste País.

Conclui-se que, a FAB deve escolher um caça que lhe permitirá dominar todo o ciclo tecnológico. A inovação tecnológica será garantida com a combinação do que os engenheiros e técnicos brasileiros já absorveram de outros programas de cooperação tecnológicos com o que aprenderá se envolvendo neste novo projeto de caça. Nada impede que a FAB tenha um modelo de caça próprio e que, paralelamente, a Embraer desenvolva outro modelo de caça de combate voltado para exportação.

O alto custo de investimento numa aeronave pode ser recompensado tanto por meio dos offsets recebidos pelas indústrias nacionais quanto por meio da própria exportação das aeronaves. É importante ressalvar que, se os nossos técnicos e engenheiros não são capazes de acompanhar o nível tecnológico de aeronaves de quinta geração, é preferível que a FAB adquira uma aeronave de tecnologia mais antiga, a qual os engenheiros e técnicos brasileiros tenham condições de acompanhar e desenvolver. Caso contrário, o custo de uma aquisição tecnológica sairá ainda mais caro para os cofres públicos.

A França, além de dominar tecnologias estratégicas na área de Defesa, tem se comprometido política, militar e estrategicamente, em contribuir com a maior projeção brasileira no sistema internacional. Como afirmou o primeiro-ministro francês Georges Clemenceau (1841-1929), “aguerra é um assunto muito importante para ser deixado a cargo dos Generais”. Não cabe aqui julgar se o Rafale permitirá ou não a Embraer absorver a capacidade de desenvolver sozinha novos caças de combate aéreo no futuro, mas desconsiderar a História é torná-la cíclica.

Que os tomadores de decisão considerem questões como as que foram expostas ao fecharem o grande acordo para a aquisição de 36 caças para a FAB. Lembrem-se de que, no total dos 120 caças de combate aéreo necessários para a Força, previstos na Estratégia Nacional de Defesa, um dia, num futuro muito próximo, teremos que ser capazes de projetar, construir, operar e manter os nossos próprios caças.

Correio Braziliense - Oriente Médio por Hussein Ali Khalout


Ocidente x Islã: Lições do passado para o futuro

O conflito entre o mundo ocidental e o mundo muçulmano, acentuado desde o começo do século XX, ganhou contornos que escapam à compreensão comum. Enquanto uns recusam-se a entender o rechaço das massas islâmicas às interlocuções com o Ocidente, outros atribuem isso à ausência de liberdade e de democracia no seio destas sociedades, tidas como primitivas.  
A universalidade do mundo mulçumano é extensa, abarcando distintos grupos civilizacionais e culturais. As fronteiras do Islã estendem-se do extremo Oriente ao extremo Ocidente. Os indivíduos que professam a fé muçulmana são estimados em aproximadamente dois bilhões de pessoas - cerca de 25% da população mundial, distribuídos por todos os continentes.
A civilização muçulmana chegou a Europa no século VII e por lá permaneceu até a Inquisição, no fim do século XV. Seus maiores legados consistem no progresso do sistema econômico-comercial europeu, no desenvolvimento de ciências como medicina, a astrologia, a física, a química e a matemática, além de contribuições significativas no campo das artes e da literatura. Esse período representa o apogeu da integração e do intercâmbio de conhecimento entre o mundo ocidental e o mundo islâmico, o que levou a humanidade a um patamar superior de progresso.
Na era contemporânea, o declínio do diálogo entre o Ocidente e o mundo muçulmano pode ser descrito à luz de três axiomas temporais importantes: o colonialismo europeu no mundo árabe e islâmico entre o século XIX e meados do XX; o inarredável alinhamento euro-americano ao Estado de Israel no conflito com os Palestinos após 1947; a guerra dos falcões americanos contra o Iraque neste início de século XXI.
Para a sociedade árabe e islâmica, o colonialismo franco-britânico não apenas buscava a exploração das riquezas desses países, mas também descaracterizar seus pilares culturais, seus costumes e sua organização social. Na psique islâmica, as potências ocidentais não compreenderam a universalidade da sociedade muçulmana e ignoraram a sua dinâmica na medida em que, pela força, buscaram impor modelos de governança política incompatíveis com a suas tradições político-sociais.
A consolidação dos Estados Unidos como potência hegemônica após o fim da II Guerra Mundial levou a um novo ordenamento geopolítico no Oriente Médio. Esse novo modelo de neocolonialismo estava calcado no controle das matrizes energéticas dos países árabes a partir da instauração de regimes totalitários subservientes - o que alterou sobremaneira a dinâmica do dialogo entre o ocidente e a civilização islâmica.
Mas foi a eclosão do conflito árabe-israelense, em 1947, que potencializou o surgimento do islamismo radical. A conivência dos governos americanos e europeus com sistemática violação aos direitos do povo palestino, conjugada à inoperância diplomática para solucionar o contencioso, fomentou a criação de guerrilhas fundamentalistas e de movimentos extremistas antiocidentais.
Mais recentemente, o repúdio ao Ocidente foi agravado pela invasão anglo-americana ao Iraque. Era indisfarçável o interesse na tomada do petróleo iraquiano na guerra injustificada de Bush e Blair. Para a sociedade islâmica, o ataque representou uma ameaça direta à autodeterminação dos povos mulçumanos, o que também confirmou sua absoluta descrença nas instituições internacionais.
O plano de um novo Oriente Médio traçado pela “doutrina Bush” é uma radicalização da estratégia elaborada por Henry Kissinger, ainda nos anos 1970, cujo alicerce baseia-se em três pontos cardeais: o petróleo, a segurança do Estado de Israel e a contenção do islamismo.  
E foi pelo fomento ao sectarismo no mundo árabe e muçulmano que se procurou impedir a expansão do Islã. Embates internos mantém a tensão social elevada e inviabilizam a construção de objetivos comuns, o que perpetua a dependência das comunidades étnico-religiosas do Ocidente. Um mundo árabe coeso e um islamismo unificado seria a antítese do que os EUA, a Europa e Israel desejam. Foi assim no Líbano, durante a guerra civil; no Iraque, na última década; na intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na Líbia e, agora, na Síria.  
O dialogo pacífico entre o Ocidente e o mundo islâmico está centrado nas mãos das potências ocidentais. A resolução da questão Palestina é a chave para se pavimentar a coexistência harmoniosa entre os dois mundos.
De sua parte, as massas do mundo árabe e muçulmano que impulsionaram o levante denominado de Primavera Árabe parecem ter compreendido que os desafios mais prementes de seu ordenamento social consistem na construção de numa sociedade pluralista, tolerante e justa socialmente – uma contraposição às ditaduras totalitárias historicamente apoiadas pelas potências ocidentais. Democracia e islamismo político não são excludentes, como demonstra o eficiente modelo político da Turquia.  
 Apesar de suas diferenças culturais, o Ocidente e o Islã são bem mais complementares do que excludentes - assim foi no passado e assim poderá ser no futuro.

