quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

DefesaNet - Reflexões sobre o programa FX-2


Caças de Combate Aéreo para o Brasil: 
o que a História tem a dizer

Fernanda Corrêa
Historiadora, estrategista e pesquisadora do
Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
fernanda.das.gracas@hotmail.com

A transferência de tecnologia tem sido condição sine qua non para que o Brasil feche parceria estratégica na área de Defesa. Em 2009, Brasil e França fecharam parceria estratégica para aquisição de quatro submarinos convencionais e da plataforma-navio para o futuro submarino de propulsão nuclear da Marinha do Brasil. Muito se tem noticiado sobre as negociações da Força Aérea Brasileira para aquisição de 36 caças de combate. Em 2010, um suposto relatório da FAB vazou a informação de que a Força optaria pelo Gripen da empresa sueca Saab. Em dezembro de 2012, a revista Isto É anunciou o vazamento da informação de que o F-18 Super Hornet, da empresa estadunidense Boeing, seria o favorito da FAB. Aponta-se que os quesitos custo e atendimento das necessidades da Força privilegiam o modelo de caça Super Hornet em relação ao Gripen e ao caça Rafale, da empresa francesa Dassault.

Compra ou absorção de tecnologia?

O desenvolvimento nacional tem sido o ponto fundamental de discussão no Governo Federal para tomadas de decisão na área de Defesa. Segundo a revista Isto É, pelos documentos vazados, a Boeing teria se comprometido com a Embraer a entregar o maior conjunto de offsets já oferecido pelos EUA a qualquer país não membro da OTAN. Além de prometer ingresso ao Brasil a mercados inacessíveis na área de Defesa, previa a construção conjunta de aviões de treinamento militar para pilotos que poderão, inclusive, serem vendidos para países da América Latina, e desenvolvimento de um jato de emprego multifuncional de quinta geração que poderia ser comercializado mundialmente. A Boeing se comprometeria também a abrir um centro tecnológico em território brasileiro.

Embora a aquisição dos novos caças se oriente por uma decisão de Governo, a FAB precisa definir o que pretende: é compra ou absorção tecnológica? Se for compra, que se opte pelaoferta mais barata; porém, se os quesitos absorção de tecnologia e mercado de exportação pesarem em mesmo nível que o quesito custo, a oferta mais barata pode, futuramente, sair mais cara.

Essa é uma questão fundamental que precisa ser analisada pelos tomadores de decisão: se as ousadas promessas da Boeing não são apenas parte da Estratégia Política dos Estados Unidos para tirar os franceses das negociações na área de Defesa com o Brasil.

A História está aí para quem quiser consultá-la. É preciso que os órgãos competentes tenham sensibilidade nestas questões antes da tomada de decisão para a aquisição dos caças.

Embora tal proposta estadunidense se mostre interessante e alinhada aos interesses brasileiros, é de suma importância que as autoridades políticas e de defesa analisem a História dos Programas de Cooperação Tecnológica da FAB e avaliem se o que ela tem a dizer se alinham com as promessas ou se confrontam com os interesses políticos e/ou econômicos dos EUA.

Experiência da FAB em programas de aquisição tecnológica

Em 1978, as empresas italianas Aeritalia e Macchi se envolveram em um consórcio para desenvolver aeronaves de caça. Este consórcio denominou-se Aeritalia Macchi Experimental (AMX). Buscava-se, em plena era dos caças multifuncionais de alto desempenho, desenvolver caças de ataque leve, que seriam empregados em missões de interdição, apoio aéreo aproximado e reconhecimento. Estas empresas acreditavam que caças como o F-16, Tornado, Jaguar e Mirage F1, aeronaves multifuncionais de alto desempenho, eram muito sofisticados para missões secundárias de apoio aéreo aproximado tático em um cenário de conflito europeu. Desejavam assim, desenvolver caças que, além de dispor de capacidade para operar em altas velocidades subsônicas à baixa altitude em qualquer horário do dia e se deslocassem de bases militares pouco aparelhadas e pistas danificadas, dispusessem também de baixa assinatura em infravermelho e capacidade auto-defesa propiciada por mísseis ar-ar, sistemas de contramedidas eletrônicas e canhões integrados.

