quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Correio Braziliense - Oriente Médio por Hussein Ali Khalout


Ocidente x Islã: Lições do passado para o futuro

O conflito entre o mundo ocidental e o mundo muçulmano, acentuado desde o começo do século XX, ganhou contornos que escapam à compreensão comum. Enquanto uns recusam-se a entender o rechaço das massas islâmicas às interlocuções com o Ocidente, outros atribuem isso à ausência de liberdade e de democracia no seio destas sociedades, tidas como primitivas.  
A universalidade do mundo mulçumano é extensa, abarcando distintos grupos civilizacionais e culturais. As fronteiras do Islã estendem-se do extremo Oriente ao extremo Ocidente. Os indivíduos que professam a fé muçulmana são estimados em aproximadamente dois bilhões de pessoas - cerca de 25% da população mundial, distribuídos por todos os continentes.
A civilização muçulmana chegou a Europa no século VII e por lá permaneceu até a Inquisição, no fim do século XV. Seus maiores legados consistem no progresso do sistema econômico-comercial europeu, no desenvolvimento de ciências como medicina, a astrologia, a física, a química e a matemática, além de contribuições significativas no campo das artes e da literatura. Esse período representa o apogeu da integração e do intercâmbio de conhecimento entre o mundo ocidental e o mundo islâmico, o que levou a humanidade a um patamar superior de progresso.
Na era contemporânea, o declínio do diálogo entre o Ocidente e o mundo muçulmano pode ser descrito à luz de três axiomas temporais importantes: o colonialismo europeu no mundo árabe e islâmico entre o século XIX e meados do XX; o inarredável alinhamento euro-americano ao Estado de Israel no conflito com os Palestinos após 1947; a guerra dos falcões americanos contra o Iraque neste início de século XXI.
Para a sociedade árabe e islâmica, o colonialismo franco-britânico não apenas buscava a exploração das riquezas desses países, mas também descaracterizar seus pilares culturais, seus costumes e sua organização social. Na psique islâmica, as potências ocidentais não compreenderam a universalidade da sociedade muçulmana e ignoraram a sua dinâmica na medida em que, pela força, buscaram impor modelos de governança política incompatíveis com a suas tradições político-sociais.
A consolidação dos Estados Unidos como potência hegemônica após o fim da II Guerra Mundial levou a um novo ordenamento geopolítico no Oriente Médio. Esse novo modelo de neocolonialismo estava calcado no controle das matrizes energéticas dos países árabes a partir da instauração de regimes totalitários subservientes - o que alterou sobremaneira a dinâmica do dialogo entre o ocidente e a civilização islâmica.
Mas foi a eclosão do conflito árabe-israelense, em 1947, que potencializou o surgimento do islamismo radical. A conivência dos governos americanos e europeus com sistemática violação aos direitos do povo palestino, conjugada à inoperância diplomática para solucionar o contencioso, fomentou a criação de guerrilhas fundamentalistas e de movimentos extremistas antiocidentais.
Mais recentemente, o repúdio ao Ocidente foi agravado pela invasão anglo-americana ao Iraque. Era indisfarçável o interesse na tomada do petróleo iraquiano na guerra injustificada de Bush e Blair. Para a sociedade islâmica, o ataque representou uma ameaça direta à autodeterminação dos povos mulçumanos, o que também confirmou sua absoluta descrença nas instituições internacionais.
O plano de um novo Oriente Médio traçado pela “doutrina Bush” é uma radicalização da estratégia elaborada por Henry Kissinger, ainda nos anos 1970, cujo alicerce baseia-se em três pontos cardeais: o petróleo, a segurança do Estado de Israel e a contenção do islamismo.  
E foi pelo fomento ao sectarismo no mundo árabe e muçulmano que se procurou impedir a expansão do Islã. Embates internos mantém a tensão social elevada e inviabilizam a construção de objetivos comuns, o que perpetua a dependência das comunidades étnico-religiosas do Ocidente. Um mundo árabe coeso e um islamismo unificado seria a antítese do que os EUA, a Europa e Israel desejam. Foi assim no Líbano, durante a guerra civil; no Iraque, na última década; na intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na Líbia e, agora, na Síria.  
O dialogo pacífico entre o Ocidente e o mundo islâmico está centrado nas mãos das potências ocidentais. A resolução da questão Palestina é a chave para se pavimentar a coexistência harmoniosa entre os dois mundos.
De sua parte, as massas do mundo árabe e muçulmano que impulsionaram o levante denominado de Primavera Árabe parecem ter compreendido que os desafios mais prementes de seu ordenamento social consistem na construção de numa sociedade pluralista, tolerante e justa socialmente – uma contraposição às ditaduras totalitárias historicamente apoiadas pelas potências ocidentais. Democracia e islamismo político não são excludentes, como demonstra o eficiente modelo político da Turquia.  
 Apesar de suas diferenças culturais, o Ocidente e o Islã são bem mais complementares do que excludentes - assim foi no passado e assim poderá ser no futuro.

HUSSEIN ALI KALOUT, É CIENTISTA POLÍTICO, ESPECIALISTA EM ORIENTE MÉDIO PELA UNIVERSIDADE ÁRABE DE BEIRUTE, PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO BRASIL.

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