HUSSEIN ALI KALOUT, É CIENTISTA POLÍTICO, ESPECIALISTA EM ORIENTE MÉDIO PELA UNIVERSIDADE ÁRABE DE BEIRUTE, PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Uma breve reflexão neorrealista sobre a questão do Oriente Médio


Por  Alessandra Morais

O embate pela Palestina tem efeitos que se difundem por todo o Oriente Médio. Por esse motivo, os países árabes vivem em constante tensão política. No que tange à essa conjuntura, os pensamentos neorrealistas constroem lentes interpretativas do caso Oriente Médio, onde os conflitos de interesse entre as potências dessa região são um obstáculo para a solução do conflito Judaico-palestino.
As divergências entre as potências regionais do Oriente Médio de um ponto de vista teórico podem ser analisadas a partir da premissa neorrealista da competição entre os atores. Tal concepção pode ser interpretada a partir da ideia de que cada Estado que possui soberania organiza a sua agenda de forma a ter como principal objetivo a sua sobrevivência.
Com base no pensamento neorrealista de que o interesse primordial dos Estados é a segurança, cada ator almejará a sua permanência como Estado-nação no sistema internacional. Esse reconhecimento pode ser conseguido através do uso de instrumentos políticos ou do Direito Internacional.
Segundo o pensamento da escola neorrealista, o balanço de poder é a equivalência de poder entre as entidades estatais que lhes cria uma situação de equilíbrio. Pode ser criado pelos atores de forma deliberada ou espontaneamente no sistema em virtude de compatibilidades e arranjos naturais que se formam.
O ator internacional utiliza o balanço de poder para aumentar o número de Estados em sua aliança ou diminuir a aliança de outro Estado, sendo assim, os Estados fracos recorrem a esse método para não serem destruídos ou atacados, criando um possível equilíbrio de poder. Todavia, o balanço de poder é de difícil alcance quando há mais de dois pólos de influência.
O bandwagon, conceito formado pelos neorrealistas, é uma aliança conjunta entre os países, formando assim, um grupo de Estados dispostos a cooperar para alcançarem a realização de suas agendas, pois segundo os seus pensadores, os países não se agrupam ou alinham-se automaticamente.
Os países árabes mantêm-se no velho conceito realista de que os Estados são atores racionais, soberanos e unitários e por essa vertente, não haveria espaço para um possível bandwagon, sendo assim, os Estados não praticariam a estratégia de agrupamento em torno dos pólos para haver um possível balanço de poder e consequentemente o seu equilíbrio.
A solução do conflito Judaico-palestino é de difícil alcance por haver a multipolaridade na região, dificultando o estabelecimento de uma liderança, pois segundo Waltz, um sistema duopólio facilita a mobilidade dos atores e a política de balanço de poder. Sintetiza-se que os Estados agem com racionalidade e egoísmos, cooperando apenas para alcançar os seus interesses e ganhos relativos.

CARR, Edward. Vinte anos de crise: 1919-1939. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2001.
COOK, Steven A. Nas areias movediças do Oriente Médio, 2012. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,nas-areias-movedicas-do-oriente-medio,961615,0.htm. Acesso em: 20 de novembro de 2012.
NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Editora Saraiva, 2005.
WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics. New York: Random House, 1979.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Análise De Viviane Brunelly Araujo para o Mundorama


O Papel das Redes Sociais na Primavera Árabe de 2011: implicações para a ordem internacional, por Viviane Brunelly Araújo Tavares.

