domingo, 7 de abril de 2013

Cultura da Coca-Cola light?


Cientista político diz que mundo atual é o da 'democracia de consumidores'


Maria Paula AutranDE SÃO PAULO

Uma via intermediária de governança, que mistura aspectos do Ocidente e do Oriente. Mais especificamente, dos sistemas americano e chinês. Essa é a proposta do livro "Governança Inteligente para o Século XXI" (Objetiva), recém-lançado no Brasil.
Os autores -Nathan Gardels, urbanista e cientista político, e Nicolas Berggruen, investidor e filantropo- dizem que vivemos hoje em democracias de consumidores, com visão de curto prazo.
Segundo eles, a governança inteligente consiste em chegar ao equilíbrio entre os dois sistemas, o que resulta em delegar mais poder e envolver mais os cidadãos.
Combinaria democracia esclarecida -dando mais poder para as comunidades nas tomadas de decisão- e uma meritocracia que prestasse contas, com base em capacidade e supervisionada pela população.
No Brasil para o lançamento da obra, eleita uma das mais importantes do ano passado pelo "Financial Times", os autores disseram à Folha que os países emergentes têm mais chances de aprender com os outros e construir uma via intermediária.

Leia os principais trechos da entrevista.


Democracia de consumidor

Nathan Gardels - Nas democracias industriais, havia um equilíbrio, você economizava agora para investir no futuro. Já nas democracias de consumidores, tudo é pensado a curto prazo.
A televisão diz para você comprar, comprar e comprar. Na política, as soluções são de curto prazo, no mercado, é o lucro no curto prazo que importa. A mentalidade dos consumidores é de gratificação imediata, o que torna mais difícil pensar no longo prazo. Vivemos a cultura da Coca light. As pessoas tendem a querer uma solução rápida e sem custo. É como querer doce, mas sem calorias, querer governo, mas sem taxas.
É a mesma ideia da bolha imobiliária dos EUA: vamos consumir sem nenhuma economia. Esse é o perigo da democracia de consumidores.


Governança inteligente

Não é um modelo, mas um estado de equilíbrio, porque todas as grandes governanças atualmente estão em um estado de desequilíbrio.
A Europa está dividida entre devedores e credores. Os Estados Unidos estão às voltas com o abismo fiscal, e a China vive o que chamamos de abismo social, porque está crescendo muito rápido, mas tem corrupção, problemas ambientais e falta de liberdade de expressão.
É preciso haver equilíbrio no que a China tem, que são a autocracia (no sentido de que não há eleição) e a meritocracia (no sentido de uma capacidade de governar além das brigas políticas), mas com responsabilidade, prestação de contas, imprensa livre etc.
Nos EUA, temos democracia, que, por definição, enfatiza o presente.
A governança inteligente é um equilíbrio entre os dois. O que nós propomos é um sistema em que você teria uma meritocracia com responsabilidade. Portanto, pessoas com conhecimento em instituições por um longo período. E a democracia tem que ser uma democracia esclarecida.
Uma ampla distribuição de poder e participação popular combinada com a capacidade institucional de oferecer e gerenciar bens públicos comuns (estabilidade financeira, qualidade do ambiente, qualidade de vida etc.).


Exemplos
Países menores alcançaram esse equilíbrio, porque é mais fácil chegar a consensos quando você tem uma população pequena. Alguns países escandinavos, por exemplo. Mas, quando você sai dos países pequenos, é mais difícil atingir um balanceamento.

Mas cada sistema tem alguns elementos. Aqui no Brasil, por exemplo, há o Bolsa Família, que não é só um programa para dar aos pobres, mas é atrelado à educação, é um mecanismo de presente e também de futuro.
No Chile, com [o ex-presidente] Ricardo Lagos, houve um programa em que uma parte das receitas do cobre ia para a educação e pesquisa e desenvolvimento.
São práticas e elementos de equilíbrio em diferentes locais. Mas os grandes sistemas como Europa, EUA e China estão em desequilíbrio.


Necessidades

A Europa precisa de mais democracia, no sentido de que a Comissão Europeia precisa ser eleita pelo Parlamento ou diretamente, para haver uma democracia legitimada.
Os Estados Unidos precisam de menos politização. Na China, você tem um governo tecnocrata que precisa de mais politização, mais liberdade de expressão e mais responsabilidade. O equilíbrio requer diferentes calibragens em cada lugar.


Economias emergentes

As economias emergentes, como Brasil, Chile, Colômbia e Turquia, são mais abertas para o mundo e para aproveitar o que funciona. Os países do Atlântico Norte não acreditam que podem aprender com ninguém.
A América Latina tem mais chances, mas a tentação é o populismo, gastar toda a riqueza e não construir um futuro, porque a democracia enfatiza o curto prazo, você quer prometer às pessoas o que elas querem agora, para ser eleito.


Redes sociais

Nicolas Berggruen - Elas têm um enorme papel, mas há diferenças entre Ocidente e Oriente. Num lugar como os Estados Unidos ou o Brasil, as redes sociais criam um ambiente dinâmico, mas acabam competindo com as mídias tradicionais, que já foram a voz da nação no passado.
No Oriente, basicamente na China, elas ajudam a contrabalançar o fato de a mídia ser um monopólio do poder.
Se não há uma competição real com o poder em termos de mídia, as redes sociais, que são muito ativas lá, são uma forma de as pessoas se comunicarem. Criam uma voz alternativa e engajam os cidadãos.


GOVERNANÇA INTELIGENTE PARA O SÉCULO XXI

AUTOR Nathan Gardels e Nicolas Berggruen
EDITORA Objetiva
TRADUÇÃO Martim Cardoso

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