sábado, 10 de dezembro de 2011

Estadão - Artigo de Ariel Palacios.

Cristina Kirchner: a milionária presidente que prega o “nacionalismo popular”

Este será o segundo mandato de Cristina. Mas, será o terceiro do kirchnerismo. Ou, o terceiro mandato “pinguino”. E será o primeiro mandato de Cristina sem a presença do defunto marido e ex-presidente.
“Um espelho! Quero um espelho!”. O pedido desesperado – em tom de exigência – foi pronunciado em julho de 1982 por Cristina Elisabet Fernández de Kirchner. Ela havia acabado de acordar no hospital de Río Gallegos, capital da província de Santa Cruz, na Patagônia. Uma hora antes havia sofrido um grave acidente de carro do qual salvou-se da morte por um triz. Coberta de sangue, logo que recuperou a consciência, sua primeira preocupação foi seu estado estético. Os médicos e enfermeiras estavam estupefatos.
Quase três décadas depois do acidente, as pessoas que conheceram a atual primeira-dama na época indicam que esse “causo” ilustra bem seu caráter: “vaidosa” e “autoritária”. Assim é Cristina Kirchner, capaz de ter um acesso de fúria por uma marca errada de água mineral colocada em cima de sua mesa ou por uma crítica da imprensa, inclusive com uma caricatura que destaque seus lábios – supostamente – recheados de botox. Os humoristas deliciam-se em ilustrá-la como uma “shopaholic”.
A revista “Notícias” afirmou em seu primeiro ano de governo que era psicologicamente “bipolar”. Seus antigos colegas do Senado reconhecem sua oratória mas a definem como “arrogante”. Mas, Cristina retruca. Ela afirma que as críticas não passam de comentários “machistas” e “misóginos”.
Cristina, a segunda presidente mais rica da América do Sul, com US$ 17 milhões – segundo a declaração oficial de bens, basicamente investidos em imóveis e aplicações financeiras – é uma declarada admiradora de Evita Perón, a “mãe dos humildes”. Cristina, cuja fortuna aumentou 930% desde 2003, define sua política como “nacional e popular”, mais conhecida pela abreviatura “nac e pop”.
Em abril de 2003, pouco após o primeiro turno presidencial, Cristina e seu marido, Nestor Kirchner, receberam o Estado para uma entrevista em seu apartamento no elegante bairro da Recoleta. Ali admitiram que nunca haviam estado no Brasil, a não ser no aeroporto de Cumbica como escala para viagens às americanas Nova York e Miami, únicas cidades que conheciam fora da Argentina. Mas, ao chegar ao poder, Cristina e seu marido transformaram-se em enfáticos defensores da unidade sul-americana e visitaram os países que antes não conheciam.
ADVOGADA - Nascida na cidade bonaerense de La Plata em 1953, Cristina estudou Direito (mas antes havia feito um ano de Psicologia). No curso conheceu um estudante veterano desajeitado, estrábico, que falava com a língua presa e disparava perdigotos. Cristina, que apaixonou-se por ele, salientou que foi cativada por seu senso de humor. O rapaz mal-ajambrado era Néstor Kirchner, que após o golpe de Estado de 1976 a levou para sua terra natal, Rio Gallegos, onde a repressão do regime militar era menor.
Ali, os dois, que haviam militado na Juventude Peronista – embora sem cargos de importância – dedicaram-se ao lucrativo negócio das hipotecas de casas. Durante o regime militar os casal de advogados não assinou hábeas corpus algum em favor de prisioneiros políticos, assunto sobre o qual os Kirchners calam.
Nos anos 80 ele foi eleito prefeito de Río Gallegos, enquanto ela transformava-se em deputada. Quando Néstor elegeu-se governador, ela chegou ao Senado. Durante a presidência do marido participou das decisões mais cruciais do governo.
Em 2007 ela tornou-se a primeira cônjuge na História do mundo a suceder o próprio marido por intermédio das urnas. Até o ano passado o plano do casal era continuar as sucessões alternas de forma indefinida. Mas, a morte de Kirchner, no dia 27 de outubro do ano passado, interrompeu drasticamente o projeto. Cristina, de luto, citando o marido morto em todos seus discursos, fez campanha para suceder a si própria. Neste sábado ela toma posse como presidente reeleita (a primeira mulher reeleita na História da A.Latina).
Este será o segundo mandato de Cristina. Mas, será o terceiro do kirchnerismo. Ou, o terceiro mandato “pinguino”. E será o primeiro mandato de Cristina sem a presença do defunto marido e ex-presidente.