Desde o início do século XXI, a globalização vem aparecendo como um elemento dinamizador na vida das pessoas. As novas tecnologias que levam a informação às distâncias mais remotas com rapidez, eficiência e a baixo custo, vem permitindo que o indivíduo caminhe no mesmo patamar de importância que outras instituições e organismos, tornando-o capaz de influenciar e modificar a sociedade que até então se conhecia.
Durante a evolução deste processo, tanto o mercado, quanto o Estado estiveram, em algum momento, no centro das relações tanto nacionais quanto internacionais. Todavia, essa realidade foi se modificando no momento em que, com um maior aprofundamento da globalização, a sociedade foi ganhando força e se colocando em uma posição de maior destaque. Acrescenta-se a isto, o novo processo produtivo da Revolução Industrial que acelerou ainda mais o desenvolvimento da globalização, por demandar “novas e sofisticadas tecnologias (…) que trouxeram o aspecto informativo”, fortificando os laços transnacionais e “abrindo margem à formação de grupos de pressão” (PEREIRA JÚNIOR, 2000, p. 7). Neste contexto, os rápidos avanços tecnológicos do computador e das comunicações contribuíram para a revolução da informação(MATIAS, 2005).
O rápido crescimento da informática estaria levando a sociedade a um novo patamar, cuja globalização assume um caráter comunicacional-informacional. A evolução dos meios de comunicação e das tecnologias permitiu que os fluxos de bens, serviços, pessoas, cultura e informação se intensificassem, possibilitando uma maior integração entre os países e a sociedade ao redor do mundo. Nota-se assim, que o poder e alcance da comunicação agrega uma nova força profunda como algo potencialmente global e não somente de opinião pública.
Para o usuário, este ciberespaço contribuiu para a eliminação dos custos de comunicação, além do tempo e da distância. Em consequência, “essa verdadeira revolução na qual as informações são obtidas e disseminadas contribuiu para a consolidação da chamada ‘sociedade da informação’, que caracteriza o século XXI” (MATIAS, 2005, p. 118).
Como resultado deste novo episódio, temos que: à medida que o acesso à internet aumenta; a criação de comunidades virtuais, ou redes sociais também crescem e, consequentemente, os “movimentos instantâneos” de protestos por parte destes usuários tomam grandes proporções no cenário internacional. Por outro lado, e ao mesmo tempo em que o indivíduo foi adquirindo mais força e visibilidade, o poder regulador estatal vem diminuindo, em razão das dificuldades de se controlar o ciberespaço. Ou seja, “em vez de reforçar a centralização e a burocracia, as novas tecnologias de informação tendem a promover organizações em rede, novos tipos de comunidade, assim como a demanda de diferentes papéis para o governo”. Nye (2002, p. 100-101) caracteriza como “tecnologias da liberdade”.
Nesse mesmo raciocínio, Beck (1995, apud PEREIRA JÚNIOR, 2000) reforça a mensagem de que o indivíduo está, de fato, se reaproximando do centro de poder, denominado, por ele, como subpolítica. Afinal, tudo isso se trata da possibilidade que as pessoas têm agora de exercerem a política para além das fronteiras, fazendo prevalecer suas vontades em âmbito global.
Nestes termos, as revoltas do mundo árabe de 2011 expressam exatamente este novo momento que a sociedade global está vivendo. A falta de perspectivas para o futuro em um universo em que o desemprego predominava, a população vivia marginalizada e sem perspectivas motivou fortemente as pessoas a buscarem por melhorias imediatas através da internet.
Embora cada país do mundo árabe tenha tido um desenrolar diferente nas revoltas, o sentimento de descontentamento com as políticas nacionais foram em geral comum a todos, sendo este o epítome dos protestos. Em um ambiente em que predominantemente a população jovem chegava mais instruída e com mais facilidades de acesso à informação; os governos ditadores dominantes, que há anos estabeleciam uma mesma conduta política; a alta no preço dos alimentos e a baixa oferta de emprego foram para a sociedade o principal pilar das revoltas, cujo objetivo era lutar contra toda esta estrutura defeituosa.
Ao atear fogo contra seu próprio corpo em forma de protesto às péssimas condições de vida impostas pelas políticas públicas de um governo ditador que há anos dominava o poder; um jovem tunisiano chocou o mundo por dar início a uma série de revoltas que culminariam com a queda de alguns dos regimes políticos mais conservadores e estáveis da região, inclusive o do presidente tunisiano Ben Ali. A partir deste momento, a comunidade internacional se deparava, então, com uma onda de protestos pela região, que atingiu os governos do Egito, Iêmen, Bahrein, Jordânia, Síria e Líbia.
Essa massa insatisfeita fez uso das novas tecnologias e das mídias sociais, como telefones celulares, mensagens de texto, redes sociais e da internet para convocar o povo às ruas e juntos protestarem contra o governo. O Twitter era usado para a marcação de encontros pelos ativistas e para a disseminação de informações sobre o protesto. O Facebook era utilizado para debates, divulgação de locais e hora dos protestos, fotos e vídeos. O YouTube servia como ferramenta de armazenamento de vídeos.
Ao saber do início dos levantes e do uso das ferramentas tecnológicas como uma arma mais eficiente, tanto no Egito quanto na Líbia, o governo decidiu cortar o acesso à internet.Esta atitude foi sintomática ao fato de que era imprescindível a existência da internet e das redes sociais como uma ferramenta organizadora naquela região. Ou seja, o ato de encerrar com a comunicação significa admitir que de fato houvesse grande acesso à internet, às redes sociais e, consequentemente, às novas ideologias e que este mecanismo tinha grande força naquele contexto. Vale ressaltar que mesmo o Estado tendo bloqueado o acesso a esse meio de comunicação, o conteúdo nele colocado e não controlado pelo governo atingiu outras regiões, demostrando assim a capacidade de disseminação da internet.
Para Ghannam (2011), o poder das mídias sociais e das novas tecnologias, principalmente, da telefonia móvel provaram ser uma grande ameaça para os governos que não agradam as massas. Friedman (2011) inclui no debate a dimensão que tudo isso vem tomando no cenário internacional. Para este autor, na Europa, o baixo custo da internet móvel usada emsmartphones transformou o mundo de conectados para hiper-conectados. Castells (2011) denomina a capacidade criada pelas tecnologias, de rapidez na mobilização, de “auto-comunicação de massas”.
A Primavera Árabe, para Bava (2011), trouxe muitas surpresas, porém, muito mais importante que isso, são as lições tiradas desta situação. Em um mundo cada vez mais globalizado, as experiências vividas em qualquer país servem de referência para o mundo inteiro. Para ele, o sucesso das revoltas no Egito e na Tunísia mostrou o caminho para muitos outros povos.
Observa-se com isso, uma maior multiplicidade e horizontalidade desse fenômeno comunicacional e informacional. Castells (2012) enfatiza que, o mais importante é a ideia de articulação dos meios de comunicação tradicional de massa com os novos espaços sociais oferecidos pela internet. Nota-se com isso, um claro processo de convergência tecnológica interativa, e implica a renuncia a qualquer controle vertical que ainda resta à comunicação.
Diante disso, é possível perceber que em um mundo cada vez mais tecnológico, a tendência para que tudo se dê nesse ambiente é muito grande. Spitzcovsky (2011) destaca que “nenhuma sociedade hoje passa incólume a esses fenômenos globais”. Para o autor, como tendência, “parece inquestionável o fato de que, a pressão por mais liberdades civis e mais prosperidade tende a crescer” no mundo contemporâneo. E, o cenário global caminha, ainda que não de maneira linear, para um ambiente cada vez menos favorável para sistemas economicamente ineficientes, como foi o caso da região árabe.Dessa forma, produz-se uma tendência comum de que a capacidade de expansão das lutas sociais ganha força com o processo de difusão de informação e coordenação do pessoal.
Por fim, é possível olhar para o mundo por uma nova perspectiva: a de que a sociedade moderna é sim capaz, hoje, de iniciar uma nova era em que é viável a materialização de suas queixas que se iniciam no ciberespaço. Nesse sentido, pode-se esperar uma sociedade cada vez mais presente, por ser construída em um sistema em que os avanços industriais e tecnológicos crescem rapidamente.
Referências:
BAVA, Silvio Caccia. A volta das revoluções. Le Monde Diplomatique Brasil. Set 2011. Disponível em: Acesso em: 29 set 2011.
BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott.Modernização Reflexiva. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista. 1997. 227 p.
 CASTELLS, Manuel. [9 de maio, 2011]. Brasília: Rede de Tecnologia Social – RTS. Entrevista concedida a JordiRovira. Disponível em: Acesso em: 11 ago 2011.
__________. Todos los gobiernos odian internet. [04 de janeiro, 2012]. Espanha.RTVE: Europa Abierta. Entrevista concedida a Sergio Martín. Disponível em: < http://www.rtve.es/alacarta/audios/europa-abierta/europa-abierta-manuel-castells/1286978/ > Acesso em 05 mai 2012.
 FRIEDMAN, Thomas L. A Theory of Everything (Sort Of).The New York Times. 13/08/2011. Disponívelem: Acessoem: 15 ago 2011.
GHANNAM, Jeffrey. A revolução das redes sociais? O Globo, 21/02/2011. Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: Acesso em: 03 ago 2011.
MATIAS, Eduardo Felipe P. A Humanidade e suas Fronteiras: do Estado Soberano à Sociedade Global. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
 NYE JR., Joseph. O paradoxo do poder americano: por que a única superpotência do mundo não pode prosseguir isolada. São Paulo, SP: Editora UNESP, 2002. 293p.
PEREIRA JÚNIOR, José Romero. O lugar do Estado e do Indivíduo no Capitalismo Informacional Globalizado. 2000. 74f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Departamento de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília. 2000.
SPITZCOVSKY, Jaime. Onda global de mudança atinge mundo árabe. Paz Agora.org. 2011. Disponível em: < http://www.pazagora.org/2011/onda-global-de-mudanca-atinge-mundo-arabe/ > Acesso em: 05 mai 2012.

