sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

FMI prevê expansão de 4,5% e índice é o que mais sobe entre os Brics

Rosana Hessel

Publicação: 26/01/2011 08:28 Atualização: 26/01/2011 08:32

Os indianos, na companhia dos chineses, são o povo mais beneficiado pela recuperação global neste ano e em 2012: investimento em infraestrutura (Indranil Mukherjee/AFP - 24/2/10)
Os indianos, na companhia dos chineses, são o povo mais beneficiado pela recuperação global neste ano e em 2012: investimento em infraestrutura
O Fundo Monetário Internacional (FMI) elevou de 4,1% para 4,5% a estimativa de expansão da economia brasileira neste ano. O Brasil foi o país que obteve o maior aumento nas projeções entre os Brics, grupo que reúne os principais emergentes — Brasil, Rússia, Índia e China. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas produzidas) chinês e o indiano tiveram mudança na previsão, a Rússia ficou com uma correção menor.

A instituição multilateral de crédito manteve em 4,4% a previsão de crescimento do Brasil em 2012. Em comparação à média de expansão mundial calculada pelo Fundo, o ritmo do país superou os 4,4% esperados neste ano. O FMI ampliou em 0,2 ponto percentual a expectativa de crescimento da economia russa neste ano, para 4,5%. O organismo também manteve em 4,4% as projeções para a Rússia em 2012. No caso da China e da Índia, o órgão prevê que os dois países avancem, respectivamente, 9,6% e 8,4% em 2011, e, 9,5% e 8% em 2012.

“Essa revisão dos números do FMI é bastante positiva para o Brasil, pois confirma o momento positivo que o país atravessa. Mas é importante conter os gastos da máquina pública para não gerar inflação e piorar as contas do governo”, analisou o professor de Relações Internacionais do Ibmec-DF Creomar Lima Carvalho de Souza.

Ao divulgar ontem a revisão da última edição do estudo Panorama Econômico Global, o FMI afirmou que a reavaliação ocorreu diante do avanço da recuperação dos países afetados pela última crise, detonada em 2008. Mas a retomada ocorre em dois ritmos: os países desenvolvidos avançam mais lentamente do que os emergentes. A China e a Índia são os dois grandes motores para a expansão de 6,5% esperada para as nações em desenvolvimento neste ano e no próximo. Os dois países são, hoje, os que mais investem em infraestrutura.

Logística
“A confirmação da retomada do crescimento da economia mundial é um fator extremamente favorável para o Brasil, que é um grande exportador de produtos básicos. Eles devem continuar com os preços em alta, o que será melhor para o país”, afirmou Souza ao analisar as perspectivas do mercado externo. Em relação ao interno, o professor acredita que os investimentos em infraestrutura e logística necessários ajudarão a manter o consumo doméstico aquecido, gerando emprego e renda e contribuindo para uma expansão sustentável do país.

Os números otimistas do FMI, no entanto, tiveram um contraponto ontem na Europa, região que está com maiores dificuldades para se recuperar da crise. A economia da Grã-Bretanha surpreendeu os especialistas ao divulgar contração de 0,5% no PIB do quarto trimestre de 2010, depois que uma forte temporada de neve em dezembro pesou mais que o esperado. O mercado esperava expansão de 0,5% depois da alta de 0,7% registrada no trimestre anterior. Com isso, o índice FTSEurofirst 300, que mede o movimento das principais ações negociadas nas bolsas europeias, recuou 0,63%.


Desempenho internacional

Previsões de crescimento para 2011
(Em%)

Brasil - 4,5
Rússia - 4,5
Índia - 8,4
China - 9,6
Estados Unidos - 2,5
Zona do Euro - 3,0
Economias emergentes - 6,5
América Latina e Caribe - 4,3
Mundo - 4,4

Fonte: Fundo Monetário Internacional


FAO quer impedir especulação

O mundo se encaminha para uma crise alimentar, que prejudicaria principalmente os mais pobres e causaria instabilidade política. Por isso, é necessário impedir a especulação com a cotação dos itens alimentícios, afirmou o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o senegalês Jacques Diouf. “Os preços mais altos continuarão nos próximos anos se deixarmos de combater as causas estruturais dos desequilíbrios no sistema agrícola internacional”, afirmou Jacques Diouf ao jornal japonês Nikkei.