BIOGRAFIAS - Cristina já acumula três biografias best-sellers. A primeira, com o título de “Rainha Cristina”, foi escrita por sua amiga de faculdade, a jornalista Olga Wornat. A segunda, “Cristina, de parlamentar combativa a presidente fashion”, é de Sylvina Walger, que realiza uma ácida anatomia da personalidade da presidente. A última, da jornalista Sandra Russo, que trabalha no canal estatal TV Pública, é “A presidenta. História de uma vida”, livro que elogia a vida e obra de Cristina.
PODER - Cristina assume com um amplo poder conseguido graças aos 54,1% dos votos nas eleições presidenciais de outubro, além de iniciar o novo mandato com maioria – graças a parlamentares próprios e aliados – no Senado e na Câmara de Deputados.
Entre os 24 governadores das províncias, Cristina terá a obediência direta de 19. Dois governadores são aliados permanentes, enquanto que outro, José Manuel de La Sota, de Córdoba, alinha-se com o governo circunstancialmente. Somente os dois governadores restantes – Maurício Macri, do Distrito Federal de Buenos Aires, e Cláudio Poggi, de San Luis – representam a oposição. No entanto, o próprio Macri deixou claro que pretende evitar confrontos com a presidente Cristina.
Apesar do grande poder com o qual inicia o novo mandato, Cristina também herdará do governo anterior – isto é, dela própria – uma série de problemas econômicos cujas soluções adiou ao longo dos últimos quatro anos. No entanto, a equipe econômica permanece praticamente a mesma. Somente muda o ministro da Economia, já que o ocupante dessa pasta, Amado Boudou, será empossado como vice-presidente. Seu sucessor, Hernán Lorenzino, ex-secretário de finanças, é seu homem de confiança.
O novo gabinete é praticamente igual ao antigo, já que a presidente só mudou três de seus 19 ministros.
Cristina destacou que haverá “continuidade do modelo” econômico. Mas, desde as eleições do dia 23 de outubro a presidente deu uma guinada ao afastar-se dos sindicatos – os históricos suportes políticos dos governos peronistas – e aproximou-se do empresariado, com o qual havia tido uma relação de elevada tensão desde sua posse em 2007. Enquanto que os sindicalistas afirmam que sentem saudade de Kirchner e começam a criticar sua viúva, os empresários emitem elogios rasgados sobre a presidente Cristina.
PARLAMENTO PRÓPRIO - Na Câmara de Deputados, a presidente Cristina – que comanda a Frente pela Vitória, uma sublegenda do Partido Justicialista (Peronista) – contará com 115 parlamentares próprios, além de outros 20 aliados. Isto é, ela terá 135 deputados (seis cadeiras a mais do número necessário para o quorum, de 129 cadeiras). Desta forma, encerra-se a fase dos últimos dois anos, quando, depois da derrota nas eleições parlamentares de 2009, o governo Kirchner ficou em minoria.
No total, a Câmara tem 257 cadeiras. Destes, a União Cívica Radical, que nos últimos 60 anos foi a grande rival do Peronismo, terá 41 deputados. No entanto, o partido está dividido entre “moderados”, os simpatizantes do kirchnerismo e um pequeno grupo que opõe-se a qualquer tipo de acordo com o governo.
A Frente Ampla Progressista (FAP), coalizão de centro-esquerda comandada pelos socialistas, que prometeu protagonizar uma “oposição responsável”, terá 22 deputados.
O peronismo dissidente (basicamente os setores conservadores desse partido), reunido na Frente Peronista, contará com 23. O partido de centro-direita Proposta Republicana (PRO) terá 13 parlamentares, enquanto que a Coalizão Cívica, de centro-esquerda, ficará com seis cadeiras. Os restantes 17 deputados de oposição espalham-se em pequenos partidos que oscilam entre a direita e a esquerda. Destes, os partidos provinciais reúnem 13 deputados.
No Senado a presidente também terá maioria. Das 72 cadeiras (para quorum precisa 37), o kirchnerismo contará com 33 senadores próprios, além de cinco aliados peronistas (um total de 38 cadeiras), entre os quais o ex-presidente Carlos Menem. “El Turco” deixou de ser “inimigo” e passou ao status de “colaborador”.
A UCR será a primeira minoria, com 17 senadores. O peronismo dissidente, que sofreu um êxodo de seus integrantes rumo às fileiras kirchneristas, formará um bloco de nove senadores. A Frente Ampla Progressista terá quatro senadores. Outros partidos menores dividirão as quatro cadeiras restantes.

