terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Reportagem WinTrade - O investidor e a concorrência

A favor da concorrência, em benefício do investidor
Por: Caroline Mazonetto

Em maio de 2009, Sadia e Perdigão anunciaram oficialmente a fusão das duas empresas e a criação da Brasil Foods. Naquela época, a companhia já nascia como a segunda maior indústria alimentícia do País e a terceira maior exportadora. A fusão, claro exemplo de negócio que geraria um quase monopólio no setor, virou polêmica e foi parar no órgão que vela pela livre concorrência em território nacional: o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Quase dois anos depois, o processo ainda não recebeu parecer definitivo do organismo, e os investidores que possuem ações da Brasil Foods continuam na expectativa, mesmo que remota, de que a fusão seja considerada ilegal. Se você é um desses acionistas, ou quer conhecer mais sobre como os organismos reguladores influenciam o mercado de capitais, entenda abaixo as consequências que as decisões do Cade podem ter na vida do investidor brasileiro.

Transações estratégicas – Operações de fusões e aquisições são consideradas transações estratégicas porque o resultado final acaba sendo maior do que as partes individualmente unidas. Ou seja, é uma conta onde 1 + 1 = 3. Esse é o caso da fusão ocorrida em 1999 da Brahma com a Antarctica, que deu origem à Ambev, iniciativa que permitiu à companhia resultante ter volume a ponto de competir no mercado mundial. Nesses casos, uma empresa se beneficia da outra e há um grande ganho de sinergia.

“O investidor estava interessado exatamente nisso, no desfecho da transação estratégica. O drama é a possibilidade de que a transação seja aprovada, mas depois revogada. As duas empresas vão por água abaixo”, explica o especialista em finanças André Massaro. Ele acrescenta que se um negócio como o da Ambev ou o da Brasil Foods afunda, o resultado final será menor que duas metades, e cada uma das partes, individualmente, terá um valor de mercado inferior ao que tinha antes do anúncio da transação.

“É a questão das expectativas. Continuam sendo as mesmas empresas que eram antes, mas a percepção do investidor fica prejudicada”, completa Massaro. E a preocupação não se refere somente ao Cade, mas aos órgãos equivalentes em outros países, no caso de fusões ou aquisições entre companhias internacionais. Para o especialista, no entanto, é raro que o conselho brasileiro tome esse tipo de atitude, e a regra geral é a aprovação.

Não foi o que aconteceu com a Nestlé, que comprou a Garoto em 2002 e teve o negócio vetado pelo Cade. O Conselho considerou que a aquisição afetaria a concorrência no mercado doméstico de chocolates. A gigante suíça recorreu contra a decisão na Justiça, e o caso se arrasta até hoje nos tribunais. Como nenhuma das empresas tem ações negociadas na Bolsa brasileira, os investidores escaparam do prejuízo.

Tempos instáveis – O trâmite até a aprovação regulamentar da transação estratégica é demorado e complexo. Por isso, o período pode ser sofrido para quem possui ações das empresas em questão. A época que se estende entre o mercado saber da negociação e a decisão final dos organismos competentes costuma ser de alta volatilidade para os papéis. Há sobe e desce causado por boatos e notícias, e o rumo das ações fica incerto.

Em junho do ano passado, quando a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae, do Ministério da Fazenda) divulgou a decisão de aprovar com restrições a fusão entre Sadia e Perdigão, as ações da Brasil Foods chegaram a cair 4,2%. Em seu parecer, a Seae assinalou uma concentração que poderia impedir a entrada de novas empresas nos segmentos de carne de peru e em produtos industrializados.

“É preciso ter muita atenção com as companhias que se investe, onde se investe e por quanto tempo se investe. O mercado de ações tem as suas surpresas”, contrapõe Creomar de Souza, consultor político e professor de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec-DF).

Para André Massaro, quem segue uma estratégia baseada em análise técnica ou fundamentalista deve se ater ao plano original, independente do que estiver acontecendo, e tratar a ação da empresa sob análise do Cade como outra qualquer. “O investidor mais passivo pode não comprar, ou pode se preparar para fortes emoções”, brinca o especialista. O conselho básico de investir somente o dinheiro que se pode perder vale ainda mais para companhias que estão passando por um processo de fusão ou aquisição.

“Quem for mais sensível ao estresse do mercado financeiro deve evitar esse tipo de empresa, deve esperar a conclusão”, complementa Massaro. De acordo com ele, mesmo que o preço do papel esteja muito alto após o parecer final, se a expectativa de retorno do investimento ainda estiver grande não há nenhum problema.

Mas nem só de fusões e aquisições vive o Cade. Decisões do conselho referentes à livre concorrência também são capazes de afetar de outras formas as empresas brasileiras com capital aberto. Exemplo disso é a aplicação de multas: em julho de 2009, o conselho aplicou uma multa recorde de R$ 352,6 milhões contra a Ambev, culpada por exigir exclusividade de seus produtos nos pontos de venda, além de inibir a comercialização de outras marcas. Até então, a maior penalidade do tipo havia sido dada à Gerdau, que foi condenada a pagar R$ 156 milhões por formação de cartel na venda de aço. No dia em que a notícia da multa contra a Ambev chegou ao mercado, as ações recuaram 3,32%.

Regulação – De um modo geral, o papel do Cade é impedir que as negociações das grandes companhias prejudiquem o consumidor e os pequenos empresários. Por isso, a dificuldade do Conselho é definir quando as fusões e aquisições realizadas no Brasil são boas para todo o conjunto da obra – que inclui os chefes de conglomerados, os pequenos investidores e a sociedade como um todo.

Para Creomar de Souza, do Ibmec-DF, decisões nas quais o Cade se contrapõe a alguns dos interesses em jogo são processos naturais dentro de uma democracia, já que a tendência de concentração tem feito com que, em alguns momentos, a concorrência seja injusta. “O que se deve esperar é que o organismo continue se fortalecendo no decorrer do tempo e defendendo o interesse dos pequenos investidores”, afirma o consultor político.

Nessa batalha, o Cade conta também com a ajuda da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Banco Central, o grande regulador do sistema financeiro nacional. E as coisas caminham bem por aqui. Os organismos brasileiros são exemplo para o mundo, em um processo realizado há 20 anos e que envolve movimentos políticos, bancos, companhias e outros atores. “Reflexo disso é que a crise financeira de 2008 não bateu forte. A regulação também protegeu o pequeno investidor e o consumidor final”, acrescenta Souza.

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