sábado, 16 de abril de 2011

Coluna Direto de Buenos Aires - Tais Julião

As relações Argentina - Estados Unidos contemporâneas

Por: Taís Sandrim Julião*

Nos anos 1990, a Argentina figurava como um dos principais parceiros dos Estados Unidos na América Latina. Isso se devia principalmente à convergência entre o ideário denominado “Consenso de Washington” e as políticas macroeconômicas implantadas por Buenos Aires. A Argentina passou por um processo acelerado de privatizações de empresas estatais estratégicas – como na área de comunicações, transportes e energia -, abertura econômica e a adoção de medidas cambiais radicais. Esse período de alinhamento político-econômico aos Estados Unidos motivou a utilização da expressão “relações carnais” para descrever o estado das relações bilaterais.
No início dos anos 2000, o país enfrentou uma severa crise inflacionária, que viria a alterar não somente as dinâmicas macroeconômicas, mas também o cenário político argentino. Desde a crise econômica e social de 2001, as relações com os Estados Unidos tem sido objeto de reavaliação, iniciando-se processo de paulatino desgaste, ainda em curso.
Em muitos países latinoamericanos, as políticas neoliberais não foram capazes de realizar o projeto a que se propunham. Na Argentina, o modelo não somente fracassou como também provocou uma reflexão política crítica sobre o papel das relações com os Estados Unidos e com os organismos financeiros internacionais – em particular, o Fundo Monetário Internacional (FMI) -, como co-responsáveis pela situação degradante em que se encontrava do país.
Entre 1999 e 2002, o país buscou recuperar suas instituições básicas e garantir a continuidade do processo democrático. Em 2003, foi eleito Néstor Kirchner, que ascendeu ao poder com a bandeira de renovação da política nacional e da defesa dos interesses argentinos. A relação com o FMI tornou-se conflitiva, e foram aprofundados laços com outros eixos, tais como a América do Sul e a América Latina.
A continuidade do kircherismo deu-se pela eleição de Cristina Kirchner em 2007, o que garantiu a continuidade de alguns processos políticos e econômicos iniciados na presidência anterior. No entanto, no que diz respeito às relações com os Estados Unidos, aprofundaram-se os antagonismos.
Em linhas gerais, as relações Buenos Aires-Washington contemporâneas podem ser compreendidas por meio de dois movimentos. O primeiro diz respeito ao processo de associação da presença estadunidense no país com a crise econômica e social dos anos 2000. A recuperação do país – ainda em curso, diga-se de passagem -, não deve pautar-se em um adensamento das relações comerciais e políticas com os Estados Unidos, mas sim em uma política externa plural, capaz de contribuir no fortalecimento da economia nacional, sobretudo a partir dos fluxos de comércio com novos e tradicionais parceiros da região.
Incidentes diplomáticos ocorridos neste ano sinalizam para o clima nada amistoso que impera entre os dois países desde meados de 2000: a apreensão da carga de uma aeronave norte-americana que trazia equipamentos militares para treinamento, e a visita de Obama ao Chile e ao Brasil, abordada pelos jornais com a manchete “Obama sobrevoa a Argentina”. Eventos como esses têm contribuído para o estabelecimento de um sentimento ambíguo com relação ao papel dos Estados Unidos.
Ademais, a decisão de reposicionar os Estados Unidos na agenda de política externa corrobora as percepções de demais países em desenvolvimento sobre o declínio estadunidense como pólo de poder central na economia política internacional. Dessa forma, os fluxos econômicos parecem apontar para o aprofundamento das relações com países parceiros - ou seja, países em desenvolvimento que compartilham uma visão sobre as mudanças na ordem internacional contemporânea -, e das relações no âmbito do Mercosul, em particular com o Brasil.
A propósito, o segundo movimento está relacionado à dinâmica brasileira no contexto regional e na política internacional. A Argentina parece observar o Brasil com olhos atentos. Por um lado, tem aderido ao projeto de construção de uma América do Sul unida e fortalecida política e economicamente. A Argentina tem buscado aproveitar o bom desempenho brasileiro para aprofundar as relações no âmbito do Mercosul comercial.
Por outro, preocupa-se com o ambiente favorável à campanha do Brasil para tornar-se membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas – posto também cobiçado pelos argentinos. Em termos políticos, a Argentina deseja ser um parceiro horizontal, reforçando que ambos os países exercem em parceria a liderança no subcontinente e, nesse sentido, são interdependentes em diversas agendas regionais e multilaterais.
Em 2011, ocorrerão eleições presidenciais e a presidente Kirchner ainda não se posicionou sobre uma possível candidatura à reeleição. Todavia, o cenário político aponta para uma continuidade do kirchnerismo. Nesse cenário, Estados Unidos parece ser cada vez menos uma opção na política externa argentina.

*Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília

2 comentários:

  1. Artigo interessantíssimo!!! Aviso aos colegas do 3° Semestre de REL do IESB que ano que vem irão estudar esse assunto em Economia Política Internacional. Sei também que além desta e de História da Economia Polítca Externa Brasileira, estudaremos muito este assunto.
    Abraços,
    Beatriz Gomes

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  2. Texto construído de maneira muito eficiente. Ter Tais como membro desse blog é uma grande felicidade.

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