terça-feira, 19 de julho de 2011

Estadão - Artigo de Larry Flint

O povo versus Murdoch

Magnata australiano ignorou o direito à privacidade e colocou os que desfrutam da liberdade de expressão em grave risco

Larry Flynt, The Washington Post - O Estado de S.Paulo

Um dos poucos valores que Rupert Murdoch e eu compartilhamos é a importância de uma imprensa livre. Concordamos que este é um direito irrefutável, especialmente num período em que poucas liberdades genuínas ainda existem nos EUA. Reconhecemos que, se a mídia perder seu direito de livre expressão, perderemos tudo. E, talvez mais importante, sabemos que nesse esforço para proteger essa liberdade, os limites têm de ser ampliados.

Mas divergimos quanto à maneira como ampliamos esses limites. Eu o faço publicando matérias controvertidas e pagando a pessoas que estão dispostas a ir mais longe e expor a hipocrisia política. Os subordinados de Murdoch ultrapassaram os limites, com ações antiéticas e criminosas: grampos de telefones, subornos, um comportamento criminoso coercivo, traindo a confiança dos leitores. Se os delitos atribuídos à News Corporation são verdadeiros, a empresa de Murdoch está disposta não só a ultrapassar os limites, mas acabar com eles.

Não podemos desfrutar da liberdade e dos benefícios de uma imprensa livre ignorando a privacidade dos indivíduos. Como dirigentes de conglomerados jornalísticos, temos a responsabilidade de manter e respeitar este limite. Embora Murdoch compreenda o significado do que fazemos usando como pretexto a livre expressão, ele pode não ter entendido a responsabilidade que uma publicação deve ter.

As empresas de Murdoch divulgam sistematicamente reportagens sobre pessoas que não deram permissão para ter suas vidas expostas na mídia - e esta é só a ponta do iceberg. Os funcionários da News Corporation teriam contratado criminosos conhecidos para obter informações particulares sobre o ex-premiê britânico Gordon Brown, quando seu filho foi diagnosticado com fibrose cística. Também teriam contratado investigadores que grampearam telefones de vítimas dos atentados do 11 de Setembro nos EUA e de 2005 em Londres.

Portanto, é justo que Murdoch tenha sido obrigado a fechar o tabloide News of the World e a abandonar sua proposta de compra da rede de TV por satélite British Sky Broadcasting.

Independentemente do quão ofensiva ou escabrosa as pessoas possam considerar a revista Hustler, e outras publicações sob minha responsabilidade, o fato é que ninguém aparece nas suas páginas sem ser consultado e ter concordado com isso. Sim, pago para quem queira denunciar políticos hipócritas - e um desses casos, em 1998, resultou na renúncia de Bob Livingston, parlamentar republicano da Louisiana que votou a favor do impeachment do presidente Bill Clinton, apesar dos próprios casos extraconjugais. Meu foco não são pessoas inocentes, mas aquelas que praticam o oposto do que pregam em público.

Quase que diariamente, e de maneiras que o público no geral não consegue reconhecer, nosso direito à privacidade vem desaparecendo.

Nossos líderes políticos permitem que empresas como Google e Facebook violem continuamente esse direito. Ambas servem como minas de dados, vendendo informação sobre seus usuários. O Facebook, usando o artifício das configurações para resguardar a privacidade individual, simplesmente acabou com ela. O governo necessita voltar às suas raízes: proteger a intimidade dos seus cidadãos, ao mesmo tempo encorajando as liberdades individuais.

Limite. A liberdade de imprensa e o direito à privacidade não devem ser beligerantes. As pessoas conferiram aos membros da mídia o dever e a responsabilidade de prestar informação. Como editores, precisamos saber qual é o limite, ampliá-lo, mas jamais ultrapassá-lo.

Se as alegações forem verdadeiras, Murdoch não só ultrapassou esse limite - ele o deletou. E ao fazer isso, colocou todos nós que desfrutamos da liberdade de expressão em grave risco. Somente quando os leitores acreditarem que o material publicado foi obtido honestamente é que uma imprensa livre poderá continuar sendo a força propulsora na preservação da nossa democracia. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

É PROPRIETÁRIO DA LARRY FLYNT PUBLICATIONS

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