Em 1979, a FAB convocou estas empresas interessada no seu projeto inovador de caça para um cenário de conflito sul americano. Em 1980, esta Força decidiu participar do Consórcio italiano e envolver a Embraer na construção de caças e na aquisição de know how para construção de aviões militares modernos. Ressalva-se que não era a primeira vez que a Embraer era envolvida em programas de aquisição de tecnologia de defesa com a Itália. Em 1971, a Embraer já se envolvido no programa de cooperação com a empresa italiana Aermarcchi para o desenvolvimento da aeronave Xavante. A fim de desenvolver um caça leve subsônico, a Embraer investiu cerca de 29% neste consórcio, enquanto que  a Aermarcchi investiu cerca de 24% e a Aeritalia cerca de 46,3%.

Os caças AMX italianos receberam capacete DASH 4 e bombas guiadas a IR Opher da empresa israelense Elbit, rádio M3AR (Série 6000) da subsidiária alemã Rohde & Schwarz, bombas guiadas a laser GBU-16 Paveway II da estadunidense Raytheon e canhões M-61 A1 de 20 mm com 6 canos giratórios da estadunidense General Electric. Já no desenvolvimento dos caças brasileiros, além da Embraer, que criou uma subsidiária para atender as necessidades do programa de cooperação, a Embraer Divisão de Equipamentos, a FAB também envolveu as empresas brasileiras Mectron, Eletromecânica Celma e Aeroeletrônica no programa de cooperação.

Em 1986, iniciou-se a produção inicial em série de 30 AMX, dos quais 21 caças ficaram com as empresas italianas e 9 caças ficaram com a FAB. Dos seis protótipos, dois vieram para o Brasil. Calculou-se, na época, que o custo médio de cada aeronave para a FAB chegou a ser de aproximadamente U$50 milhões, inclusos os gastos de engenharia e desenvolvimento. Criticava-se, tanto no Brasil quanto na Itália, os custos, atrasos no desenvolvimento do programa e a eficiência de emprego desses caças.

Elementos de análise para os tomadores de decisão: 

Buscarei elencar aqui alguns elementos de análise apontados pela História para que tomemos como lição para os futuros programas de cooperação tecnológica na área de Defesa:

(1) Quando os brasileiros decidiram participar do consórcio, os empresários italianos já estavam engajados no desenvolvimento de um caça de ataque com escopo já praticamente definido.

(2) A pouca experiência da FAB em participar de programas de cooperação com alta tecnologia agregada conduziu a Força acreditar que, após a na assinatura do Memorando de Entendimento (MOU), não haveria maiores resistências em modificar o escopo do projeto de caça.

(3) As inúmeras alterações pedidas pela FAB durante o desenvolvimento do programa de cooperação e os atrasos nos repasses financeiros elevaram exageradamente os custos da aeronave.

(4) Neste período crítico da década de 1990, as linhas de montagem se encontravam praticamente paralizadas por falta de peças.

(5) As entregas dos AMX se iniciaram em outubro de 1989 e só se encerraram em 1999. O contingenciamento orçamentário da FAB foi o principal motivo para a demora na entrega das unidades.