Segundo Diouf, os subsídios e as tarifas de importação sobre produtos agrícolas contribuem para distorcer o equilíbrio entre oferta e procura. Em relatório publicado neste mês, a FAO informou que seu índice global de preços alcançou um recorde em dezembro, superando os níveis de 2008, quando uma alta generalizada no custo da alimentação desencadeou distúrbios em diversos países. Devido a questões climáticas, o valor de vários tipos de grãos pode subir ainda mais neste ano.

Para Diouf, as populações mais pobres serão, novamente, as mais afetadas, o que pode gerar inquietação social. A preocupação do diretor ecoa declarações feitas anteontem pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy, no início de seu período à frente do G-20 (grupo das 19 maiores economias do mundo e a União Europeia). Sarkozy cobrou medidas contra a especulação no preço dos alimentos, tomando como exemplo os controles globais que foram estabelecidos para os mercados financeiros.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Mercosul na Rodada São Paulo: opções e perspectivas brasileiras sobre o comércio internacional, por Leandro Freitas Couto & Creomar Lima Carvalho de

Os oito anos de administração Lula foram marcados pelo crescimento de um viés afirmativo das relações internacionais do Brasil. Isto quer dizer que, amparado na figura carismática do presidente, no profissionalismo da diplomacia e em uma agenda de poder própria as ações externas brasileiras se constituíram de modo a pavimentarem uma agenda de poder e potência no médio-longo prazo. Dentro deste novo paradigma, iniciativas foram construídas nos mais diversos âmbitos de maneira que o Brasil pudesse demonstrar um modelo de liderança internacional não coercitivo e baseado em parcerias estratégicas com outros Estados que também buscavam o desenvolvimento.

Neste processo de consolidação de um papel mais ativo na política global, várias agendas foram se consolidando. Indo da construção de modelos de cooperação para o desenvolvimento até a tentativa de mediação de conflitos internacionais de maior vulto. Diante deste quadro marcado por algumas vitórias – como a construção do G -20, e alguns percalços – como o acordo Brasil-Irã-Turquia, uma linha de ação ficou perceptível em termos do entendimento dos objetivos da política externa do governo Lula.

Em suma, pode-se afirmar que a diminuição das assimetrias entre países ricos e pobres tornou-se o cerne das concepções brasileiras durante a administração Lula da Silva. Tal processo constituiu-se, através de várias agendas, tanto de segurança, quanto políticas e também econômicas. No caso específico do comércio, tal discurso foi se consolidando de maneira que a diplomacia brasileira passou a defender a diminuição das assimetrias que perpetuam as vantagens comparativas dos centros econômicos globais sobre as periferias do sistema.

Desta maneira, por diversas vezes o Brasil levantou pleitos no sentido de diminuição de subsídios, das mais diversas ordens, aplicados pelos países ricos, com o objetivo de dar uma feição mais equilibrada ao comércio internacional. Tal processo, por questões de ordem política tanto interna dos países alvo, quanto da própria ineficácia dos organismos internacionais em encontrar soluções para tais dilemas acabou sendo deixado em segundo plano nos processos de negociação.

Diante do horizonte estático representado pelas eventuais mudanças que liberalizassem o comércio internacional, o Estado brasileiro foi paulatinamente construindo uma nova abordagem sobre o comércio internacional e suas prioridades. Assim sendo, consolidou o entendimento de que as relações comerciais com os países ricos não sofreriam grandes alterações em um curto espaço de tempo. Optou-se pela construção de uma estratégia que inseriu as questões comerciais no âmbito de uma perspectiva de cooperação sul-sul.

Ciente das possibilidades representadas pelo comércio entre os chamados emergentes, o Brasil tomou a iniciativa de se aproximar mais efetivamente de países em desenvolvimento, promovendo com maior ênfase as relações sul-sul.. Dentro desse processo, o Brasil utiliza a reunião da UNCTAD, realizada em São Paulo em 2004, para lançar uma nova rodada de negociação do Sistema Global de Países em Desenvolvimento – SGPC, que havia sido criado em 1988 e até então não tinha dado resultados expressivos. A novidade da Rodada São Paulo foi que, a partir de uma reinterpretação dos termos do acordo, criou-se o entendimento de que não mais se aplicava a cláusula da nação mais favorecida, e as preferências comerciais se restringiam ao grupo de países que participassem das negociações.

