domingo, 1 de maio de 2011

Pensando o Jornalismo e a Democracia - Jessica Macêdo

Jornalismo, violência e democracia – objeto e papéis sociais

Jéssica Macêdo

Ao longo dos últimos dez anos, diversos casos de violência estiveram na pauta midiática por tempo além do necessário para apenas divulgar o fato. Análises e conceitos tem participado da cobertura dos acontecimentos como algo complementar daquela informação. Seria esta a abordagem correta das tragédias contemporâneas?

Podemos dizer que os veículos de comunicação tem caminhado para o rumo correto, mas o atual modelo passa longe de ser o ideal. É importante lembrar que já foi bem pior, quando o papel da imprensa em casos de violência se resumia em dar apelidos a bandidos e incentivar a violência como resposta à violência. Como no caso, em 1964, do bandido “Cara-de-cavalo” (apelido dado pelo imprensa), que dentre muitas manchetes de jornais incitando a violência, a última do Última Hora (Rio de Janeiro) foi “Cara-de-cavalo: os bandidos morrem assim”, fazendo referência à morte de cara-de-cavalo alvejado por dezenas de tiros aos 23 anos de idade.

Sobre a abordagem da imprensa policial e especificamente sobre o caso “Cara-de-cavalo”, o repórter policial Luarlindo Ernesto, que trabalhou muitos anos na editoria de polícia do Jornal do Brasil, fez algumas declarações em entrevista ao livro Reportagem policial (Faculdade da Cidade, 1998), dentre elas, uma que mostra o quanto as mistificações realizadas pela imprensa, ainda que sem querer, podem encobrir o real retrato da violência social e policial:

“Foi um mito construído pela imprensa, um bandido muquirana, tinha uma mulher na zona, assaltava ponto de bicho em Vila Isabel e fumava uma maconhazinha, não era um bandido de expressão. O azar dele foi que o banqueiro de bicho chamou os amigos policiais e pediu para eles darem um sumiço no cara. Os policiais foram dar uma dura e, naquela afobação de prendê-lo, um policial matou um colega. Botaram a culpa no Cara de Cavalo e isso motivou uma caçada implacável ao jovem bandido, que tinha apenas 23 anos. (....)”


Essa construção mitológica de bandidos, aparentemente, chegou ao fim. Deu espaço a um jornalismo mais factual que ainda precisa de ajustes. Trazer apenas o factual para a pauta acarreta em adotar formas exaustivas de torná-lo interessante. A mídia tem ido com muita sede ao pote, motivada pelas manifestações pessoais de aceitação da população em geral. Quanto mais os espectadores consumirem esse tipo de informação, por mais tempo ela será explorada pelos veículos.

A violência está por toda parte. Segundo o Ministério da Saúde, por exemplo, a cada 10 horas uma criança é assassinada no Brasil, o que corresponde a mais de cinco mil mortes de crianças até 14 anos de idade nos últimos seis anos. A mídia divulga todas essas mortes? É notório que não. A violência que pauta a mídia é aquela que atinge da classe média alta para cima ou grandes proporções dramáticas e comoção, como o caso Realengo, por exemplo.

É nisso que a mídia falha, dentre outras coisas. No seu papel social. Ao invés de promover o incentivo ao combate à violência, ela trata o tema pontual de acordo com o seu interesse de audiência. Por mais que se afirme que os veículos tem papel de informantes do fato, eles também são formadores de opinião, responsáveis também pelo agendamento de políticas públicas.

Sempre que se trata um caso isolado dando destaque ao contexto social, alguma coisa muda. É preciso investigar, informar o fato e trazer para o debate maneiras de evitar e melhorar esse contexto social. Atualmente, os especialistas que tratam do assunto junto à mídia, tem visão tão limitada quanto os veículos. Geralmente, são fontes policiais que sabem apenas do seu papel e do seu próprio contexto.

O ministério público e o ministério da saúde também tem informações importantíssimas a respeito da violência como um todo, que se debatidas junto com a sociedade, poderiam ser construtoras de novas políticas de combate à violência e de conscientização social. Segundo pesquisa realizada durante a elaboração do livro “Mídia e violência – novas tendências na cobertura de criminalidade e segurança no Brasil” de autoria de Silvia Ramos e Anabela Paiva, 83,7% dos textos analisados em jornais de circulação nacional eram motivados por fatos cotidianos (assaltos, homicídios, acidentes) e apenas 6,1% traziam matérias de inciativa da imprensa para debater assuntos a respeito da segurança-pública.

Informações como estas mostram que de fato a abordagem midiática da violência evoluiu, mas ainda é muito deficiente no papel social que ela tem junto a sociedade e governos. O progresso é comprometido quando só se debate segurança-pública quando alguma tragédia acontece. Temos de evitá-la e não esperá-la acontecer para se tomar alguma providencia. Atitude que cabe tanto aos governantes quanto à mídia. A sociedade é espelho das atitudes de quem os dirige e vice-versa. Democracia é isso, o individual dá espaço ao coletivo. Todos participam respeitando seus papéis sociais.

*Jéssica Macêdo é jornalista, entusiasta dos estudos dos papéis e efeitos da mídia na sociedade contemporânea. Twitter: @lambujja Blog: http://lambujja.com.br

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