(6) Apenas o quarto e o sexto protótipos eram brasileiros. O quarto protótipo realizou seu primeiro voo em espaço aéreo brasileiro em outubro de 1985, em São José dos Campos, em São Paulo, O sexto protótipo realizou seu primeiro voo no Brasil, em dezembro de 1986. O único piloto de teste brasileiro foi Luiz Cabral, funcionário da Embraer. Embora o Brasil já contasse com pilotos de teste com qualificação para ensaios em voo no exterior, como o major-aviador Aldo Vieira da Rosa (pioneiro nesta área), o major-aviador José Mariotto Ferreira e o engenheiro Michel Cury, a FAB não dispunha de um centro especializado em qualificação para ensaio em voo em território nacional. Somente em 1986, o Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos, criou o curso de ensaios em voo para formar pilotos e engenheiros qualificados em planejar, executar e gerenciar atividades de ensaios em voos experimentais. Apesar de, desde 1987, o CTA formar pilotos de testes, somente em 2004, este curso obteve reconhecimento daSociety of Experimental Test Pilots (SETP), tornando o Brasil o único país na América do Sul a ter este curso reconhecido internacionalmente.

(7) Ao longo das décadas de 1980 e 1990, o Brasil sofria uma grave crise econômica. Em função do delicado período político que o País experimentava, a Defesa tinha importância secundária na agenda governamental. Com orçamento contingenciado pelas oscilações da política e da economia nacional, a Embraer foi forçada a demitir 3.994 funcionários só em 1990. Aproximadamente 30% do quadro de funcionários da empresa foram demitidos. Nos anos seguintes, mais funcionários foram demitidos pela empresa.

(8) A Embraer acreditava que o AMX seria um sucesso de exportação na América do Sul. O custo deste modelo de caça tornou-se muito caro para o período de crise da época. Embora com ênfase em ataques ar-superfície, os jatos de treinamento militar britânicos Hawk tiveram maior êxito comercial do que os caças AMX. O único país que se mostrou interessado em adquirir 12 unidades do AMX foi a Venezuela. No entanto, por pressão dos Estados Unidos, a Embraer ficou impedida de vender os caças para aquele país.

(9) A Embraer desenvolveu as asas e profundores, tomadas de ar, cabides, trens de pouso, tanques de combustível, pallet de reconhecimento, motores Rolls-Royce Spey Mk 807 sob licença e instalação de canhões nacionais. Ressalva-se que os EUA vetaram o fornecimento dos canhões M-61 A1 de 20 mm com 6 canos giratórios(sistema Gatling), da GE para os caças da Embraer.

(10) Por último, acredita-se que, embora o AMX tenha inovado em conceitos operacionais a FAB, a instável e isolada burocracia interna da Embraer, mesmo após a privatização, não criou uma política de valorização de recursos humanos estratégicos; o que permitiu que engenheiros e pilotos que participaram de grandes programas de cooperação tecnológica da FAB tivessem sua mão de obra absorvida pelo mercado mundial, abandonassem a área de Defesa ou fossem absorvidos por outras empresas nacionais. Após a privatização da empresa, em dezembro de 1994, a Embraer concentrou seu trabalho na aviação regional e na constituição de parcerias empresariais internacionais, comoa EADS, a Dassault, a Thales e a Snecma. Na área de Defesa, apesar do sucesso dos jatos de treinamento militar Super Tucanos, o fato desta aeronave dispor de componentes estadunidenses, sua comercialização está sujeita aos interesses dos EUA, como já mencionado.

Rumo ao domínio tecnológico para produção de caças

Em função destes elementos de análise citados no programa de cooperação AMX, acredita-se que o Brasil perdeu uma excelente oportunidade de absorver o conhecimento necessário para construir sozinho um avião de caça de superioridade aérea. Fundamental que os gestores dos contratos tecnológicos da FAB e das empresas brasileiras se conscientizem de que, somente após definido o projeto de caça desejado, sejam fechados os contratos com a empresa internacional escolhida. Isso reduzirá o tempo de desenvolvimento e de entrega das aeronaves e, principalmente, reduzirá os custos de investimento no Programa de Cooperação Tecnológica.

Importante considerar que o reduzido avanço na capacitação técnica nacional, tanto na FAB quanto nas indústrias envolvidas, deve ser relativizado. Embora as empresas envolvidas não sejam capazes ainda hoje de produzir sozinhas algumas das tecnologias absorvidas do Consórcio AMX, como as bombas guiadas a laser, é importante considerar os avanços tecnológicos de bombas guiadas que os futuros caças da FAB podem dispor a partir das indústrias nacionais.