GLOSSÁRIO CRISTINISTA

“Rainha Cristina” – Cristina Kirchner, por sua pose de diva, é chamada “A rainha Cristina”, em alusão ao filme protagonizado por Greta Garbo nos anos 30, no qual interpretava a absolutista e vaidosa rainha Cristina da Suécia. Biógrafos não-autorizados afirmam que ela adora ser chamada de “rainha”.
Presidenta: “Presidenta! Presidentaaa! Que fique bem claro para vocês. É ‘presidenta’”. Desta forma, com dedo em riste e marcando a letra “a” da palavra “presidenta”, a então primeira-dama repreendeu a plateia que participava do comício de lançamento presidencial em julho de 2007 (o público havia gritado em coro “Cristina presidente!”). Só nos primeiros 45 dias de governo, por ordens diretas suas, a Casa Rosada rejeitou mais de 300 documentos em cujo cabeçalho e texto aparecia a palavra neutra “presidente” (com “e” final). Atualmente, todos os documentos ostentam a versão com “a” exigida por Cristina.
“És too much” – “É demasiado”. Expressão que mistura espanhol com inglês usada por Cristina para reclamar de algo. Pronúncia da presidente: “tchúmátch”.
Louis Vuitton – Versace foi a marca no período menemista, já que o então presidente Carlos Menem apreciava as sedas multicoloridas do estilista italiano. Mas, durante o período kirchnerista, a marca – especificamente, com Cristina Kirchner (não Néstor) – passou a ser a francesa Louis Vuitton.
O Pinguim – Apelido de Néstor Kirchner por suas origens patagônias e seu perfil nasal, similar ao da ave polar. Cristina Kirchner é chamada de “La Pingüina” (a Pinguim-fêmea).
A Pinguineira – Refere-se aos mais de 2 mil funcionários de origem patagônia que Kirchner e seus ministros trouxeram à Buenos Aires. O termo também define o círculo íntimo presidencial.
Pinguins “puros” – Aqueles que estavam com o casal Kirchner desde que estes governavam a província de Santa Cruz nos anos 90. São as pessoas de maior confiança da presidente Cristina.
Kirchnerismo: Denominação da corrente política que, dentro do Peronismo, reuniu políticos de diversas tendências. O grupo apresenta-se como “progressista”, embora conte com vários caudilhos que estão no poder há décadas.
Nac e Pop: Nacional e Popular. Definição abreviada que os kirchneristas dão para contextualizar seu movimento político
Estilo K – Estilo de falar sem papas na língua, que também implica em bater primeiro para depois negociar.
Economia K – Termo que define medidas que misturam pragmatismo econômico a curto prazo com tons keynesianos, embalados por políticas neoliberais camufladas. Segundo uns, é “flexibilidade” ideológica. Segundo outros, “oportunismo”. O termo “empresariado K” define os industriais que respaldam sua política econômica, entre os quais diversas multinacionais estrangeiras.
“Él”: Ele. Forma como a presidente Cristina começou a referir-se sobre seu marido Nestor Kirchner após sua morte há um ano.
Cristinistas – Dentro do kirchnerismo, são os seguidores de Cristina. Basicamente jovens ministros, secretários e diretores de estatais cujo poder cresceu com Cristina. Exemplos: o novo vice, Amado Boudou e o novo chefe do gabinete de ministros, Juan Abal Medina.

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