domingo, 15 de julho de 2012

Artigo de Leonardo Barreto Cientista Político.

Demóstenes Torres: um personagem atrás do seu tempo


Leonardo Barreto, cientista político
Artigo publicado na edição de hoje do jornal O Popular, de Goiânia

Em um episódio como a cassação de Demóstenes Torres, o desfecho é sempre o resultado da interação mantida entre o personagem e a trama que o envolve. A respeito do senador, chama atenção o seu senso de inconsequência. É provável que a História registre Demóstenes, como “o breve”. Mas também pode adjetivá-lo como o “inconsequente”, fazendo referência à sua crônica capacidade de fazer escolhas erradas e de não entender o terreno no qual estava pisando. 

Assusta a quantidade de comportamentos imprudentes associados a Demóstenes: sendo promotor e secretário de justiça, não podia manter amizade com um notório criminoso. Mas decidindo ser fiel aos laços fraternos mantidos com Cachoeira, não podia seguir vida pública. Mas tornando-se senador, não devia discutir questões do seu mandato com o amigo bicheiro. E abrindo o mandato aos pitacos do contraventor, não era prudente tornar-se o Don Quixote da ética. Tendo tantos esqueletos no armário, menos cuidadoso foi pautar sua carreira no ataque ético de figuras do peso do Senado como Renan Calheiros, por exemplo.

Sendo descoberto, não deveria irritar seus colegas recusando-se a falar em depoimento da CPI, gabando-se das suas amizades privilegiadas e pedindo ao STF que interferisse no andamento dos processos internos do Senado. Por fim, sendo réu, não deveria ter confrontado abertamente o relator do seu processo, despertando a ira do seu julgador, ao invés do seu senso de clemência.

Tantos passos errados construíram uma trajetória torta e frágil. 

Mesmo assim, ela ruiu de forma inesperadamente rápida para os padrões do Senado. Por quê? Aí entra a trama. 

Somadas, todas essas razões não bastam para explicar o desfecho do caso Demóstenes. Seu pecado capital foi outro. Logo no início do escândalo, ao discursar em plenário para dizer possuir ligação superficial com Cachoeira, o senador permitiu que mais de quatro dezenas de colegas lhe prestassem solidariedade publicamente por meio de apartes à sua fala. Esse foi seu pecado original.

Ao deixar que os senadores empenhassem suas reputações na sua defesa, Demóstenes expôs seus pares ao ridículo. Velozmente, na medida em que suas ligações com Cachoeira eram reveladas, seus apoiadores daquela noite também eram cobrados, arcando com grande prejuízo de imagem. Ao final, só restou-lhes uma maneira de “lavar a honra”. Precisavam prestar contas aos seus eleitores e rifar Demóstenes foi a melhor forma de fazer isso.

É interessante que, ao final, em seu discurso de defesa, tudo que Demóstenes pedia era o direito sagrado ao corporativismo. Recebeu um não solene e impassível. 

Olhando novamente para História, há outro aspecto importante. A democracia tornou a competição política cada vez mais aguda. Aqueles que persistirem nas velhas práticas e esquemas de proteção serão expelidos em uma velocidade cada vez maior. Os adversários estão cada vez mais atentos e os embates mais virulentos. E, curiosamente, eles podem ser benéficos para as boas práticas políticas, dado que os erros serão cada vez menos tolerados. 

As regras do jogo mudaram. Ícones da política tradicional estão impedidos de concorrer pela legislação, ministros do STF cobrados publicamente pelos seus colegas, governadores presos no exercício dos seus mandatos e até veículos de imprensa patrocinando investigações uns sobre os outros, quebrando seu velho corporativismo tácito.

Há um novo mundo lá fora para os políticos, autoridades, magistrados e órgãos de governo. Mais competitivo, transparente e intolerante. Não há lugar para ingênuos nem para inconsequentes. O acesso ao mundo político é cada vez mais difícil e a sua permanência muito mais incerta. Que a imagem final de Demóstenes lembre a todos disso: na saída do julgamento político, restou apenas o seu fantasma deixando o plenário: equivocado, apagado e sozinho.

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