segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Indignados do mundo Uni-vos

Creomar Lima Carvalho de Souza

Toda crise traz uma oportunidade! Esse jargão vendido pelos manuais de administração mundo afora pode hoje ser aplicado à política. O prolongado processo de recessão econômica que abate o hemisfério norte e a falta de capacidade política dos dirigentes destas regiões em encontrar soluções para este problema gerou duas oportunidades: a primeira de reflexão acerca dos valores que compõe a democracia liberal contemporânea e a segunda conseqüente desta, da urgência no estabelecimento de uma relação mais equilibrada entre os interesses individuais, as necessidades das grandes corporações e o papel do Estado como árbitro desta relação.

E qual o papel dos movimentos populares nesta equação?

Basicamente, os movimentos dos indignados (termo criado durante as manifestações populares recentes na Espanha) que se alastram por toda a Europa Ocidental e desembarcam agora nos Estados Unidos da América, tem como preocupação fundamental o fato de que as autoridades políticas tem se mostrado incompetentes ou desinteressadas na solução da crise econômica que se aprofunda. E diferentemente de outros movimentos políticos a atual leva de manifestações tem fugido dos elementos tradicionais, tais como, partidos políticos e associações e buscado novas formas de ação.

Neste aspecto, as redes sociais surgem como um elemento novo do panorama político dando espaço gratuito e legitimidade a movimentos que não contam com o apadrinhamento nem com a boa vontade do status quo. Chama atenção a vontade destes grupos em exigir que a democracia se manifeste de forma mais pura. Isto quer dizer, há uma vontade de que as regras fiquem claras e que os interesses dos grandes grupos econômicos não se sobreponham aos direitos do cidadão comum.

Pode-se afirmar que a expressão “People Before Profits” – Pessoas antes dos lucros – permite um entendimento claro das expectativas e inseguranças que marcam tal movimento.

Obviamente, que qualquer generalização se torna perigosa ante a dificuldade de entendimento das especificidades de cada grupamento humano envolvido nestas manifestações. Porém, é um fato que as autoridades políticas tem tido enorme dificuldade de superar as dificuldades econômicas recentes.

O fracasso das autoridades políticas tradicionais abre, portanto, espaço para a livre manifestação e a necessidade de reflexão dos problemas que envolvem a democracia liberal em sua faceta representativa. Porém, as ações dos grupos de indignados ainda não possuem a capacidade de alterar as estruturas políticas vigentes. Cabe, entretanto, uma observação atenciosa do desenvolvimento de tais ações e de como as mesmas irão contaminar o espaço político tradicional tanto em âmbito de geração de resistências, quanto de transformações

terça-feira, 18 de outubro de 2011

BBC Brasil - Governos de Lula e Dilma tentam aumentar a presença do Brasil em países africanos.

João Fellet

Ao fazer sua primeira visita à África como presidente nesta semana, Dilma Rousseff desembarcará em um continente muito mais familiar à diplomacia brasileira do que quando seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, assumiu a Presidência, em 2003.

Segundo um levantamento do Itamaraty obtido pela BBC Brasil, o país hoje tem embaixadas em 37 das 54 nações africanas, das quais 19 foram inauguradas desde o início do governo Lula.



Entre os países não africanos, o Brasil só possui menos embaixadas no continente do que Estados Unidos (com 49 missões), China (48), França (46) e Rússia (38).

Ainda conforme o levantamento, o Brasil está à frente de outros dois países emergentes que têm buscado estreitar as relações com nações africanas: a Índia, com 27 missões, e a Turquia, que, ao erguer 20 das suas 31 embaixadas na África nos últimos três anos somou-se ao grupo de nações que cortejam o continente.

A abertura de embaixadas brasileiras na África foi acompanhada de um movimento recíproco: desde 2003, 17 missões de países africanos foram inauguradas em Brasília, somando-se às 16 que já existiam.

Segundo Gert Wunderlich, executivo do banco sul-africano Standard Bank, a ofensiva diplomática brasileira na África é parte da política do governo de diversificar os parceiros comerciais do país, tradicionalmente dependente da Europa e dos Estados Unidos.