Viviane Brunelly Araújo Tavares é Bacharela em Relações Internacionais pela Universidade Católica de Brasília – UCB (vba.tavares@gmail.com).



terça-feira, 6 de novembro de 2012

Repórter Brasil 05/11/2012 - Creomar de Souza comenta eleições nos EUA

Análise das Eleições nos EUA de Lucas de Aragão

Tá difícil 

Lucas  de Aragão   
Publicado originalmente no site www.gpsbrasilia.com.br em 06/11/2012

 O candidato Mitt Romney e sua árdua trajetória na possível vitória à presidência dos EUA Nesta terça-feira, 6 de novembro, Barack Obama e Mitt Romney disputam o cargo político mais importante do mundo, o de presidente dos Estados Unidos da América. Em uma das eleições mais acirradas e polarizadas dos últimos tempos, os dois candidatos chegam à reta final virtualmente empatados, de acordo com as últimas pesquisas no país. No entanto, as pesquisas que apontam empate técnico entre o democrata e o republicano – nas quais muitos se baseiam para fazer projeções – levam em consideração apenas o voto popular direto. Como se sabe, nas eleições americanas o voto popular é importante, mas o que decide mesmo a disputa são os votos dos colégios eleitorais. Trocando em miúdos, o sistema funciona do seguinte modo: cada estado tem um número de votos do colégio, baseado no tamanho de sua população e no número de assentos na Câmara dos Deputados. O vencedor do voto popular no estado leva todos os votos do colégio eleitoral, exceto Maine e Nebraska. São 538 votos do colégio, e o vencedor precisa chegar à maioria absoluta: 270 votos. Hoje, Obama tem aproximadamente 243 votos, sendo 185 de estados que, definitivamente, votarão nele, e 58 que, provavelmente, farão o mesmo. Romney tem 206 votos, sendo 180 votos certos e 26 prováveis. Assim, existem 89 votos em disputa, os chamados swing states, estados que, historicamente, decidem as eleições e que podem pender para qualquer um dos lados. Nesse cenário, o atual presidente precisa de 27 votos do colégio para vencer, contra 64 do candidato republicano. Os sete estados mais indecisos e que provavelmente decidirão o confronto são Flórida (29 votos), Ohio (18), Colorado (9), Virgínia (13), Iowa (6), Wisconsin (10) e New Hampshire (4). Mesmo que Obama perca na Flórida, em Ohio e na Virgínia, os três maiores entre os swing states, e vença nos demais, será reeleito com 272 votos do colégio eleitoral. Um caminho difícil, porém possível, para Romney seria vencer em Ohio, Flórida, Iowa e Nevada, estados onde o desemprego continua alto e que poderiam votar contra o atual presidente. Nevada, apesar de apontar um empate técnico entre os dois candidatos, tem Obama como favorito, devido à forte concentração hispânica e a tradição de votos antecipados, que dão ao democrata uma vantagem. Outro cenário vencedor para o candidato republicano seria uma arrancada na Costa Leste, com vitórias na Flórida, na Virgínia, em Ohio e em New Hampshire. Na Virgínia, estado com 13 votos, Obama aposta nos eleitores com alta escolaridade e renda, segmento que dá bastante apoio ao atual presidente. Um cenário pouco provável, mas possível e extremamente curioso, seria o de empate entre os dois candidatos, cada um com 269 votos eleitorais. Nesse caso, o presidente dos Estados Unidos da América seria escolhido pela Câmara dos Deputados, onde o Partido Republicano tem a maioria. São vários os cenários e as projeções, mas o caminho da vitória é consideravelmente mais curto para Obama do que para Romney. O candidato republicano aposta na conquista dos eleitores indecisos com a sua nova imagem, mais centrista e moderada, diferente do conservadorismo às vezes radical exibido nas primárias. Obama aposta na fidelidade e no comparecimento massivo às urnas de seus principais seguidores. 