Dos 43 países que fazem parte do SGPC, 11 chegaram a um acordo final que foi assinado no dia 15 de dezembro de 2010, durante a reunião de Cúpula do Mercosul, realizada em Foz do Iguaçu, durante a presidência brasileira do bloco. Além dos quatro membros plenos do Mercosul, Índia, Egito, Coréia do Sul, Cuba, Marrocos, Indonésia e Malásia foram signatários do acordo, que foi desenhado de maneira a facilitar a entrada dos demais países do SGPC que tiverem interesse. De fato, o acordo propõe uma redução de 20% nas tarifas alfandegárias para 70% dos produtos de cada país.

Tendo em vista esse panorama político que envolve a Rodada São Paulo, é importante debruçar-se sobre os dados e ponderar os reais e potenciais resultados que possam advir desta parceria. A partir daí, portanto, pode-se entender que para o MERCOSUL, os sete países que assinaram o acordo de concessão de preferência tarifária já têm uma importância significativa e crescente. Em 2000, representavam cerca de 3,6% das exportações do bloco, enquanto em 2009 foram destino de 6,34% das vendas mercosulinas. Em termos absolutos, representaram um aumento de mais de 4 vezes, saindo de 3 bilhões de dólares no início da década, para 13,5 bilhões em 2009, tendo aumentado mesmo com a crise.

As importações advindas desses países também tiveram uma importância relativa crescente na balança comercial do MERCOSUL, embora tenham sido mais impactadas pela crise de 2008. Em 2000, respondiam 4,3% do total das compras do bloco, em 2009, alcançaram 6,7%. Em termos absolutos, embora tenham crescido 3 vezes se compararmos os US$ 3,89 bilhões de 2000, com os US$ 11,99 bilhões de 2009, em 2008 já tinham ultrapassado a marca de US$ 16 bilhões, quando o bloco regional teve um déficit de cerca de US$ 3,5 bilhões com o grupo selecionado de países.

Dentre os países do bloco, o Uruguai é o país para o qual os demais signatários representam o menor peso na pauta comercial, enquanto a Argentina é o que apresenta a menor evolução nos últimos anos. O Quadro 1 apresenta os principais dados por país.

Quadro 1 – Comércio do Mercosul com países signatários da Rodada São Paulo (em mil dólares)

Ano200020082009
PaísExportaçãoImportaçãoExportaçãoImportaçãoExportaçãoImportação
Valor%Valor%Valor%Valor%Valor%Valor%
Argentina1.390.9835,3996.6613,93.901.1895,62.074.1083,63.178.6145,71.563.4794,0
Brasil1.620.7742,92.769.8484,78.687.7604,413.908.9727,610.257.6096,710.266.9657,7
Paraguai2.7750,349.0142,2168.1823,8242.0352,7ND-ND-
Uruguai45.9642,075.4502,2157.9112,7239.2442,7138.2662,6167.6522,4
Mercosul3.060.4963,63.890.9734,312.915.0424,616.464.3596,413.574.4896,311.998.0966,7

Elaboração própria. Fonte: CEPAL – Base de dados de Comércio Exterior

O crescimento das exportações do Paraguai para o grupo de países selecionados foi o mais expressivo. Parte de um patamar de US$ 2 milhões em 2000 para US$ 168 milhões em 2008, antes do impacto da crise internacional, já que não se dispõe ainda dos dados de 2009 para esse país. Por sua vez, o Brasil, que tem a corrente comercial mais robusta com os países que ora assinam o acordo no âmbito do SGPC, em torno de US$ 20 bilhões, foi o único que conseguiu ampliar suas exportações de 2008 e 2009, ainda que tenha reduzido as importações. A participação sobre o total do comércio exterior do país, no entanto, se ampliou, alcançando 6,7% das exportações e 7,7% das importações.