"O governo brasileiro viu na África uma oportunidade para que o país avançasse em sua ambição de se tornar mais globalizado", diz Wunderlich, que vive em São Paulo.

Os esforços diplomáticos se refletiram nas trocas comerciais: em 2002, o intercâmbio do Brasil com o continente somava US$ 5 bilhões (cerca de R$ 8,7 bilhões); em 2008, passou para US$ 26 bilhões – quase metade dos US$ 56 bilhões do comércio entre Brasil e China em 2010.

Após um esfriamento das relações comerciais nos dois anos seguintes, efeito da crise econômica internacional, o governo espera neste ano bater o recorde de 2008, já que nos seis primeiros meses de 2011 as trocas entre Brasil e África alcançaram US$ 17 bilhões (R$ 29,5 bilhões).

África lusófona

A visita da presidente ao continente africano começa nesta segunda-feira pela África do Sul, onde ela participará de um encontro do Ibas (fórum que reúne Índia, Brasil e África do Sul), para discutir temas como segurança e desenvolvimento sustentável, além de parcerias comerciais.

Na quarta-feira, Dilma viaja até Moçambique para assinar acordos de cooperação técnica e se reunir com empresários brasileiros.

Além de patrocinar a construção de uma fábrica de retrovirais, que deve ser inaugurada em 2012, o Brasil mantém com Moçambique programas de cooperação agrícola e uma linha de crédito de US$ 300 milhões (R$ 521 milhões).

A visita ocorrerá em um momento de incremento das relações empresariais: em julho, a mineradora brasileira Vale inaugurou em Moçambique sua maior operação no exterior – a mina de carvão em Tete (Província no norte do país), que já é a segunda maior mina de carvão a céu aberto do mundo.

Empresas brasileiras também estão envolvidas na construção ou reforma de uma termelétrica, uma ferrovia, um porto e um aeroporto no país africano.

Na quinta-feira, Dilma visitará Angola, o segundo maior produtor de petróleo da África Subsaariana.


Angola é o segundo maior produtor da África subsaariana e tem 25 mil trabalhadores brasileiros

O país tem cerca de 25 mil trabalhadores brasileiros, segundo estimativa da Associação dos Empresários e Executivos Brasileiros em Angola (Aebran).

Boa parte são funcionários de empreiteiras como Andrade Gutierrez, Camargo Correia e Odebrecht, mas também há numerosos profissionais nos ramos de saúde, informática e comunicação, além de consultores em diversas áreas.

Competição

Cobiçada por seus recursos naturais – além de petróleo, o país tem vastas reservas diamantíferas, terras férteis e água abundante –, Angola é palco de uma competição que se replica em diferentes graus em vários países africanos e que tem como protagonista a China.

No entanto, segundo um diplomata brasileiro, a crescente influência chinesa em Angola e no continente africano não ameaça o espaço conquistado pelo Brasil.

Ele afirma que, embora o Brasil não possa competir com a China em oferta de crédito aos países africanos nem em capacidade de construir grandes obras – o país asiático costuma levar operários chineses para as nações africanas onde investe em troca de matérias-primas –, a maneira de atuar brasileira confere uma relação mais sólida com seus pares.

"Se o Brasil estiver lá e construir relações com os países, terá vantagem competitiva em relação aos que não fizerem isso."

Gert Wunderlich, executivo do banco sul-africano Standard Bank

"Os africanos sentem que, com os brasileiros, participam de uma conversa entre iguais, o que jamais ocorrerá com os chineses", afirma.

Ele diz ainda que, além dos bons resultados comerciais, a aproximação diplomática dos últimos anos já trouxe ao Brasil benefícios em palcos internacionais, como o apoio de vários países africanos à bem-sucedida candidatura do brasileiro José Graziano à direção da FAO (agência da ONU para agricultura), em junho.

Para Gert Wunderlich, ainda que o governo brasileiro receba críticas pela ênfase que dá às relações com países subdesenvolvidos - particularmente os africanos - trata-se de uma aposta para o futuro.

Ele afirma que a África abriga um sexto da população mundial e será uma das regiões do mundo que mais crescerão nas próximas décadas.

"Se o Brasil estiver lá e construir relações com os países, terá vantagem competitiva em relação aos que não fizerem isso. Ou então a China e a Índia vão ocupar todos os espaços", diz.

sábado, 15 de outubro de 2011

A democracia em uma nova faceta?

Creomar Lima Carvalho de Souza

Refletindo acerca da validade das manifestações organizadas por meio de redes sociais é possível vislumbrar dois pontos de vista distintos: o primeiro é de que tais ações não redundam em nenhum efeito prático. Ou seja, manifestar pelo simples ato de manifestar não redundaria em absolutamente nada.
E o segundo, de que as manifestações são fruto de uma ação democrática e que seus resultados são visualizados imediatamente. Acreditando, porém, que nenhum dos dois pontos é a verdade, aqui será feita uma abordagem diferenciada. A mesma será centrada não nos resultados, mas, sim no ato que estimula o protesto em si – a vontade de manifestar.
Basicamente, a tese defendida aqui é que a internet dia a dia passa a ocupar um espaço associativo que de maneira gradual vem substituindo as arenas tradicionais. Em outras palavras, acredita-se aqui que as redes sociais podem ser vetor de construção de uma ordem democrática pós-partidária. Esta, por sua vez, teria como principais características o desapego a atores associativos desgastados no tempo como partidos e sindicatos. E como foco principal de pressão os representantes políticos que por sua vez, não possuem ainda os atributos intelectuais necessários para entender o dinamismo deste processo.
No caso brasileiro é possível afirmar que a montagem de um ambiente democrático minimamente institucionalizado, significando aqui liberdade de imprensa, liberdade de expressão e direito de manifestação permite que as frustrações sociais sejam canalizadas de maneira mais visível. Contudo, diferentemente do ocorrido durante os anos 1980 e 1990 as arenas tradicionais, tais como, associações profissionais e partidárias perdem espaço para um novo modelo de organização baseado em demandas mais imediatas e apartadas de componentes corporativos.
Especificamente, pode-se afirmar que as manifestações construídas a partir de redes sociais são fruto de demandas de uma classe média que superou determinadas barreiras de sobrevivência e que, sobretudo, em ambientes urbanos mais desenvolvidos deseja alterar o ambiente político. A política e, por seu turno os políticos, são vistos por esse grupamento social como contaminados por vícios de conduta e sem capacidade de prover soluções novas para problemas cotidianos.
E é aqui que surge a diferença, enquanto que as ondas de protesto que marcaram a vida política brasileira durante a redemocratização possuíam um rosto, os movimentos atuais são desprovidos de personagens até o presente momento. Essa peculiaridade que facilita a mobilização de interesses diversos gera, porém, a dificuldade de dar vazão aos interesses defendidos. Em outras palavras, a ausência de um rosto torna o movimento pouco eficaz em termos de objetivos a serem alcançados em curto prazo.
Porém, essa falta de perspectiva de mudança imediata é o fator mais interessante do movimento em análise, pois, a frustração pelo não atendimento de alguma demanda pode fazer com que o movimento se aperfeiçoe. Tal aperfeiçoamento pode gerar no tempo o surgimento de novas lideranças capazes de dar substância as demandas levantadas pelo grupo e resultando em maior pressão sobre os representantes. Espera-se aqui que tal previsão se consolide com o tempo e que os impulsos de cidadania oriundos do mundo virtual não se percam nos modismos que caracterizam as redes sociais.

domingo, 9 de outubro de 2011

IMIL - Por que o Brasil não deve cair na falácia do voto distrital

Autor: Alberto Carlos Almeida


O sistema distrital joga no lixo uma enorme quantidade de votos e gera feudos eleitorais
Quando alguém quer criticar nosso sistema eleitoral, costuma mencionar a eleição do palhaço Tiririca. Em 2010, ele recebeu cerca de 1,35 milhão dos quase 100 milhões de votos válidos para deputado federal. Graças a nosso sistema eleitoral, o palhaço teve 1,35% de todos os votos nacionais – e carregou, com sua votação, outros três deputados que não seriam eleitos, não fosse o empurrãozinho. Esse exemplo é sempre citado para demonstrar as distorções geradas por nosso sistema eleitoral proporcional (que distribui as cadeiras parlamentares na proporção das votações obtidas por cada coligação partidária) – e usado como argumento por aqueles que defendem o voto distrital (que divide o território do país em distritos, cada um com uma cadeira parlamentar).
Mas as distorções geradas pelo voto distrital são ainda maiores. Em 2010, na Grã-Bretanha, país em que vigora o sistema distrital, o partido Liberal-Democrata teve 23% dos votos nacionais, mas elegeu somente 8,8% dos deputados. Isso significa que 14,2% dos votos de todos os britânicos ficaram sem representante. Esse é um resultado típico do voto distrital. Ele joga no lixo uma enorme quantidade de votos, bem mais que o 1,35% de Tiririca. Tais eleitores ficam sem nenhuma representação parlamentar. É assim que funciona o voto distrital: ele exclui da representação todos os partidos menos dois: o governista e o oposicionista. Não há pluripartidarismo com o voto distrital.
Outra consequência direta do voto distrital é contribuir para que os políticos se protejam em distritos cada vez menos competitivos. Entre 1944 e 1950, 152 deputados federais dos Estados Unidos, outro país que adota o voto distrital, perderam a reeleição que disputavam em seus distritos. Entre 1954 e 1960, esse número caiu para 100 derrotados. E ele vem caindo desde então, atingindo a marca de apenas 47 deputados que não foram reeleitos entre 2004 e 2008. Isso significa que a taxa de renovação da Câmara dos Deputados americana hoje é de apenas 10% – no Brasil, ela está em torno de 50%. E é falso argumentar que os eleitores estão felizes com seus representantes, pois as pesquisas mostram um enorme nível de insatisfação com os políticos.
São muitas as evidências de que o voto distrital resulta na formação de feudos eleitorais e na consequente falta de competitividade nas disputas. Nos Estados Unidos, na eleição de 2002, 81 dos 437 distritos registraram apenas uma candidatura. Para praticamente 20% da câmara, o eleitor não teve escolha. Ainda mais grave do que isso: na eleição de 2004, 85% dos deputados americanos foram eleitos com mais de 60% dos votos em seus distritos. No Brasil, quando alguém vence com 60%, está configurada uma surra eleitoral – que nada mais é que falta de competitividade.
Os exemplos de formação de feudos podem ser multiplicados. Em 2002, os deputados federais da Califórnia fizeram um acordo: graças ao redesenho dos mapas eleitorais, cada deputado do Estado ficou com um distrito onde sua vitória era certa. Resultado: todos os 50 deputados daquele Estado foram reeleitos. Também em 2002, na Califórnia, quase 60% dos deputados venceram com mais de dois terços dos votos. O acordo da Califórnia poderia facilmente ser reproduzido em inúmeros Estados brasileiros, se adotássemos o sistema distrital.
