sábado, 20 de abril de 2013

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados na implementação da política externa do Brasil

Entre a irrelevância das análises da imprensa e a relevância fática do estado democrático de direito.


Por Gabriel Romero

          Há alguns dias, em discussão sobre processo legislativo com um colega, eu ensejava
divagações e tentava convencê-lo de que as manifestações contra a presidência do dep. Marco
Feliciano na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados
eram parte de uma estratégia gramciana maior, cujas pretensões tinham a trincheira do
pensamento como o novo teatro da revolução. Meu colega, contudo, sempre teve desprezo
pelo papel desempenhado pelas Comissões temáticas do Legislativo: percebia essas instâncias
decisórias como meros arranjos políticos cujas possibilidades de ação não ultrapassam as
orientações das lideranças partidárias; ademais, argumentava que a CDHM era um órgão de
decisão irrelevante para as opções políticas do país.
          Se posso, em parte, concordar com a primeira afirmação de meu colega, não poderia
discordar mais de sua segunda consideração. Minha tese é a de que a CDHM é na verdade um importante locus decisório do país. O foco deste breve ensaio reside no papel dessa Comissão para a implementação da política externa do país. Tangenciar-se-á noções sobre essa temática.
     Senão vejamos. Uma das mais importantes funções do poder Legislativo para a formulação e implementação da política externa brasileira refere-se a sua prerrogativa de ratificar Tratados, Acordos ou Convenções internacionais. Uma vez assinado um Acordo internacional pelo presidente da República ou seu plenipotenciário, para que o Tratado adquira validade no plano doméstico, ele deve ser aprovado pelo Congresso Nacional. É um procedimento administrativo, portanto, complexo: enseja a anuência de dois Poderes da República. Mas de que maneira a CDHM influiria nesse processo?
          A tramitação de qualquer projeto de lei no Legislativo é feita, necessariamente, com a
participação das Comissões cujos temas do projeto lhe sejam convergentes. Por exemplo: um projeto de lei ordinária que tenha como propósito alterar uma lei sobre educação fundamental necessariamente passaria pela Comissão de Educação de ambas as Casas Legislativas. No caso de Tratados internacionais, essa regra não se altera, uma vez que o processo de tramitação pelo qual o Acordo será submetido visa a torná-lo matéria legal. Dessa forma, um Acordo internacional – ou quaisquer outras espécies legais – sobre direitos humanos ou sobre minorias tramitaria necessariamente pela CDHM da Câmara Baixa.
          Mas o poder decisório da Comissão presidida pelo dep. Marco Feliciano não se esgota aí. No Brasil, temos um modelo bem particular acerca da força legal dos Tratados internacionais sobre direitos humanos. Essas Convenções internacionais podem possuir no país status supralegal ou de emenda à Constituição, de acordo com o rito processual que lhes forem submetidas. É simples. Se o Tratado internacional sobre direitos humanos for aprovado
por maioria simples em um turno de discussão e votação pelo plenário, ele terá força legal
supralegal: acima das leis infraconstitucionais, mas hierarquicamente abaixo da Constituição
– pode, portanto, revogar leis infraconstitucionais que lhe sejam contrárias. Se o Tratado,
contudo, for aprovado por maioria qualificada de 3/5 em dois turnos de discussão e votação
– a mesma tramitação para aprovar emendas à Constituição –, o Acordo terá força legal
equivalente ao de emenda à Carta Constitucional, o que significa que esse Tratado poderá revogar inclusive artigos constitucionais (mas não todos; cláusulas pétreas não podem
sofrer alterações tendentes a abolir sua natureza legal), emendas à Constituição e leis
infraconstitucionais que lhe sejam contrárias. É esse o entendimento desde a promulgação da
Emenda à Constituição 45/2010 (EC 45/2010).
       Mas algumas indagações ainda permanecem: quais os temas percorridos por um Tratado internacional sobre direitos humanos? Um Tratado internacional sobre direitos humanos necessariamente deverá ser submetido a rito semelhante ao de emenda à Constituição? Ou seria possível à Casa Legislativa indicar o rito pertinente: seja tramitação ordinária, seja de emenda à Constituição? Não temos respostas para essas questões. A doutrina de Direito Constitucional é altamente divergente sobre esses pontos, e só tivemos uma Convenção sobre direitos humanos aprovada com o rito legislativo de emenda à Constituição desde a promulgação da EC 45/2010: a Convenção de Nova York sobre os direitos das pessoas com deficiência, de 2009, que suscitou várias divergências regimentais pelos parlamentares. Podemos, contudo, projetar cenários, já que os Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal não nos fornecem soluções.
          Um cenário viável é o que vincularia a CDHM como locus decisório por excelência para decidir se um Tratado internacional seja ou não de direitos humanos. Mesmo que uma Mensagem do presidente da República venha anexa ao Tratado sustentando que o tema do Tratado seja acerca de preceitos fundamentais humanos, a Comissão temática pertinente poderia, a partir da elaboração de um parecer, discordar do posicionamento do Executivo. Esta é justamente uma das prerrogativas das Comissões: elaborar pareceres acerca dos projetos de lei a ela submetidos, com a devida justificativa para sua aprovação ou rejeição. Além disso, esse parecer poderia indicar o rito mais adequado ao projeto de lei. A CDHM poderia, portanto, decidir não apenas se o Tratado internacional é ou não sobre direitos humanos, como indicar o rito mais pertinente a ele, se considerar que o Tratado seja sobre direitos humanos.
           Ainda, em que pese, num limite, um cenário dos mais prováveis segundo o qual a CDHM não discutiria isoladamente acerca da natureza dos Tratados internacionais supostamente sobre direitos humanos submetidos ao crivo do Parlamento, a possibilidade de essa Comissão estar à margem decisória nesse processo seria, ao revés, altamente improvável e antirregimental. Percebamos, assim, que a CDHM, antes de ser uma Comissão cujo poder de decisão seja meramente formal, é um locus decisório relevante; e isso, inclusive, para a aprovação de Acordos internacionais que possam ter força legal de emenda à Constituição Federal.
          As discussões trazidas pela imprensa sobre a polêmica candidatura do dep. Marco Feliciano à presidência da CDHM poderiam ter ensejado análises sobre o papel das Comissões temáticas do Congresso Nacional. Sabemos que isso não ocorreu. Este ensaio, portanto, teve como fito preencher essa lacuna, delineando algumas noções acerca do processo legislativo constitucional e do procedimento legislativo regimental. Se as considerações descritivas e analíticas aqui desenhadas foram capazes de suscitar ao leitor algum interesse acerca da importância do papel do poder Legislativo para a implementação da política exterior nacional, especificamente acerca da aprovação de Tratados internacionais pelo Congresso Nacional, bem como salientar as prerrogativas das Comissões permanentes do Parlamento, nosso objetivo foi cumprido.

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