O desenvolvimento da bomba guiada por sistemas de navegação inercial e por GPS nacional, a SMKB, é o retrato da capacidade de inovação das indústrias brasileiras. Esta bomba guiada está sendo produzida por meio da união das empresas brasileiras Britanite Defence Systems (agora chamada
 EAQ, membro do grupo SDS Synergy Defesa & Segurança),  com a Mectron, atual Organizações Odebrecht, desde novembro de 2009. Enquanto a EAQ se encarrega do projeto, dos componentes mecânicos e pela comercialização, a Mectron se encarrega de desenvolver os conjuntos e subconjuntos eletrônicos, como o sistema de guiagem destas bombas.

Se o desenvolvimento tecnológico brasileiro é prioritário na decisão da aquisição dos caças para a FAB, diante da História, o que devemos sempre nos perguntar é até que ponto vai o interesse dos EUA em manter as suas promessas, se já, em muitos outros momentos da História, impediram este desenvolvimento. Neste quesito, ao que parece, tanto o Gripen quanto o Rafale atendem as necessidades da indústria nacional. Como já discutido, se exportar também faz parte dos objetivos futuros da Embraer, nem a Boeing nem a Saab, a qual também conta com tecnologia estadunidense, lhe propiciará isso. Haja visto, como já mencionado os canhões da GE para a Embraer e os Super Tucanos para a Venezuela, vetados pelos EUA. A comercialização de tecnologias com participação dos EUA sempre está condicionada a política deste País.

Conclui-se que, a FAB deve escolher um caça que lhe permitirá dominar todo o ciclo tecnológico. A inovação tecnológica será garantida com a combinação do que os engenheiros e técnicos brasileiros já absorveram de outros programas de cooperação tecnológicos com o que aprenderá se envolvendo neste novo projeto de caça. Nada impede que a FAB tenha um modelo de caça próprio e que, paralelamente, a Embraer desenvolva outro modelo de caça de combate voltado para exportação.

O alto custo de investimento numa aeronave pode ser recompensado tanto por meio dos offsets recebidos pelas indústrias nacionais quanto por meio da própria exportação das aeronaves. É importante ressalvar que, se os nossos técnicos e engenheiros não são capazes de acompanhar o nível tecnológico de aeronaves de quinta geração, é preferível que a FAB adquira uma aeronave de tecnologia mais antiga, a qual os engenheiros e técnicos brasileiros tenham condições de acompanhar e desenvolver. Caso contrário, o custo de uma aquisição tecnológica sairá ainda mais caro para os cofres públicos.

A França, além de dominar tecnologias estratégicas na área de Defesa, tem se comprometido política, militar e estrategicamente, em contribuir com a maior projeção brasileira no sistema internacional. Como afirmou o primeiro-ministro francês Georges Clemenceau (1841-1929), “aguerra é um assunto muito importante para ser deixado a cargo dos Generais”. Não cabe aqui julgar se o Rafale permitirá ou não a Embraer absorver a capacidade de desenvolver sozinha novos caças de combate aéreo no futuro, mas desconsiderar a História é torná-la cíclica.

Que os tomadores de decisão considerem questões como as que foram expostas ao fecharem o grande acordo para a aquisição de 36 caças para a FAB. Lembrem-se de que, no total dos 120 caças de combate aéreo necessários para a Força, previstos na Estratégia Nacional de Defesa, um dia, num futuro muito próximo, teremos que ser capazes de projetar, construir, operar e manter os nossos próprios caças.