O dispositivo usado para adequar as fronteiras dos distritos aos interesses dos partidos é conhecido em inglês como gerrymandering. O nome dessa prática remonta ao ano de 1812, quando o então governador de Massachusetts, Elbridge Gerry, desenhou vários distritos eleitorais que, reunidos, lembravam a forma de uma salamandra. Com esse tipo de expediente, os limites de um distrito são redesenhados de tal maneira que um determinado candidato seja facilmente eleito e reeleito na região (leia o quadro abaixo). Todos os países que adotam o sistema distrital sofrem, em maior ou menor grau, com a deformação do gerrymandering.
Nos Estados Unidos, há até um programa de computador, chamado Maptitude for Redistricting, que permite a qualquer deputado desenhar um distrito onde sua reeleição se torne praticamente certa. O quadro ao lado mostra um entre centenas de distritos desenhados de acordo com o gerrymandering, o quarto distrito de Illinois. Ali, duas regiões hispânicas estão unidas por 2 quilômetros de estrada sem um eleitor sequer. Nesse distrito, qualquer candidato democrata é eleito, até mesmo um poste. Não se trata de um fenômeno isolado. A grande maioria dos distritos nos EUA é desenhada de acordo com o gerrymandering. Caso o Brasil adotasse o voto distrital, os políticos brasileiros seriam tão ou mais criativos que seus congêneres americanos.
Um efeito ainda mais direto do voto distrital é o bipartidarismo. Tanto Grã-Bretanha quanto Estados Unidos são países bipartidários, e os dois maiores partidos franceses concentram 85% das cadeiras de deputados. Quando isso acontece, todos os cargos de direção na mesa da Câmara e nas comissões legislativas são controlados pelo partido majoritário. O bipartidarismo é resultado de – e resulta no – conflito. Não há composições, nem meios-termos ou acordos, pois não há partido de centro. A profunda divisão na sociedade americana entre democratas e republicanos pode ser vista como uma consequência perniciosa do bipartidarismo, que acirrou paixões e deixou pouco espaço à razão.
No mundo todo, é possível atestar a enorme superioridade do voto proporcional diante do distrital. Desde 1993, 12 países abandonaram o sistema distrital puro e adotaram algum tipo de voto proporcional. Desses 12, cinco saíram do distrital puro e foram para o proporcional puro. Um desses países foi a África do Sul. A Rússia, que era inteiramente distrital, mudou para metade distrital e metade proporcional. E apenas um país desde 1993 abandonou o voto proporcional: Madagascar. A reforma do sistema foi feita pelo partido dominante, chamado Eu amo Madagascar. Ele hoje controla 103 das 160 cadeiras da Câmara. Hoje, em Madagascar, quem define os limites geográficos dos distritos é o presidente. Um prato cheio para o gerrymandering.
Por fim, os defensores do voto distrital dizem que ele aproxima o eleitor do eleito. Os estudos científicos sobre o assunto mostram que não há diferença nesse aspecto no que diz respeito aos sistemas eleitorais. A afirmação de que o voto distrital torna o representante mais próximo do representado não se sustenta pelas evidências empíricas. Todas elas comprovam que, se o Brasil viesse um dia a adotar tal sistema, como tantos têm defendido, as palhaçadas superariam em muito a eleição de Tiririca.