 Lucas de Aragão é cientista político, mestrando em Ciência Política na Fordham University (Nova York) e analista político na Arko Advice Pesquisas

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.

CREDN se reúne com a Academia para debater o Seminário sobre Política Externa A presidenta da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) da Câmara dos Deputados, deputada Perpétua Almeida (PCdoB/AC), reuniu-se nesta manhã (13/09) com reitores e representantes de universidades de Brasília para abordar a participação dos acadêmicos no Seminário ‘Política Externa Brasileira: Desafios em um Mundo em Transição’, que será realizado pela Câmara dos Deputados em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nos dias 18 e 19 de setembro. A diretora do Ipea, Luciana Acioly, também estava presente na reunião. Na oportunidade, a parlamentar reforçou o interesse do Poder Legislativo na parceria com a Academia, para produzir conhecimento de interesse nacional. “Política Externa é um tema que interessa a todos. A última vez que a CREDN fez algo parecido e com essa proporção, foi há 11 anos, quando o deputado licenciado e atual ministro do Esporte, Aldo Rebelo (PCdoB/SP), presidiu esta Comissão. É fundamental para nós deputados termos os professores e alunos próximos, afinal, o Parlamento precisa caminhar ouvindo as análises das universidades sobre Política Externa”. Os representantes das instituições ressaltaram a necessidade de estreitamento da parceria entre o setor acadêmico e o Poder Legislativo, não apenas em seminários, mas também nas atividades governamentais. “As relações Internacionais são Política Pública e os temas são absolutamente populares. Esse encontro é bom para o Parlamento e para a Universidade para se quebrar dois preconceitos: o de que o Poder Legislativo produz pouco e de que a aplicação do conhecimento das faculdades, não sai da academia”, defendeu o professor Creomar de Souza, da assessoria do curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília (UCB). “Percebo nos estudantes brasilienses um engajamento forte nas atividades extracurriculares. Com certeza, eles utilizarão essa oportunidade para aprofundar ainda mais o momento de produção intelectual que vivem”, ressaltou a pró-reitora da Universidade do Distrito Federal (UDF), Beatriz Maria Eckert-Hoff. Estabeleceu-se que cada universidade ficará encarregada de produzir um relatório sobre um dos seis painéis do Seminário. “Além de colocar a Academia numa posição mais atuante no debate, esses relatores vão levar os assuntos levantados para dentro das universidades e enriquecer a produção de conhecimento”, defendeu a deputada Perpétua Almeida. Na oportunidade, estavam presentes representantes da Universidade Católica de Brasília (UCB), do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), da Universidade Paulista (UNIP) e da UDF-Centro Universitário (UDF). Os acadêmicos afirmaram a intenção de envolver no Seminário estudantes dos cursos de Relações Internacionais, Direito, Ciências Políticas e Economia.

domingo, 26 de agosto de 2012

Artigo de Colaborador.


América Latina: do autoritarismo à transição democrática
Lucicleide Ferreira de Lima

Não há dúvidas que o contexto internacional tem um peso significativo nas decisões e políticas nacionais dos países. Ao se pensar em autoritarismo na América Latina, logo existe uma ligação temporal: o pós-2ª Guerra Mundial e o início da Guerra Fria.
Destarte, a divisão do mundo em campos de influência durante a Guerra Fria fez com que o interesse nacional ficasse consideravelmente em segundo plano, ou seja, devido ao engajamento político socialista soviético e capitalista estadunidense os países de todo o mundo deveriam tomar um partido em algum sentido.
Devido à proximidade geográfica os Estados Unidos promoveu políticas que interviessem nas decisões de vários países da América Latina. Assim, a perseguição ao pensamento socialista na América Latina foi o ponto central em política internacional no contexto da Guerra Fria.
Por outro lado, surge um bloco de países que, inseridos na lógica do mundo bipolarizado, que buscaram destacar o interesse nacional sobre a conjuntura internacional: o Terceiro Mundo. De forma pragmática os países de Terceiro Mundo não se consideravam de Primeiro Mundo – capitalistas no sentido estrito do desenvolvimento –, e nem de Segundo Mundo – com a orientação socialista que promovia a industrialização. Esse conceito foi apropriado pelos países africanos e asiáticos com vistas ao não alinhamento bipolar com intenção de alcançarem suas independências em relação ao sistema colonial que os europeus lá instauravam.
Pode-se dizer que a América Latina não se tinha mais essa relação de busca por independências, mas de uma busca pelo interesse nacional, apesar da enorme influência política que os Estados Unidos implantavam.  Esse controle estadunidense fez surgir uma série de governos autoritários de direita – com intuitos de perseguir a ideologia socialista/comunista na América Latina, como na Argentina, Bolívia, Chile, Peru, Uruguai e no Brasil.
Para entender a transição desses governos autoritários para governos democráticos são necessários estudos abordando o período militar na América Latina no qual envolvem a metodologia sistêmica, ou seja, entende-se que o contexto da Guerra Fria criou um contexto no qual a independência da soberania estatal ficou comprometida, com fortes influencias das políticas estadunidenses.
No período que se vivia, o contexto, havia-se grande temor da instauração de governos socialistas, representados pelas desobediências civis, organizações sindicais e movimentos populares. Dessa forma, a solução foi a instauração sistemática de ditaduras militares que evitariam a insurreição de comunistas ao poder.
No caso da Argentina, a partir de 1955 se inicia a instauração do militares no poder, que derruba o governo peronista, que foi caracterizado como um regime ditatorial, e buscava-se a defesa da democracia e da liberdade. (CAVAROZZI, 1988, pp. 37-50)
Classifica-se que as intervenções militares na política argentina são entre 1955 a 1966 e a instauração da ditadura militar se inicia em 1966 até 1975, com seu colapso somente em 1983. Na primeira fase houve a alternância de governos militares e governos constitucionais até a intervenção militar em toda política argentina a partir de 1966. A ditadura militar estrita se instaura com o golpe militar do General Onganía em julho de 1966, com busca pelo restabelecimento da democracia com governos eleitos.  A abertura política, na Argentina, surge a partir de 1976, através dos liberais, como uma posição partidária contrária ao peronismo. Enfatizava-se um Estado forte, criticando o Estado democrático populista-desenvolvimentista, que era tido como fraco, ganhando grande apoio dos militares. (Idem: pp. 55-70)
A redemocratização na política argentina se deu 1983 com a introdução da diversificação partidária, com alternativas eleitorais, que reforçou a probabilidade da democracia da Argentina. Houve uma multiplicação de partidos na Argentina, porém com dois centrais contrastando entre si, numa ‘direita’ e ‘esquerda’ tradicional. Porém, isso fortaleceu a transição para o processo democrático. (Ibidem, pp. 72-73)
Na Bolívia o golpe militar se instaurou em 17 de julho de 1980, após tentativas de esforços de se instaurar a democracia. Porém, desde 1964 havia um domínio autoritário na política boliviana, tendo como principal representante o militarismo. (WHITEHEAD, 1988, pp. 76-83)
Uma característica importante do autoritarismo militar na Bolívia foi a importação de modelos ideológicos militares da América Latina:
O governo estritamente militar na Bolívia teve uma breve duração, de 1980 a 1982, que foi caracterizada pelo aumento da criminalidade, exportação ilegal de narcóticos, marcando a identidade boliviana no campo internacional. Porém o processo democrático que se instaurou a partir de 1982 foi bastante confusa e desordenada. A principal característica da redemocratização boliviana foi a instauração de partidos civis que trabalharam conjuntamente. (Ibidem, pp. 105-106)
No caso do Chile, o golpe militar foi instaurado em 1973, com grande apoio dos Estados Unidos, com a deposição de Salvador Allende. No início do governo militar chileno, não se tinha um projeto ou orientação pelos militares, porém a partir de 1975 se tomou uma direção precisa: tarefas estabilizadoras com um núcleo hegemônico na condução do Estado. (GARRETÓN, 1988, pp. 140-148)
A ditadura militar chilena foi caracterizada pelo não assistencialismo do Estado em relação aos serviços sociais, com a aplicação de um liberalismo com a supremacia dos grupos privados. E, principalmente, a perseguição e exclusão de setores ideológicos ‘perigosos’ com utilização da capacidade repressiva do Estado. (Idem: p. 160)
A transição para a democracia, no Chile, teve um predicado distinto: a forte pressão popular de forma organizada. A utilização de plebiscitos foi a principal modelo democrático a partir da década de 1980. Em 1985 é que se findou a ditadura, marcadamente pela participação das organizações sociais. (Ibidem, p. 183-185)
O golpe militar no Peru se deu em 1968, mas em 1962 já vinha se integrandos militares na vida pública peruana, devido a desarticulação dos políticos civis. Em 1962 houve uma tentativa de golpe militar, que foi desarticulada no ano seguinte. Porém, em 1968 os militares instauraram uma ditadura que durou até 1980. (COTLER, 1988, pp. 222-223)
O governo militar peruano pós 1968 utilizou de monopólio militar na atividade estatal, bem como de um voluntarismo político que acompanhava uma política econômica populista. Entretanto, causou uma crise econômica significativa no Peru. (Idem, p. 233)
Um forte movimento popular influenciou para o fim da ditadura militar, convocando eleições de uma Assembleia Constituinte para 1978. Todavia, somente em 1980 que se instaurou o governo de Balaúnde, pois este tinha grande preferência popular devido ao seu pluralismo e defesa da democracia. (Ibidem, pp. 248-261)
No Uruguai aconteceu o primeiro golpe militar de sua história em 1973, na substituição de políticos civis por militares de alta patente. Convencidos de que poderiam promover o desenvolvimento econômico do Uruguai, especialmente combater as ideologias subversivas, os militares instauraram uma ditadura que duraria 11 anos. (GILLESPIE, 1988, pp. 265-269)
O que marca a volta à democracia uruguaia foram os plebiscitos no início da década de 1980. Os militares tinham em mente um compromisso de devolver o poder aos civis, mas devido a desorganização do processo eleitoral as eleições somente se realizaram em 1984. (Idem: pp. 277-291)
A ditadura militar no Brasil teve seu início em 1964, quando os militares tiraram do poder o então presidente João Goulart, de orientações ‘esquerdistas’. Inicialmente, os ‘militares da Sorbonne’ almejavam realizar o golpe de Estado para organizar a estrutura política e posteriormente devolver o poder político aos civis. Estes ficaram conhecidos como os ‘linhas-brandas’.
Esse argumento se reforça quando Castello Branco – considerado linha-branda – outorgou a Constituição de 1967. Seu governo dura de 1964 a 1967 sendo prosseguido por um militar linha-dura, Artur da Costa e Silva. Existe uma vertente historiográfica que acredita que durante os governos militares houve um ‘golpe militar’, quando Costa e Silva, através do Ato Institucional 5, acaba por negar a Constituição de 1967.
Assim, dá o início para o governo linha-dura que vai de Costa e Silva (1967-1969) prosseguido pelo governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Esse momento de 1967 a 1973 ficou conhecido como os ‘anos de chumbo’ da Era Militar no Brasil.
A distensão – ou abertura política – se inicia no governo de Ernesto Geisel (1974-1979), apesar de o governo seguinte de João Batista Figueiredo (1979-1984) tinha grande apoio dos linha-dura do exército.
Com políticas contra a distensão política, há grandes convulsões populares, especialmente com as greves trabalhistas, movimentos sindicais. Tancredo Neves foi o militar escolhido para assumir o governo em 1985, entretanto por motivos de saúde – seguido de morte – não assumiu a presidência, sendo seu vice-presidente José Sarney, um civil.
Assim, se finda a ditadura militar no Brasil, havendo grande reforma no campo político, se instituindo, em 1988 uma nova Constituição Federal brasileira e iniciando uma era democrática que perdura até nossos dias.
Ao analisar o período ditatorial em toda América Latina, pode-se entendê-lo como um sistema ditatorial que se inicia ao longo da década de 1960 e que se desenvolve em grande parte ao longo da década de 1970. E a década de 1980 ficou marcada pelo início do período de redemocratização desses regimes políticos, bem característico do fim da Guerra Fria.
A perspectiva sistêmica é adotada para a melhor racionalização e interpretação dessas longas décadas em que houve um surto de instauração de governos militares apoiados pela superpotência ocidental – para evitar e perseguir qualquer vertente do pensamento marxista ao longo de seu campo de influência.
A América Latina ficou como um exemplo das políticas anti-ideológicas dos Estados Unidos, que também utilizou dessa política em seu próprio território nacional com o presidente Joseph McCarthy (1950-1956) que perseguiu cientistas, literários e artistas com inclinações esquerdistas, política conhecida como macarthismo.