Correio Braziliense - Oriente Médio por Hussein Ali Khalout


Ocidente x Islã: Lições do passado para o futuro

O conflito entre o mundo ocidental e o mundo muçulmano, acentuado desde o começo do século XX, ganhou contornos que escapam à compreensão comum. Enquanto uns recusam-se a entender o rechaço das massas islâmicas às interlocuções com o Ocidente, outros atribuem isso à ausência de liberdade e de democracia no seio destas sociedades, tidas como primitivas.  
A universalidade do mundo mulçumano é extensa, abarcando distintos grupos civilizacionais e culturais. As fronteiras do Islã estendem-se do extremo Oriente ao extremo Ocidente. Os indivíduos que professam a fé muçulmana são estimados em aproximadamente dois bilhões de pessoas - cerca de 25% da população mundial, distribuídos por todos os continentes.
A civilização muçulmana chegou a Europa no século VII e por lá permaneceu até a Inquisição, no fim do século XV. Seus maiores legados consistem no progresso do sistema econômico-comercial europeu, no desenvolvimento de ciências como medicina, a astrologia, a física, a química e a matemática, além de contribuições significativas no campo das artes e da literatura. Esse período representa o apogeu da integração e do intercâmbio de conhecimento entre o mundo ocidental e o mundo islâmico, o que levou a humanidade a um patamar superior de progresso.
Na era contemporânea, o declínio do diálogo entre o Ocidente e o mundo muçulmano pode ser descrito à luz de três axiomas temporais importantes: o colonialismo europeu no mundo árabe e islâmico entre o século XIX e meados do XX; o inarredável alinhamento euro-americano ao Estado de Israel no conflito com os Palestinos após 1947; a guerra dos falcões americanos contra o Iraque neste início de século XXI.
Para a sociedade árabe e islâmica, o colonialismo franco-britânico não apenas buscava a exploração das riquezas desses países, mas também descaracterizar seus pilares culturais, seus costumes e sua organização social. Na psique islâmica, as potências ocidentais não compreenderam a universalidade da sociedade muçulmana e ignoraram a sua dinâmica na medida em que, pela força, buscaram impor modelos de governança política incompatíveis com a suas tradições político-sociais.
A consolidação dos Estados Unidos como potência hegemônica após o fim da II Guerra Mundial levou a um novo ordenamento geopolítico no Oriente Médio. Esse novo modelo de neocolonialismo estava calcado no controle das matrizes energéticas dos países árabes a partir da instauração de regimes totalitários subservientes - o que alterou sobremaneira a dinâmica do dialogo entre o ocidente e a civilização islâmica.
Mas foi a eclosão do conflito árabe-israelense, em 1947, que potencializou o surgimento do islamismo radical. A conivência dos governos americanos e europeus com sistemática violação aos direitos do povo palestino, conjugada à inoperância diplomática para solucionar o contencioso, fomentou a criação de guerrilhas fundamentalistas e de movimentos extremistas antiocidentais.
Mais recentemente, o repúdio ao Ocidente foi agravado pela invasão anglo-americana ao Iraque. Era indisfarçável o interesse na tomada do petróleo iraquiano na guerra injustificada de Bush e Blair. Para a sociedade islâmica, o ataque representou uma ameaça direta à autodeterminação dos povos mulçumanos, o que também confirmou sua absoluta descrença nas instituições internacionais.
O plano de um novo Oriente Médio traçado pela “doutrina Bush” é uma radicalização da estratégia elaborada por Henry Kissinger, ainda nos anos 1970, cujo alicerce baseia-se em três pontos cardeais: o petróleo, a segurança do Estado de Israel e a contenção do islamismo.  
E foi pelo fomento ao sectarismo no mundo árabe e muçulmano que se procurou impedir a expansão do Islã. Embates internos mantém a tensão social elevada e inviabilizam a construção de objetivos comuns, o que perpetua a dependência das comunidades étnico-religiosas do Ocidente. Um mundo árabe coeso e um islamismo unificado seria a antítese do que os EUA, a Europa e Israel desejam. Foi assim no Líbano, durante a guerra civil; no Iraque, na última década; na intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na Líbia e, agora, na Síria.  
O dialogo pacífico entre o Ocidente e o mundo islâmico está centrado nas mãos das potências ocidentais. A resolução da questão Palestina é a chave para se pavimentar a coexistência harmoniosa entre os dois mundos.
De sua parte, as massas do mundo árabe e muçulmano que impulsionaram o levante denominado de Primavera Árabe parecem ter compreendido que os desafios mais prementes de seu ordenamento social consistem na construção de numa sociedade pluralista, tolerante e justa socialmente – uma contraposição às ditaduras totalitárias historicamente apoiadas pelas potências ocidentais. Democracia e islamismo político não são excludentes, como demonstra o eficiente modelo político da Turquia.  
 Apesar de suas diferenças culturais, o Ocidente e o Islã são bem mais complementares do que excludentes - assim foi no passado e assim poderá ser no futuro.