Grande parte da explicação desse comportamento recente da corrente comercial brasileira pode ser depreendido das suas relações com a Índia. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento1, em 2008, o Brasil havia exportado pouco mais de US$ 1 bilhão de dólares para o país asiático, enquanto em 2009 as exportações atingiram a marca de US$ 3,4 bilhões. O perfil desse comércio, no entanto, não é animador, visto que esse salto se deu justamente nos produtos básicos e semimanufaturados, que somavam US$ 680 milhões em 2008 e, em 2009, saltam para US$ 2,74 bilhões. Apenas açúcar de cana em bruto e óleos brutos de petróleo foram responsáveis por 80% desse valor.

Assim, os dados reforçam que os laços comerciais entre o MERCOSUL e os países que já assinaram o acordo da Rodada São Paulo do SGPC são relevantes e com fortes dinâmicas de crescimento. Ressalta-se que, segundo o argentino Alberto Dumont, que presidiu as negociações da Rodada São Paulo, pelo menos outros dois países – Argélia e Irã – estariam próximos a aderir ao acordo, e México, Nigéria e Zimbábue em estágio avançado de negociações2.

Todavia, as possibilidades que o acordo abre talvez sejam ainda mais importantes que as atuais relações comerciais. A mudança no perfil do comércio é o grande desafio a ser enfrentado pelo MERCOSUL, para que consiga agregar valor à sua pauta de exportação para esses países. A substância política desse acordo entre países em desenvolvimento precisa também revelar uma vertente econômica que lhes seja favorável. Enquanto os países desenvolvidos jogam duro para sair da crise de 2008, aumentando a competição para a exportação de produtos industrializados intoxicados pelo início de uma intensa guerra cambial, o movimento sul-sul precisa mais que fortes discursos e belas fotos cerimoniosas para consolidar seus passos em direção a uma mudança mais significativa da geografia econômica internacional.

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[1] aliceweb.desenvolvimento.gov.br

[1] Grupo de 11 países corta tarifa de 70% dos bens importados. Valor Econômico, 16.12.2010

Leandro Freitas Couto é Analista de Planejamento e Orçamento e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB (leandro.couto@gmail.com);

Creomar Lima Carvalho de Souza é Professor de Relações Internacionais do IBMEC/DF, Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB e pesquisador do IPEA.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Entrevista Concedida ao Site da Revista Veja

‘Obama precisa falar de direitos humanos, mas não pode bater muito, senão acaba perdendo o parceiro comercial’

Especialista em Política dos EUA classifica como muito positiva a viagem de Hu

Mariana Pereira de Almeida

"Economia elege presidente e 2012 é ano eleitoral. Se não tiver emprego, não tem reeleição e Obama quer uma reeleição"

O balanço da viagem do presidente chinês, Hu Jintao, aos Estados Unidos é extremamente positivo, de acordo com Creomar Lima Carvalho de Souza, professor de Relações Internacionais e analista político do Ibmec-DF. “Esta viagem mostra o amadurecimento da diplomacia chinesa, que demonstra uma vontade de construir uma relação de igualdade. O país olha para os EUA com respeito, mas exige contrapartidas”, disse ele em entrevista ao site de VEJA.

O especialista em Política Externa dos EUA pela Universidade da Flórida avalia que o presidente americano foi sensato na maneira de abordar a questão dos direitos humanos na China. “Obama precisa falar de direitos humanos, mas não pode bater muito, senão perde o parceiro”, afirmou. “É interessante olhar a questão sob outros aspectos. Obama tem eleição no ano que vem e não vai se eleger se a economia continuar ruim. A China, que é um grande pólo de negócios, pediu aos EUA para negociar. Não se pode ignorar uma oferta como essa”.

Confira os principais trechos da entrevista.

Qual é o balanço da viagem do presidente chinês, Hu Jintao, aos Estados Unidos?
A viagem teve um efeito bastante positivo porque mostra as duas principais economias do mundo, EUA e China, como forças geopolíticas que se articularam. Evidencia um amadurecimento da política chinesa, um vontade de construir uma relação de igualdade. A China olha para os EUA com respeito e exige uma contrapartida. Mas Hu foi muito claro ao pedir que os americanos não interfiram em questões particulares do país, como o Tibete e Taiwan. A China quer sim colaborar em termos de comércio, mas espera ser tratada como um parceiro e não um ator menor.

