quinta-feira, 28 de julho de 2011

Estadão - Coluna de Raquel Landim

É hora de se acostumar a exportar sem o SGP

26 de julho de 2011 | 14h39

Raquel Landim

É hora dos exportadores brasileiros se acostumarem a sobreviver sem o Sistema Geral de Preferências (SGP) dos países ricos. A tarefa não vai ser fácil, mas a exclusão do Brasil desses programas de benefícios é só uma questão de tempo.

O SGP surgiu em 1947 e foi adotado por países desenvolvidos, como Estados Unidos, União Europeia, Japão ou Suíça. Pelo sistema, os países pobres podem exportar alguns produtos para esses mercados sem pagar tarifas de importação. Todos os parâmetros sao decididos pelas nações que oferecem o SGP: listas de produtos e de países, período de vigência, tamanho da queda das tarifas.

Trata-se de um sistema de benefícios unilateral, que pode ser revogado a qualquer momento. Não é de hoje que Estados Unidos e União Europeia ameaçam retirar o Brasil de seus SGPs, argumentam que o País não pode mais ser considerado uma nação em desenvolvimento. A pressão só fez aumentar com a crise global, que reduz a necessidade dos países ricos por importações.

Os SGP são frequentemente utilizados como instrumento de barganha. Os americanos já ameaçaram excluir o Brasil pelo mais diferentes motivos, como sua batalha pelo fim dos subsídios agrícolas na Organização Mundial de Comércio (OMC) ou até pelo o caso do garoto Sean Goldman, cuja guarda era disputada pelo pai americano e pela família da mãe brasileira, já falecida. Os europeus também usam o SGP para forçar o Brasil a aceitar um acordo de livre comércio Mercosul – UE.

Nos Estados Unidos, o SGP expirou no final do ano e até agora não foi renovado, porque a agenda legislativa em Washington está totalmente tomada por debates mais importantes, como a elevação do teto da dívida do país. Levantamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Coalizão da Indústria Brasileira em Washington mostram que os exportadores brasileiros estão perdendo negócios, com quedas nas exportações neste primeiro semestre que variam entre 18% e 97% dependendo do setor.

Lobistas brasileiros que acompanham o assunto dizem que já existe um pré-acordo entre Democratas e Republicanos para renovar o SGP – sem excluir o Brasil – até 2013. O assunto está em análise na Casa Branca e pode voltar ao Congresso a qualquer momento, mas ainda há receio que o SGP seja atrelado a temas mais complicados, como o tratado de livre comércio EUA-Colômbia ou o acordo que prevê concessões para as empresas americanas em casos de abertura comercial.

Se o melhor cenário prevalecer, os benefícios vão valer por mais um ano e meio. E depois? “Todo ano é essa mesma ladainha para renovar o SGP”, disse ao blog Mário Branco, gerente de comércio exterior da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). É mesmo. Só que a pressão se torna cada vez mais forte. A Europa anunciou oficialmente que vai excluir o Brasil do SGP no final do ano. Para os Estados Unidos seguirem o mesmo caminho, é só uma questão de tempo.

O SGP americano já foi muito mais importante para as exportações brasileiras. Em 1997, 25% do que vendíamos para os EUA utilizava os benefícios do programa. No ano passado, esse porcentual caiu para 9%. Os empresários argumentam que com o atual patamar do câmbio qualquer benefício é importante para a competividade do produto brasileiro. Pode até ser. Mas está longe de ser o ideal.

O Brasil precisa resolver seus problemas estruturais, como a alta carga tributária e a infraestrutura logística precária, ao invés de depender da boa-vontade dos outros para exportar.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Estadão - Artigo de Larry Flint

O povo versus Murdoch

Magnata australiano ignorou o direito à privacidade e colocou os que desfrutam da liberdade de expressão em grave risco

Larry Flynt, The Washington Post - O Estado de S.Paulo

Um dos poucos valores que Rupert Murdoch e eu compartilhamos é a importância de uma imprensa livre. Concordamos que este é um direito irrefutável, especialmente num período em que poucas liberdades genuínas ainda existem nos EUA. Reconhecemos que, se a mídia perder seu direito de livre expressão, perderemos tudo. E, talvez mais importante, sabemos que nesse esforço para proteger essa liberdade, os limites têm de ser ampliados.

Mas divergimos quanto à maneira como ampliamos esses limites. Eu o faço publicando matérias controvertidas e pagando a pessoas que estão dispostas a ir mais longe e expor a hipocrisia política. Os subordinados de Murdoch ultrapassaram os limites, com ações antiéticas e criminosas: grampos de telefones, subornos, um comportamento criminoso coercivo, traindo a confiança dos leitores. Se os delitos atribuídos à News Corporation são verdadeiros, a empresa de Murdoch está disposta não só a ultrapassar os limites, mas acabar com eles.

