quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Estado Palestino – Possibilidade em meio à intolerância

Por: Otoniel Otoni

Mais uma vez a cena se amplia para abarcar nova crise entre palestinos e judeus. Essa semana, a Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU) será palco de novos atos desse espetáculo perene protagonizado, por um lado, por líderes praticantes da intolerância como estratégia para a construção de supostos interesses coletivos, os quais, não raro, se apresentam com delineamento fortemente manipulado, e, por outro lado, por atores da cena política ocidental, ávidos pela satisfação de interesses comerciais e de dominação.
Assistir ao espetáculo e tomar partido de um dos lados é atitude comum aos integrantes da Academia, da mídia e a todos os envolvidos ou interessados no tema. Afinal, todo fato gerador de disputas produz o surgimento de torcidas, organizadas ou não, espontâneas ou induzidas.
Entretanto, entender o contexto e suas implicações requer muito mais que títulos acadêmicos ou aptidão jornalística. Requer um conhecimento além do real em seu fundamento etéreo, cronologicamente tão distante quanto a história pode alcançar, ideologicamente tão complexo quanto a ficção política pode criar e religiosamente tão doutrinário quanto os dogmas podem produzir.

O resgate histórico

Dessa forma, importa, para melhor entendimento da questão, empreender a busca das raízes históricas milenares dos povos judeus e dos árabes, nesses últimos integrados os palestinos.
Para tanto, faz-se necessária uma regressão temporal de mais de 4 mil anos, até cerca do ano de 2.220a.C., quando começa a saga e a peregrinação do personagem bíblico Abraão, responsável pelo início do processo de formação do povo judeu, processo esse a se arrastar por cerca de um milênio, com a sucessão de diversos líderes notáveis, e a resultar na criação de uma nação teocrática na costa oriental do Mar Mediterrâneo.
Curiosamente, o primeiro na linhagem judia, Abraão, se torna o primeiro na linhagem árabe. Tal paralelismo se verifica a partir dos filhos do patriarca; o primogênito, Isaque, filho de Abraão com Sara, e o segundo, Ismael, filho de Abraão com Hagar, sua escrava. Sem entrar em detalhes de dimensões enciclopédicas, destaque-se a associação, aos dois garotos, de promessas divinas de origem de duas grandes nações, a derivar daí o povo judeu, originário de Isaque, e o provo árabe, originário de Ismael.
A circunstância em que se deu o surgimento de árabes e judeus e a sua determinística separação como povos inimigos encena a manifestação da intolerância de forma permanente entre Isaque e Ismael, em conflito desde a infância, protagonistas de uma briga de família hoje representada pelo conflito árabe-israelense.
Inicialmente, a superioridade judaica de origem, determinada pela descendência escrava de Ismael, bem como a fé em um Deus exclusivo (Jeovah), relegava os povos árabes a uma condição desfavorável. Porém, quase 2 mil anos depois da criação do Estado judeu, surge a figura do profeta Maomé, por meio do qual se dá a criação e a implantação do islamismo, fator de fortalecimento e união árabe.
A fé religiosa é determinante no comportamento dos dois povos, com o fanatismo e a intolerância a proporcionarem fases de violência, invasões e massacres de lado a lado.

O contexto contemporâneo

O resgate do período mais recente, necessário para o entendimento do contexto atual, retoma a cronologia em 1948, com a restauração do Estado judeu em parte do território historicamente ocupado.
A fragilização do povo judeu, a partir do extremo sofrimento imputado pela guerra e pela morte de cerca de 6 milhões, favoreceu a votação da ONU para a criação do Estado nacional em área então dominada pela Inglaterra como possessão.
A falta de entendimento para a criação simultânea do Estado palestino produziu situação de inevitável descontrole e previsíveis conflitos, na qual a população de árabes da área transformada em Estado Judeu passou, de um momento ao outro, de nativos seculares a habitantes de um território inimigo, produzindo e exacerbando o ideal separatista e de estabelecimento de um Estado próprio.
A partir de então, o Estado Palestino vem sendo reclamado diuturnamente, embora O contexto de comoção mundial, aliado a motivos de dominação regional pelo ocidente, estabeleceu condições desiguais no âmbito das Nações Unidas nas tratativas das questões relacionadas ao Oriente Médio. Os Estados Unidos, com população judaica influente e poderosa, a partir da sedimentação do cenário da Guerra Fria, surge, estrategicamente, como aliado e protetor de Israel.
A partir de então, o Estado Palestino vem sendo reclamado diuturnamente, embora sem perspectiva de concretização, haja vista a pouca vontade política para soluções que favoreçam povos árabes, em especial os palestinos. Afinal, a nação palestina já está consolidada de longa data e organizada como Estado em bases suficientes, como estava Israel em 1948. Falta, então, apenas o reconhecimento internacional e a sua aceitação como membro da ONU.