Alguém ganha mais com esta relação?
Cada vez mais, esta relação caminha para uma parceria entre iguais. Os EUA precisam da China e vice-versa. Temos que lembrar que, apesar de todo este crescimento, ainda há muitas questões sensíveis na China: o combate ao desemprego, a pobreza e a necessidade de expansão do desenvolvimento econômico (riqueza produzida) para todo o país. Os chineses desejam uma relação que atenda às demandas. Querem acesso a experiência que os EUA possuem em diversos setores e vislumbram uma abertura para o maior mercado consumidor do mundo. A relação caminha para uma cooperação, não há outra solução. É muito mais proveitoso partir para uma cooperação entre dois dos atores mais importantes do mundo que se respeitam, do que uma pseudo guerra fria, como muitos defendem.

Quem defende esta rivalidade?
Basicamente, alguns setores dentro da classe política dos EUA. São alas mais conservadoras e belicistas. Mas parece-me mais proveitosa a construção de pontes do que a demolição de prédios. A questão é complexa. Em termos de relações internacionais, algo imponderável ainda pode acontecer, nunca se sabe. Mas eu acredito que, neste momento, os dois atores preferem construir uma relação mais próxima do que o afastamento.

O senhor acredita que Obama tenha sido pouco enfático na questão dos direitos humanos em prol das questões comerciais?
Um chefe de estado tem responsabilidades. Embora como líder dos EUA precise falar sobre direitos humanos e democracia, ele conhece os limites da pressão que pode exercer em relação à China. Ele fica entre o discurso que precisa fazer, mas não pode bater demais, pois não deseja fechar esta porta. Os chineses o escutaram, mas deixam claro - pela posição privilegiada que têm na economia - que não querem interferência neste assuntos polêmicos. Além do mais, é muito pequena a chance de a China mudar sua atitude sobre os direitos humanos e a democracia por pressão externa. Se isso ocorrer, provavelmente será fruto do crescimento de uma classe social que compartilha destes valores.

Mas, o fato de Obama ser o Nobel da Paz de 2009 não o coloca em uma situação mais delicada, especialmente no que se refere a Liu Xiaobo, laureado com o mesmo prêmio em 2010, mas que não pôde recebê-lo porque está preso por cobrar democracia do seu governo?
Sim, mas as pessoas se esquecem que antes de ser o vencedor do Nobel da Paz, ele é chefe de estado e fala por um país. Obama sabe que as posições dele ou do grupo que o apóia não podem ser levadas de maneira tão estrita por que há interesses que se sobrepõem a elas. Os investimentos chineses podem criar empregos nos EUA e o fato de a China comprar títulos do Tesouro americano também permite o aquecimento da economia. Isso é tão importante quanto os direitos humanos. Economia elege presidente e 2012 é ano eleitoral. Se não tiver emprego, não tem reeleição e Obama quer uma reeleição.

Visita de presidente chinês aos EUA ressalta necessidade de cooperação entre países

Parceria comercial superou pontos de atrito, como direitos humanos e Tibete

Mariana Pereira de Almeida
O prefeito de Chicago, Richard M. Daley, leva Hu Jintao a um tour por empresas de Illinois. Presidente chinês encerrou viagem aos EUA com visita a Chicago para assinar 60 acordos comerciais com executivos

O prefeito de Chicago, Richard M. Daley, leva Hu Jintao a um tour por empresas de Illinois. Presidente chinês encerrou viagem aos EUA com visita a Chicago para assinar 60 acordos comerciais com executivos (Frank Polich/ AFP)

“A China indicou que olha para os EUA com respeito e exige uma contrapartida, um tratamento como um parceiro e não um ator menor. Mas Hu foi muito claro ao pedir que os americanos não interfiram em questões particulares, como o Tibete e Taiwan”

Creomar Lima Carvalho de Souza, professor de Relações Internacionais e analista político do Ibmec-DF

O presidente chinês Hu Jintao encerrou, nesta sexta-feira, sua viagem de quatro dias aos Estados Unidos, com uma visita a Chicago para assinar 60 acordos com executivos americanos. A última parada de Hu ilustra bem o objetivo de sua viagem: estreitar a parceria comercial e a cooperação entre os dois países. Sob este aspecto, portanto, o tour do chefe de estado foi um sucesso e explicitou que ambos os países têm interesse em aprofundar cada vez mais estas relações, independentemente dos atritos políticos entre duas potências que têm tantas diferenças ideológicas.