Não podemos desfrutar da liberdade e dos benefícios de uma imprensa livre ignorando a privacidade dos indivíduos. Como dirigentes de conglomerados jornalísticos, temos a responsabilidade de manter e respeitar este limite. Embora Murdoch compreenda o significado do que fazemos usando como pretexto a livre expressão, ele pode não ter entendido a responsabilidade que uma publicação deve ter.

As empresas de Murdoch divulgam sistematicamente reportagens sobre pessoas que não deram permissão para ter suas vidas expostas na mídia - e esta é só a ponta do iceberg. Os funcionários da News Corporation teriam contratado criminosos conhecidos para obter informações particulares sobre o ex-premiê britânico Gordon Brown, quando seu filho foi diagnosticado com fibrose cística. Também teriam contratado investigadores que grampearam telefones de vítimas dos atentados do 11 de Setembro nos EUA e de 2005 em Londres.

Portanto, é justo que Murdoch tenha sido obrigado a fechar o tabloide News of the World e a abandonar sua proposta de compra da rede de TV por satélite British Sky Broadcasting.

Independentemente do quão ofensiva ou escabrosa as pessoas possam considerar a revista Hustler, e outras publicações sob minha responsabilidade, o fato é que ninguém aparece nas suas páginas sem ser consultado e ter concordado com isso. Sim, pago para quem queira denunciar políticos hipócritas - e um desses casos, em 1998, resultou na renúncia de Bob Livingston, parlamentar republicano da Louisiana que votou a favor do impeachment do presidente Bill Clinton, apesar dos próprios casos extraconjugais. Meu foco não são pessoas inocentes, mas aquelas que praticam o oposto do que pregam em público.

Quase que diariamente, e de maneiras que o público no geral não consegue reconhecer, nosso direito à privacidade vem desaparecendo.

Nossos líderes políticos permitem que empresas como Google e Facebook violem continuamente esse direito. Ambas servem como minas de dados, vendendo informação sobre seus usuários. O Facebook, usando o artifício das configurações para resguardar a privacidade individual, simplesmente acabou com ela. O governo necessita voltar às suas raízes: proteger a intimidade dos seus cidadãos, ao mesmo tempo encorajando as liberdades individuais.

Limite. A liberdade de imprensa e o direito à privacidade não devem ser beligerantes. As pessoas conferiram aos membros da mídia o dever e a responsabilidade de prestar informação. Como editores, precisamos saber qual é o limite, ampliá-lo, mas jamais ultrapassá-lo.

Se as alegações forem verdadeiras, Murdoch não só ultrapassou esse limite - ele o deletou. E ao fazer isso, colocou todos nós que desfrutamos da liberdade de expressão em grave risco. Somente quando os leitores acreditarem que o material publicado foi obtido honestamente é que uma imprensa livre poderá continuar sendo a força propulsora na preservação da nossa democracia. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

É PROPRIETÁRIO DA LARRY FLYNT PUBLICATIONS

sábado, 16 de julho de 2011

Estadão - Artigo de Paul Krugman

Enlouquecendo de vez

Obama ofereceu, para ampliar o limite do endividamento na negociação no Congresso, termos que estão muito à direita daquilo que prefere o eleitor americano médio

Paul Krugman, The New York Times - O Estado de S.Paulo
Não há muitos aspectos positivos na crescente possibilidade de uma moratória na dívida americana. Mas sou obrigado a reconhecer que há um elemento de alívio cômico - no sentido do humor negro - no espetáculo proporcionado pelas pessoas que insistiram na negação e agora despertam para se deparar com tanta loucura.

Alguns comentaristas parecem chocados diante da posição extremamente irracional dos republicanos. "Será que o Partido Republicano enlouqueceu de vez?", perguntam eles.

Ora, é isso mesmo: os republicanos enlouqueceram. Mas não estamos falando de algo que ocorreu subitamente e sim no resultado de um processo que se desenvolve há décadas. Qualquer um que se veja surpreendido pelo extremismo e pela irresponsabilidade demonstrados agora não deve ter prestado atenção nos últimos anos, ou então preferiu ignorar deliberadamente essa tendência.

E sou obrigado a fazer o seguinte comentário àqueles que subitamente começam a se preocupar com a saúde mental de um dos dois grandes partidos americanos: pessoas como vocês são parcialmente responsáveis pelo estado atual desse partido.