HUSSEIN ALI KALOUT, É CIENTISTA POLÍTICO, ESPECIALISTA EM ORIENTE MÉDIO PELA UNIVERSIDADE ÁRABE DE BEIRUTE, PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Uma breve reflexão neorrealista sobre a questão do Oriente Médio


Por  Alessandra Morais

O embate pela Palestina tem efeitos que se difundem por todo o Oriente Médio. Por esse motivo, os países árabes vivem em constante tensão política. No que tange à essa conjuntura, os pensamentos neorrealistas constroem lentes interpretativas do caso Oriente Médio, onde os conflitos de interesse entre as potências dessa região são um obstáculo para a solução do conflito Judaico-palestino.
As divergências entre as potências regionais do Oriente Médio de um ponto de vista teórico podem ser analisadas a partir da premissa neorrealista da competição entre os atores. Tal concepção pode ser interpretada a partir da ideia de que cada Estado que possui soberania organiza a sua agenda de forma a ter como principal objetivo a sua sobrevivência.
Com base no pensamento neorrealista de que o interesse primordial dos Estados é a segurança, cada ator almejará a sua permanência como Estado-nação no sistema internacional. Esse reconhecimento pode ser conseguido através do uso de instrumentos políticos ou do Direito Internacional.
Segundo o pensamento da escola neorrealista, o balanço de poder é a equivalência de poder entre as entidades estatais que lhes cria uma situação de equilíbrio. Pode ser criado pelos atores de forma deliberada ou espontaneamente no sistema em virtude de compatibilidades e arranjos naturais que se formam.
O ator internacional utiliza o balanço de poder para aumentar o número de Estados em sua aliança ou diminuir a aliança de outro Estado, sendo assim, os Estados fracos recorrem a esse método para não serem destruídos ou atacados, criando um possível equilíbrio de poder. Todavia, o balanço de poder é de difícil alcance quando há mais de dois pólos de influência.
O bandwagon, conceito formado pelos neorrealistas, é uma aliança conjunta entre os países, formando assim, um grupo de Estados dispostos a cooperar para alcançarem a realização de suas agendas, pois segundo os seus pensadores, os países não se agrupam ou alinham-se automaticamente.
Os países árabes mantêm-se no velho conceito realista de que os Estados são atores racionais, soberanos e unitários e por essa vertente, não haveria espaço para um possível bandwagon, sendo assim, os Estados não praticariam a estratégia de agrupamento em torno dos pólos para haver um possível balanço de poder e consequentemente o seu equilíbrio.
A solução do conflito Judaico-palestino é de difícil alcance por haver a multipolaridade na região, dificultando o estabelecimento de uma liderança, pois segundo Waltz, um sistema duopólio facilita a mobilidade dos atores e a política de balanço de poder. Sintetiza-se que os Estados agem com racionalidade e egoísmos, cooperando apenas para alcançar os seus interesses e ganhos relativos.

CARR, Edward. Vinte anos de crise: 1919-1939. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2001.
COOK, Steven A. Nas areias movediças do Oriente Médio, 2012. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,nas-areias-movedicas-do-oriente-medio,961615,0.htm. Acesso em: 20 de novembro de 2012.
NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Editora Saraiva, 2005.
WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics. New York: Random House, 1979.