“A viagem teve um efeito muito positivo, mostrando que as duas maiores potências do mundo se articulam para construir uma relação de igualdade”, diz Creomar Lima Carvalho de Souza, professor de Relações Internacionais e analista político do Ibmec-DF. “A China indicou que olha para os EUA com respeito e exige uma contrapartida, um tratamento como um parceiro e não um ator menor. Mas Hu foi muito claro ao pedir que os americanos não interfiram em questões particulares, como o Tibete e Taiwan”, afirma o especialista em Política Externa dos EUA pela Universidade da Flórida.

Durante a reunião com Hu, Obama fez o que tinha de fazer. Como chefe de estado de um país que defende valores democráticos, não poderia deixar de abordar a questão dos direitos humanos na China. Vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2009, deveria mencionar o assunto, especialmente por causa da situação do dissidente chinês Liu Xiaobo, laureado com o mesmo prêmio em 2010, mas que não pôde recebê-lo porque está preso por cobrar democracia do seu governo. "A história mostra que as sociedades são mais harmoniosas, as nações são mais bem sucedidas e o mundo é mais justo quando apoiamos os direitos e responsabilidades de todas as nações e de todos os povos", disse o presidente americano.

“Era imprescindível falar em direitos humanos. Mas as pessoas se esquecem que antes de ser o Nobel da Paz, Obama é um chefe de estado e fala por um país. Ele sabe até onde pode pressionar a China e sabe também que as posições dele ou do grupo que o apóia não podem ser levadas de maneira tão estrita, pois há interesses que se sobrepõem a elas”, pontua Souza.

Parceria comercial - Entre estes interesses, está uma relação comercial cada vez mais importante para ambos os países. Se os EUA dependem da China, pois o gigante asiático aplica US$ 900 bilhões em títulos do seu Tesouro, a China precisa exportar para o mercado americano. Por outro lado, apesar de todo o crescimento chinês, ainda há questões sensíveis no país, como o combate ao desemprego, a pobreza e a expansão do desenvolvimento econômico- riqueza produzida - para todo o país. Ou seja, as áreas rurais do território não experimentam o desenvolvimento das grandes cidades. De acordo com Souza, “trata-se de uma relação que caminha para uma cooperação cada vez maior. Afinal, um país precisa do outro, não há solução.”

Hegemonia - A recepção de Hu com jantar de gala em Washington - diferente da última visita do líder chinês aos EUA, durante o governo Bush, quando ele foi convidado apenas para um almoço na Casa Branca - mostra que os EUA já veem a China como um ator global importante, uma potência. Os sinais são de que é melhor para os dois países cooperar do que rivalizar. “É muito mais proveitosa a construção de pontes do que a demolição de prédios”, acrescenta Souza. Para convencer o colega americano, a mensagem de Hu foi direta: "Não nos envolvemos em nenhuma corrida armamentista ou ameaça militar em direção a nenhum país", declarou. "A China não buscará nunca uma hegemonia nem uma política expansionista".

Confira os principais temas, que provocaram atritos entre os dois países:

Taiwan - Os EUA anunciam em janeiro a venda de US$ 6,4 bilhões em armas para a ilha que a China considera como integrante de seu território. Pequim reagiu com a suspensão da cooperação militar.

Dalai Lama - Em fevereiro de 2010, Obama recebeu na Casa Branca o líder espiritual e político Dalai Lama, considerado um separatista pela China, irritando o país.

Nobel da Paz - Em novembro de 2010, a China condenou a entrega do Prêmio Nobel da Paz ao dissidente Liu Xiaobo, ressaltando as diferenças ideológicas com os EUA.

Yuan - A desvalorização do yuan em relação ao dólar é um ponto de permanente atrito nas relações entre os dois países.

Coreia do Norte - A China, aliada da Coreia do Norte, é frequentemente pressionada a condenar as atitudes de Pyongyang, consideradas bélicas. Dois casos em 2010 trouxeram a questão à tona: o afundamento de um navio sul-coreano, matando 46 marinheiros - cuja culpa foi atribuída ao regime de Kim Jong-il por uma investigação internacional - e um ataque norte-coreano à ilha sul-coreana de Yeonpyeong, em novembro, matando quatro pessoas.