Vamos dar uma olhada naquilo que os republicanos estão rejeitando.

O presidente Barack Obama deixou absolutamente clara sua disposição em assinar um acordo para a redução do déficit que consista, principalmente, em cortes nos gastos, incluindo cortes draconianos para alguns dos programas sociais mais importantes, chegando até a um aumento na idade mínima para usufruir do Medicare. Trata-se de concessões extraordinárias. Como destaca Nate Silver, do New York Times, o presidente ofereceu termos que estão muito à direita daquilo que prefere o eleitor americano médio - na verdade, poderíamos dizer que a posição do presidente parece estar um pouco à direita até mesmo das preferências do eleitor republicano médio! Ainda assim, os republicanos estão rejeitando a proposta. Na verdade, estão ameaçando obrigar os EUA a declarar moratória, criando uma crise econômica, a não ser que lhes seja oferecido um acordo que os beneficie unilateralmente. E esta situação era completamente previsível.

Em primeiro lugar, o Partido Republicano moderno rejeita fundamentalmente a legitimidade de uma presidência democrata - de todas as presidências democratas. Como resultado, os republicanos se opõem automaticamente a tudo aquilo que o presidente deseje, mesmo que o partido tenha apoiado propostas semelhantes no passado. Os planos de Mitt Romney para o atendimento de saúde se tornaram um tirânico ataque contra a liberdade dos EUA quando foram implementados pelo homem na Casa Branca. E a mesma lógica se aplica aos acordos propostos para a questão da dívida.

Coloquemos a questão nos seguintes termos: se um presidente republicano tivesse obtido o tipo de concessão em relação ao Medicare e à Previdência Social que Obama está oferecendo, estaríamos falando num triunfo conservador.

Mas quando as mesmas concessões vêm atreladas a ganhos mínimos na arrecadação e, principalmente, quando são feitas por um presidente democrata, as propostas se tornam planos inaceitáveis para exaurir o vigor da economia americana por meio da cobrança de impostos.

Além disso, o vodu econômico parece ter enfeitiçado o Partido Republicano.

O vodu da oferta - segundo o qual os cortes nos impostos pagam o próprio custo e/ou todo aumento nos impostos leva ao colapso econômico - tem sido uma força poderosa dentro do Partido Republicano desde que Ronald Reagan adotou o conceito da curva de Laffer. Mas esse vodu costumava ser mais contido. O próprio Reagan aprovou significativos aumentos nos impostos, compensando consideravelmente os cortes iniciais.

E até o governo do ex-presidente George W. Bush evitou fazer afirmações extravagantes a respeito da magia do corte dos impostos, parcialmente por causa do medo de que fazer tais afirmações levaria a um questionamento da seriedade daquele governo.

Mas, recentemente, toda a contenção desapareceu - na verdade, a moderação foi expulsa do partido. No ano passado, o líder da minoria no Senado, Mitch McConnell, afirmou que os cortes nos impostos aprovados por Bush na verdade aumentavam a arrecadação fiscal - afirmação que contradizia completamente os fatos comprovados - e declarou também que esta era "a opinião de praticamente todos os republicanos em relação a esse tema". É verdade: até Romney, amplamente considerado o mais razoável dos postulantes à candidatura presidencial nas eleições de 2012, defendeu a opinião de que os cortes nos impostos podem de fato reduzir o déficit.

O que nos leva à responsabilidade que cabe àqueles que só agora encaram de frente a loucura do Partido Republicano.

A questão é: os membros do Partido Republicano que tinham dúvidas em relação ao fanatismo pelo corte dos impostos poderiam ter se expressado com mais veemência se deixassem claro que tal fanatismo teria um preço, e se aqueles de fora do partido estivessem mais dispostos a condenar publicamente os políticos que defendiam posições irresponsáveis.

Mas esse preço nunca foi cobrado. Bush desperdiçou o superávit dos últimos anos do governo Clinton, mas renomados especialistas insistem que os dois partidos são igualmente culpados pelo nosso problema de endividamento. O republicano Paul Ryan, presidente da Comissão Orçamentária da Câmara, propôs um suposto plano de redução do endividamento que incluía imensos cortes nos impostos para as empresas e a parcela mais rica da população, e então foi premiado como defensor da responsabilidade fiscal.

Assim, não houve nenhum tipo de pressão sobre o Partido Republicano para que seus membros agissem de maneira responsável, ou mesmo racional - e, como seria de se esperar, o partido enlouqueceu de vez. Aqueles que agora se surpreendem com isso são parcialmente responsáveis pelo problema. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL