sábado, 16 de julho de 2011

Estadão - Artigo de Paul Krugman

Enlouquecendo de vez

Obama ofereceu, para ampliar o limite do endividamento na negociação no Congresso, termos que estão muito à direita daquilo que prefere o eleitor americano médio

Paul Krugman, The New York Times - O Estado de S.Paulo
Não há muitos aspectos positivos na crescente possibilidade de uma moratória na dívida americana. Mas sou obrigado a reconhecer que há um elemento de alívio cômico - no sentido do humor negro - no espetáculo proporcionado pelas pessoas que insistiram na negação e agora despertam para se deparar com tanta loucura.

Alguns comentaristas parecem chocados diante da posição extremamente irracional dos republicanos. "Será que o Partido Republicano enlouqueceu de vez?", perguntam eles.

Ora, é isso mesmo: os republicanos enlouqueceram. Mas não estamos falando de algo que ocorreu subitamente e sim no resultado de um processo que se desenvolve há décadas. Qualquer um que se veja surpreendido pelo extremismo e pela irresponsabilidade demonstrados agora não deve ter prestado atenção nos últimos anos, ou então preferiu ignorar deliberadamente essa tendência.

E sou obrigado a fazer o seguinte comentário àqueles que subitamente começam a se preocupar com a saúde mental de um dos dois grandes partidos americanos: pessoas como vocês são parcialmente responsáveis pelo estado atual desse partido.

Vamos dar uma olhada naquilo que os republicanos estão rejeitando.

O presidente Barack Obama deixou absolutamente clara sua disposição em assinar um acordo para a redução do déficit que consista, principalmente, em cortes nos gastos, incluindo cortes draconianos para alguns dos programas sociais mais importantes, chegando até a um aumento na idade mínima para usufruir do Medicare. Trata-se de concessões extraordinárias. Como destaca Nate Silver, do New York Times, o presidente ofereceu termos que estão muito à direita daquilo que prefere o eleitor americano médio - na verdade, poderíamos dizer que a posição do presidente parece estar um pouco à direita até mesmo das preferências do eleitor republicano médio! Ainda assim, os republicanos estão rejeitando a proposta. Na verdade, estão ameaçando obrigar os EUA a declarar moratória, criando uma crise econômica, a não ser que lhes seja oferecido um acordo que os beneficie unilateralmente. E esta situação era completamente previsível.

Em primeiro lugar, o Partido Republicano moderno rejeita fundamentalmente a legitimidade de uma presidência democrata - de todas as presidências democratas. Como resultado, os republicanos se opõem automaticamente a tudo aquilo que o presidente deseje, mesmo que o partido tenha apoiado propostas semelhantes no passado. Os planos de Mitt Romney para o atendimento de saúde se tornaram um tirânico ataque contra a liberdade dos EUA quando foram implementados pelo homem na Casa Branca. E a mesma lógica se aplica aos acordos propostos para a questão da dívida.

Coloquemos a questão nos seguintes termos: se um presidente republicano tivesse obtido o tipo de concessão em relação ao Medicare e à Previdência Social que Obama está oferecendo, estaríamos falando num triunfo conservador.

Mas quando as mesmas concessões vêm atreladas a ganhos mínimos na arrecadação e, principalmente, quando são feitas por um presidente democrata, as propostas se tornam planos inaceitáveis para exaurir o vigor da economia americana por meio da cobrança de impostos.

Além disso, o vodu econômico parece ter enfeitiçado o Partido Republicano.

O vodu da oferta - segundo o qual os cortes nos impostos pagam o próprio custo e/ou todo aumento nos impostos leva ao colapso econômico - tem sido uma força poderosa dentro do Partido Republicano desde que Ronald Reagan adotou o conceito da curva de Laffer. Mas esse vodu costumava ser mais contido. O próprio Reagan aprovou significativos aumentos nos impostos, compensando consideravelmente os cortes iniciais.

E até o governo do ex-presidente George W. Bush evitou fazer afirmações extravagantes a respeito da magia do corte dos impostos, parcialmente por causa do medo de que fazer tais afirmações levaria a um questionamento da seriedade daquele governo.

Mas, recentemente, toda a contenção desapareceu - na verdade, a moderação foi expulsa do partido. No ano passado, o líder da minoria no Senado, Mitch McConnell, afirmou que os cortes nos impostos aprovados por Bush na verdade aumentavam a arrecadação fiscal - afirmação que contradizia completamente os fatos comprovados - e declarou também que esta era "a opinião de praticamente todos os republicanos em relação a esse tema". É verdade: até Romney, amplamente considerado o mais razoável dos postulantes à candidatura presidencial nas eleições de 2012, defendeu a opinião de que os cortes nos impostos podem de fato reduzir o déficit.

O que nos leva à responsabilidade que cabe àqueles que só agora encaram de frente a loucura do Partido Republicano.

A questão é: os membros do Partido Republicano que tinham dúvidas em relação ao fanatismo pelo corte dos impostos poderiam ter se expressado com mais veemência se deixassem claro que tal fanatismo teria um preço, e se aqueles de fora do partido estivessem mais dispostos a condenar publicamente os políticos que defendiam posições irresponsáveis.

Mas esse preço nunca foi cobrado. Bush desperdiçou o superávit dos últimos anos do governo Clinton, mas renomados especialistas insistem que os dois partidos são igualmente culpados pelo nosso problema de endividamento. O republicano Paul Ryan, presidente da Comissão Orçamentária da Câmara, propôs um suposto plano de redução do endividamento que incluía imensos cortes nos impostos para as empresas e a parcela mais rica da população, e então foi premiado como defensor da responsabilidade fiscal.

Assim, não houve nenhum tipo de pressão sobre o Partido Republicano para que seus membros agissem de maneira responsável, ou mesmo racional - e, como seria de se esperar, o partido enlouqueceu de vez. Aqueles que agora se surpreendem com isso são parcialmente responsáveis pelo problema. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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