Bibliografia

CAVAROZZI, Marcelo. ‘Ciclos políticos na Argentina a partir de 1955’. In: O’DONNELL, Schmitter & WHITEHEAD, Laurence (Orgs). Transições do regime autoritário: América Latina. – São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988, pp. 37-75.
WHITEHEAD, Laurence. ‘A democratização fracassada da Bolívia: 1977-1980’. In: O’DONNELL, Schmitter & WHITEHEAD, Laurence (Orgs). Transições do regime autoritário: América Latina. – São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988, pp. 76-107.
GARRETÓN, Manuel Antonio. ‘Evolução política do regime militar chileno e problemas da transição para a democracia’. In: O’DONNELL, Schmitter & WHITEHEAD, Laurence (Orgs). Transições do regime autoritário: América Latina. – São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988, pp. 140-185.
COTLER, Julio. ‘Intervenções militares e ‘transferência do poder aos civis’ no Peru’. In: O’DONNELL, Schmitter & WHITEHEAD, Laurence (Orgs). Transições do regime autoritário: América Latina. – São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988, pp. 222-264.
GILLESPIE, Charles G. ‘A transição do regime militar-tecnocrático colegiado no Uruguai’. In: O’DONNELL, Schmitter & WHITEHEAD, Laurence (Orgs). Transições do regime autoritário: América Latina. – São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988, pp. 265-298.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Texto de Colaborador.


Mensalão não é novidade e nem o Supremo uma casa de espetáculos
Por: Francisco Lima Júnior.

                        Após alguns contatos que fiz em diversos municípios do país em busca de novidades políticas, ouvi de quase todos os interlocutores quando indaguei sobre a repercussão do julgamento do mensalão naquelas cidades, praticamente a mesma resposta: “ah, meu amigo, aqui estamos mais preocupados é com a eleição de prefeito que está começando a pegar fogo. Mensalão está enchendo o saco na TV, parece até época de natal         ou de carnaval, quando tudo que se divulga tem a ver com a data”.
                        Eu já desconfiara disso aqui no DF, onde não temos eleições este ano, pois já ouvi mais ou menos a mesma resposta a quem indaguei sobre o mensalão.
                        Aí surgem as indagações: o cidadão não está interessado tanto assim com esse julgamento? Será que ele não entende a dimensão desses desvios, das acusações, dos delitos, etc? Claro que entende. Acontece que ao contrário do que muitos afirmam sem o menor fundamento, o eleitor não é bobo. Sabe o que realmente lhe interessa e o que de fato é novidade ou não. 
                     Confesso que resolvi escrever este texto para externar a indignação, minha e de milhares de brasileiros, com a tentativa de parte expressiva da nossa “grande imprensa” em transformar o julgamento do chamado mensalão em um grande espetáculo midiático e o STF em palco para esses shows. Para não dizer desonesto, beira à hipocrisia tal insistência. Prova disso são as consultas que fiz e citei acima. Quem duvidar desse resultado que faça o mesmo com os colegas à sua volta.
                        Ao contrário disso, esses setores da imprensa prestariam um enorme serviço ao país, por inúmeras razões, se apresentassem o mensalão e o julgamento do mesmo como de fato ele é, e de maneira contextualizada.
                        A configuração da nossa cara e jovem democracia não permite outro tipo de governabilidade, senão a de coalizão. Expressão cunhada pelo brilhante cientista político Sérgio Abranches, em seu “O Presidencialismo de Coalizão”, publicado em Veja Online, de 29/novembro de 2000, na seção Em Foco. Lá, Abranches sentencia: “A relação entre o Legislativo e o Executivo tem sido um elemento crítico na democracia brasileira. Somem-se uma agenda de país emergente, uma presidência com amplos poderes, mas que depende de uma aliança entre partidos rivais para governar. Incorporem-se ainda uma federação e a interferência dos governadores na relação entre o presidente e o Parlamento. Tem-se um arranjo complexo, que dificulta decisões rápidas e pode afetar a estabilidade política. É difícil imaginar que um presidente se eleja e seu partido faça a maioria no Congresso. Para enfrentar sua agenda de problemas, todo presidente tem de governar com uma coalizão multipartidária. É o presidencialismo de coalizão”.
                   Mais grave ainda é verificarmos que essa realidade se reproduz na quase totalidade dos municípios e estados do Brasil. Ou você acredita que um prefeito ou governador consegue maioria nas Casas Legislativas de suas esferas de poder, apenas pela vontade dos vereadores e deputados estaduais/distritais em servir à sua comunidade? Infelizmente ainda não chegamos a tais níveis de conscientização. Faça-se justiça: tanto por parte do eleitor, quanto de quem ele elege.
                        Quem não lembra das denúncias da esposa do falecido prefeito de São Paulo, Celso Pitta, de que ele mantinha uma bancada na Câmara Municipal da maior cidade do país, às custas de mesadas que, ainda segundo ela, chegavam até a 120 mil reais? Quem não se recorda do mensalinho do então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti? Ou do mais recente, o mensalão do DEM no Distrito Federal? Citei apenas esses exemplos de mensalões para fazer, mesmo que superficialmente, as contextualizações que reclamo da imprensa.
                        Alguns veículos exploram de maneira bastante interessante o julgamento. A competente jornalista do Correio Braziliense, Josie Gerônimo assina matéria de domingo, 5/08, onde revela, por exemplo, os custos desse julgamento para os réus. Despesas com passagens, diárias, e honorários do batalhão de advogados mobilizados superam a casa dos 30 milhões de reais. Interessante notar, ainda segundo a matéria, que este valor é maior que o valor apurado nos desvios do chamado mensalão. Algum outro jornalista poderia explorar, também, o fato de quanto desse dinheiro ficará em Brasília, via restaurantes, taxis, hotéis, etc. Isso sim é assunto novo e relevante.
                        Não estou aqui minimizando os desvios de conduta que alimentam a ciranda dos mensalões Brasil afora. São todos graves, claro. Mas, sim, defendendo que se diga também que isso, lamentavelmente, faz parte da nossa cultura política, que tem melhorado sim, e, mais importante, que esta será a maior contribuição que o STF poderá dar ao final do julgamento. Quem observa com o mínimo interesse e sensatez tem a consciência que dali o menos provável é que saia alguém preso. Mas que penas pesadas, inclusive financeiras, serão aplicadas. Este é o efeito pedagógico que se espera de todo julgamento. Efeito condutor das transformações de uma sociedade.
                        Repito. Independente do peso da pena, esta servirá acima de tudo para ajudar a mudar a consciência de nosso povo. Povo que elegeu os mensaleiros e que somente com lições como essas, contextualizadas e sem as luzes desse show midiático, poderá verdadeiramente entender o nosso país e a complexa arena política da qual ele faz parte.
                        Como bem lembrou o presidente do STF, ministro Carlos Ayres de Britto, em recentes declarações à imprensa, o julgamento do Mensalão é um julgamento como outro qualquer para aquela Corte. E é mesmo. E assim deveria ser “vendido” por toda a imprensa. Afinal, como sabemos o mensalão não é propriamente uma novidade e nem o STF uma casa de espetáculos.
                         
Francisco Lima.Jr., 45, jornalista pós-graduado em Ciências Políticas pela UnB. Professor de Jornalismo Especializado II: Política e Economia(graduação) e de Lobby e Relações Parlamentares(pós graduação) nas Faculdades Icesp, em Brasília-DF.fpaulalj@gmail.com

domingo, 15 de julho de 2012

Artigo de Leonardo Barreto Cientista Político.

Demóstenes Torres: um personagem atrás do seu tempo


Leonardo Barreto, cientista político
Artigo publicado na edição de hoje do jornal O Popular, de Goiânia

Em um episódio como a cassação de Demóstenes Torres, o desfecho é sempre o resultado da interação mantida entre o personagem e a trama que o envolve. A respeito do senador, chama atenção o seu senso de inconsequência. É provável que a História registre Demóstenes, como “o breve”. Mas também pode adjetivá-lo como o “inconsequente”, fazendo referência à sua crônica capacidade de fazer escolhas erradas e de não entender o terreno no qual estava pisando. 

Assusta a quantidade de comportamentos imprudentes associados a Demóstenes: sendo promotor e secretário de justiça, não podia manter amizade com um notório criminoso. Mas decidindo ser fiel aos laços fraternos mantidos com Cachoeira, não podia seguir vida pública. Mas tornando-se senador, não devia discutir questões do seu mandato com o amigo bicheiro. E abrindo o mandato aos pitacos do contraventor, não era prudente tornar-se o Don Quixote da ética. Tendo tantos esqueletos no armário, menos cuidadoso foi pautar sua carreira no ataque ético de figuras do peso do Senado como Renan Calheiros, por exemplo.

Sendo descoberto, não deveria irritar seus colegas recusando-se a falar em depoimento da CPI, gabando-se das suas amizades privilegiadas e pedindo ao STF que interferisse no andamento dos processos internos do Senado. Por fim, sendo réu, não deveria ter confrontado abertamente o relator do seu processo, despertando a ira do seu julgador, ao invés do seu senso de clemência.

Tantos passos errados construíram uma trajetória torta e frágil. 

Mesmo assim, ela ruiu de forma inesperadamente rápida para os padrões do Senado. Por quê? Aí entra a trama. 

Somadas, todas essas razões não bastam para explicar o desfecho do caso Demóstenes. Seu pecado capital foi outro. Logo no início do escândalo, ao discursar em plenário para dizer possuir ligação superficial com Cachoeira, o senador permitiu que mais de quatro dezenas de colegas lhe prestassem solidariedade publicamente por meio de apartes à sua fala. Esse foi seu pecado original.

Ao deixar que os senadores empenhassem suas reputações na sua defesa, Demóstenes expôs seus pares ao ridículo. Velozmente, na medida em que suas ligações com Cachoeira eram reveladas, seus apoiadores daquela noite também eram cobrados, arcando com grande prejuízo de imagem. Ao final, só restou-lhes uma maneira de “lavar a honra”. Precisavam prestar contas aos seus eleitores e rifar Demóstenes foi a melhor forma de fazer isso.

É interessante que, ao final, em seu discurso de defesa, tudo que Demóstenes pedia era o direito sagrado ao corporativismo. Recebeu um não solene e impassível. 

Olhando novamente para História, há outro aspecto importante. A democracia tornou a competição política cada vez mais aguda. Aqueles que persistirem nas velhas práticas e esquemas de proteção serão expelidos em uma velocidade cada vez maior. Os adversários estão cada vez mais atentos e os embates mais virulentos. E, curiosamente, eles podem ser benéficos para as boas práticas políticas, dado que os erros serão cada vez menos tolerados. 

As regras do jogo mudaram. Ícones da política tradicional estão impedidos de concorrer pela legislação, ministros do STF cobrados publicamente pelos seus colegas, governadores presos no exercício dos seus mandatos e até veículos de imprensa patrocinando investigações uns sobre os outros, quebrando seu velho corporativismo tácito.

Há um novo mundo lá fora para os políticos, autoridades, magistrados e órgãos de governo. Mais competitivo, transparente e intolerante. Não há lugar para ingênuos nem para inconsequentes. O acesso ao mundo político é cada vez mais difícil e a sua permanência muito mais incerta. Que a imagem final de Demóstenes lembre a todos disso: na saída do julgamento político, restou apenas o seu fantasma deixando o plenário: equivocado, apagado e sozinho.