Fonte: revista “Época”

domingo, 2 de outubro de 2011

iFHC - O que os vizinhos pensam do Brasil

Sérgio Fausto

O protagonismo do Brasil na América do Sul não é uma questão de escolha. Tornou-se um dado da realidade, com o declínio relativo da Argentina e a perda de influência dos Estados Unidos na região. Deve até aumentar no futuro previsível, dadas as tendências expansionistas da economia brasileira. A questão é saber se esse protagonismo se traduzirá em liderança e se ela será positiva para a região em seu conjunto.
Em síntese, essa foi a visão da maioria dos líderes políticos sul-americanos presentes em mesa-redonda organizada recentemente pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC) para discutir o papel do Brasil na América do Sul. Participaram da discussão o expresidente da Bolívia Carlos Mesa, o senador chileno e ex-chanceler Ignacio Walker, a senadora uruguaia Constanza Moreira, o ex-ministro da Justiça do Peru Fausto Alvarado, além de vários brasileiros, como os embaixadores Sergio Amaral e José Botafogo Gonçalves e o ex-chanceler Celso Lafer. Uma amostra representativa da centro-esquerda democrática sul-americana.
Apesar de uma percepção em geral positiva sobre o Brasil, detectam-se incerteza e mesmo inquietude em relação ao "gigante sul-americano".
Existe receio de que a expansão das exportações e dos investimentos brasileiros em outros países da América do Sul prejudique a capacidade de produção e geração de empregos de suas economias. E que isso leve mais água para o moinho de governos, partidos e/ou movimentos adeptos de um nacionalismo retrógrado com inclinações populistas e autoritárias. Em países menores, sobretudo naqueles onde há ressentimento histórico em relação ao Brasil, como a Bolívia e o Paraguai, é bem vivo o temor de que o extravasamento da economia brasileira acabe por levá-los a uma situação de subordinação política ao colossal vizinho. Mesmo no Uruguai, o mais desenvolvido dos 1 / 3pequenos países fronteiriços, observa-se um incipiente nacionalismo antibrasileiro, em reação à compra de terras em quantidade crescente por empresas brasileiras naquele país.
Algumas características do investimento brasileiro na região reforçam o sentimento descrito. O fato de grandes companhias brasileiras receberem apoio do BNDES para a aquisição de empresas locais acentua a percepção de que nosso país conta com um poder excessivo, derivado não apenas do porte e da eficiência de seus maiores grupos empresariais, mas também da estreita associação entre eles e o Estado brasileiro. A propósito, em entrevista recente ao jornal Valor Econômico, o presidente da União Industrial Argentina afirmou, com exagero característico: "Só quando tivermos um BNDES poderemos abaixar a guarda".
A reação à crescente presença brasileira na América do Sul poderia ser atenuada se fossem os investimentos feitos em parceria com grupos locais, mas as joint ventures são raras, predominando o controle do investidor brasileiro sobre o negócio. São raros também os fornecedores locais que se beneficiam dos empréstimos concedidos pelo BNDES a governos vizinhos, em financiamentos vinculados ao pagamento de obras e serviços realizados pelas grandes empreiteiras brasileiras nos países da região.
Em suma, à constatação de assimetria na relação com o Brasil soma-se o sentimento de que se está diante de uma competição desleal contra um poder cujo funcionamento parece opaco. De fato, não há nada similar na região à aliança entre grandes grupos empresariais privados, fundos de pensão públicos, empresas estatais e banco de desenvolvimento. Com frequência o investimento e o crédito chineses surgem como alternativas bem-vistas diante do temor de se tornar muito dependente do Brasil, apesar de as relações entre Estado e empresas serem na China muito mais opacas do que aqui.
Além de pouco transparente, o Brasil é visto como "soberanista", isto é, relutante em ceder parcelas de sua autonomia decisória em benefício do fortalecimento de instituições de governança coletiva da região. Desse "soberanismo" faria parte a resistência a pagar o custo financeiro, em favor da integração, correspondente ao tamanho de sua economia, como a Alemanha na Europa.
O Brasil é também considerado ambivalente quanto à importância que sua política 2 / 3externa atribui à região. Embora a centralidade da América do Sul esteja claramente definida no discurso, resta muita dúvida sobre se o Brasil de fato considera que o fortalecimento de sua liderança regional é mesmo necessário à realização de suas ambições como global player. Critica-se o governo brasileiro por supostamente não consultar os governos sul-americanos antes de tomar iniciativas no plano internacional, ao mesmo tempo que invoca a sua condição de líder regional quando lhe interessa fazê-lo nas negociações internacionais.
É nítido o contraste entre a percepção de que o Brasil é autocentrado e até certo ponto voraz em relação aos vizinhos e a opinião que no geral se tem aqui dentro a respeito da atitude do governo brasileiro em relação à região, normalmente percebida como muito generosa com as demandas de alguns países e tolerante com eventuais desmandos contra empresas brasileiras que operam na vizinhança.
Para o Brasil, não se trata, é claro, de moldar o figurino de sua política externa sulamericana à opinião média de seus vizinhos, que, aliás, varia de país a país. Trata-se, isso sim, de constatar que nos faz falta - na sociedade e no governo - um pensamento sobre a América do Sul que leve na devida conta a percepção dos outros países da região a nosso respeito, sem perder de vista os interesses brasileiros. Precisamos de uma visão abrangente e de longo prazo, que não se deixe levar por simpatias ideológicas episódicas nem por ilusões de que o peso econômico do Brasil se traduzirá automaticamente em maior liderança política. À medida que cresça a nossa presença na região, essa visão será cada vez mais indispensável.