Iniciativas para o reconhecimento

Agora, o mundo assiste assustado à decisão da Autoridade Nacional Palestina de solicitar formalmente, na reunião da Assembléia Geral da ONU, a ser realizada na próxima semana, o reconhecimento do Estado Palestino como membro oficial daquele organismo multilateral.
A coerência, o bom senso, a parcimônia, a isonomia, o respeito, são princípios a reclamar apoio à iniciativa palestina. Entretanto, o interesse parcializado dos países dominantes produzem posicionamentos contrários á pretensão palestina, os quais têm por finalidade a modelagem do melhor cenário para seus interesses próprios, em detrimento da cooperação e do bom relacionamento entre as nações, a resultar, em última análise, em um deterioramento nos laços unificadores da comunidade internacional.
Ao anúncio da intenção palestina junto à ONU, reações imediatas se fizeram ecoar por todo o globo, alertando para os riscos. O Primeiro Ministro de Israel, representante do inimigo eterno, já tem programado seu discurso contrário e sectário a ser proferido na sessão que deverá tratar o tema. Emissários ocidentais apressaram-se na tentativa de promoverem a desistência da intenção de reconhecimento. Mas, como convencer uma nação já organizada como Estado a não pleitear o justo reconhecimento? Como atingir esse convencimento apresentando como alternativa condicionante a negociação com Israel? Não deve ser levado a sério quem apresenta como alternativa de solução a sujeição do pretendente à condição de refém do inimigo.
Como fator complicador do contexto e fragilizador dos argumentos ocidentais, se faz presente a atual onda de movimentos populares árabes, indutora da derrubada de regimes autoritários para a ascenção ao poder de supostas lideranças de tendências políticas nem sempre definidas, não legitimadas localmente, algumas de origem violenta e transgressora, para as quais a ONU antecipa a iniciativa do reconhecimento como representantes nacionais, a exemplo do chefe tribal elevado à condição de representante oficial da Líbia.
O posicionamento final da ONU sobre a pretensão de reconhecimento palestino parece já estar previamente definido e anunciado como denegatório, com o uso do poder de veto dos Estados Unidos no Conselho de Segurança, se necessário.
A esse respeito, importa perceber a natureza autoritária e contraditória dessa lógica, a qual pode ser considerada o avesso do princípio democrático tão defendido pelo moderno mundo ocidental. É regra geral, em instituições democráticas, a existência de conselhos para tratar de assuntos específicos. Entretanto, diante de impasses ou inviabilidade de decisões no seu âmbito, os assuntos são submetidos à Assembléia Geral, detentora do poder maior. Na ONU, ocorre o contrário, com as decisões da Assembléia Geral sendo suplantadas e anuladas pelo poder maior do Conselho de Segurança.
Quiçá, na votação do pleito palestino, a Assembléia Geral, em sua maioria, apóie a iniciativa, se não de forma prevalecente, para forçar o Conselho de Segurança a lançar mão, mais uma vez, do instituto antidemocrático do veto, pois, como resultado, o Estado Palestino poderá passar a ter potencializada a sua legitimação pela maior parte dos Estados membros e o ato do Conselho, ou seja, o veto, poderá contribuir para a consolidação da sua condição de não confiabilidade e fortalecer a corrente pró reforma institucional da ONU.

Nenhum comentário:

Postar um comentário